A Batalha de Brody (1941): A maior batalha de tanques de todos os tempos que foi completamente esquecida

de

Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral

Introdução

Em 1941, aconteceu a Batalha do Triângulo Sangrento, também conhecida como a Batalha de Brody. O noroeste da Ucrânia não era o que se poderia chamar de país de tanques. Com excepção de algumas auto-estradas estreitas e mal conservadas, o movimento foi em grande parte restringido a estradas não pavimentadas que atravessam terrenos dominados por florestas, colinas, pequenos rios pantanosos e pântanos. No entanto, durante a primeira semana da invasão da União Soviética pela Alemanha, ocorreu ali uma batalha de tanques que envolveu até 3 mil veículos blindados. Esta luta numa área aproximadamente triangular delimitada pelas cidades de Lutsk, Rovno e Brody, tornou-se a precursora dos brutais confrontos blindados na Frente Oriental.

A Batalha de Brody foi uma grande batalha de tanques travada entre o III Corpo de Exército do 1º Grupo Panzer e o XLVIII Corpo de Exército (Motorizado) e cinco corpos mecanizados do 5º Exército e 6º Exército soviético, no triângulo formado pelas cidades de Dubno, Lutsk e Brody entre 23 e 30 de junho de 1941. Foi um dos combates blindados mais intensos na fase de abertura da Operação Barbarossa, e alguns analistas e historiadores afirmam que superou a famosa Batalha de Prokhorovka (12/07/1943).

Brody é a batalha com o maior número de tanques participantes, incorretamente, a Batalha de Prokhorovka, coloquialmente referida como a “Batalha de Kursk”, vista como a maior batalha de tanques. É conhecida na historiografia soviética como uma das “batalhas defensivas de fronteira”. Embora as formações do Exército Vermelho tenham infligido pesadas baixas às forças alemãs, foram superadas e sofreram enormes perdas em homens e tanques. A precária logística soviética, a supremacia aérea alemã e um colapso do comando e controle do Exército Vermelho garantiram a vitória da Wehrmacht, apesar da esmagadora superioridade numérica e tecnológica do Exército Vermelho.

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Os blindados alemães

No início da Operação Barbarossa, as unidades panzer (blindada) alemães eram compostas por uma mistura de tanques tchecos, alemães, franceses e britânicos. As forças blindadas do Heer (Exército Alemão) eram compostas basicamente por tanques leves como os Panzer I e Panzer II. Dos 4 mil veículos blindados disponíveis para a Wehrmacht, apenas 1.400 eram os novos Panzer III e Panzer IV. Nas primeiras horas da invasão, os comandantes alemães ficaram chocados ao descobrir que alguns tanques soviéticos eram imunes a todas as armas antitanque empregadas pelo Werhmacht.

Nos exercícios militares antes da guerra, o coronel-general Heinz Guderian observou que quando empregados isolados, os tanques eram vulneráveis à infantaria. Além disso, ele também observou que os tanques não possuíam armas de grande calibre necessárias para destruir bunkers de concreto armado e posições fortemente fortificadas, um papel que só poderia ser desempenhado por artilharia pesada ou ataques aéreos. Embora a dispersão dos tanques entre as formações de infantaria tenha resolvido muitos dos pontos fracos do tanque, também anulou alguns de seus pontos fortes. A solução seriam aumentar a potência de fogo dos blindados com a introdução dos canhões de 88 mm  nos modelos Tiger I e II.

Os teóricos militares alemães concluíram que para as unidades panzer atingirem o seu pleno potencial, as unidades blindadas precisavam de ser concentradas nas suas próprias formações e integradas com artilharia móvel (rebocada e autopropulsada), infantaria móvel (mecanizada ou blindada) e apoio aéreo aproximado, em operações de armas combinadas.

Guderian também concluiu que para que os tanques tivessem uma eficácia maior, todos os veículos blindados deveriam estar equipados com rádios para que cada comandante de tanque possa ouvir as instruções do comandante da unidade, permitindo que cada tanque trabalhe com todos os outros de forma organizada.

Uma divisão panzer alemã era uma formação bem equilibrada, dispunha entre 150 e 200 tanques, infantaria, artilharia e engenheiria motorizados. A logística de cada divisão Panzer incluía cerca de 2 mil caminhões. Além disso, cada divisão Panzer tinha a sua própria artilharia e infantaria, o que significava que, em vez de fornecerem um papel de apoio à infantaria, os panzers alemães desempenhavam um papel de liderança, com a infantaria fornecendo apoio.

A doutrina da Wehrmacht sublinhava a importância de treinar soldados para desempenhar várias funções. As tripulações dos tanques foram treinadas em funções de artilharia, a infantaria foi treinada como tripulações de tanques, etc. Mais importante ainda, as tripulações dos tanques também foram treinadas como mecânicos, dando-lhes o conhecimento para consertar equipamentos quebrados no campo.

As unidades blindadas alemãs fizeram duas campanhas bem-sucedidas e três anos de guerra, antes do ataque à União Soviética. Houve uma certa redução na coesão e eficácia das unidades causada pela duplicação do número de divisões Panzer antes da Operação Barbarossa. As unidades blindadas alemãs tinham comando, controle, comunicação e suprimentos. Além disso a logística era eficaz (principalmente no início da campanha contra a URSS), o treinamento de alto nível e a experiência de combate fez com que as unidades panzer fossem mais eficazes em combate do que os soviéticos.

T-26
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Os blindados soviéticos

Como os nazistas, a maioria dos tanques soviéticos eram leves, mal armados e com uma blindagem frágil apesar da sua enorme quantidades, algo em torno de 19 mil blindados. Os tanques mais modernos eram os KV-1, KV-2 e o T-34.

O grande teórico da guerra blindada soviética, o marechal Mikhail Tukhatchevesky chegou as mesmas conclusões que Guederian. Apesar disso, após a sua morte, os tanques do Exército Vermelho foram dispersos pelas divisões de infantaria na década de 1930.

Outros teóricos das operações blindadas como George Patton, Charles de Gaulle e JFC Fuller chegaram as mesmas conclusões com relação a estrutura organizacional e o emprego dos blindados nas batalhas.

Após o choque da blitzkrieg, os teóricos sobreviventes ao expurgo de 1936 (que eliminou grande parte da liderança do Exército Vermelho) como o marechal Konstantin Rokossovsky, foram reintegrados em suas posições e começaram a reunir tanques em formações concentradas. No entanto, em Junho de 1941, este processo estava apenas pela metade, pelo que muitos dos 19 mil tanques do arsenal do Exército Vermelho ainda estavam dispersos entre as divisões de infantaria na véspera da invasão. Isso garantiu que, mesmo que o Exército Vermelho tivesse um comando unificado, muitas de suas unidades blindadas seriam desdobradas aos poucos, atrapalhando o seu desempenho operacional.

No período imediatamente anterior à guerra, o Exército Vermelho encontrava-se em baixo nível de prontidão. As unidades blidadas não estavam concentradas; munições e outros depósitos de suprimentos não estavam camuflados, nem rapidamente disponíveis para as unidades de combate. Para agravar o problema, Stalin proibiu qualquer unidade do Exército Vermelho de abrir fogo contra patrulhas de reconhecimento, permitindo que os alemães pudessem identificar facilmente todos os principais alvos nos distritos fronteiriços.

Outra desvantagem em relação as unides panzer, as tripulações dos tanques soviéticos não eram treinadas para realizar concertos simples em seus tanques. Isso significava que problemas mecânicos simples resultaram no abandono de centenas de tanques do Exército Vermelho na beira da estrada a caminho da batalha. As unidades que conseguiram aparecer em seus pontos de partida descobriram que os suprimentos haviam sido destruídos ou movidos para outro local, sem terem atualizado as suas localizações. Após receber ordens de ataque e sem combustível ou munição, as tripulações responderam destruindo seus veículos e recuando. Centenas de tanques foram perdidos desta forma. A falta de equipamento rádio nos tanques foi fundamental para a falta de coordenação, comando e controle das unidades de taques.

Para agravar essas dificuldades logísticas, cada divisão de tanques do Exército Vermelho tinha entre 300-400 tanques, mas era apoiada por apenas 1.500 caminhões, sobrecarregando a logística. A experiência provaria que a proporção entre caminhões e tanques empregada pelos alemães era muito mais eficaz.

KV-2
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A manobra soviética

Os soviéticos reuniram seis corpos de exército mecanizados, com mais de 2.500 tanques, a fim de lançar um contra-ataque concêntrico através dos flancos do 1º Grupo Panzer. A intenção era tentar mais tarde, em um movimento de pinça (duplo envolvimento) vindo pelo norte com o 5º Exército Soviético e do sul com o 6º Exército Soviético. As forças soviéticas se reuniram a oeste de Dubno para deter o 6º e 17º Exércitos Alemães no flanco norte do Grupo de Exércitos Sul. Para isso, o 8º Corpo Mecanizado soviético foi transferido do comando do 26º Exército, posicionado ao sul do 6º Exército, e colocado sob o comando do 6º Exército, do tenente-general N. I. Muzychenko. Essa manobra fez com que todos os meios móveis disponíveis da Frente Sudoeste se voltassem contra o 1º Grupo Panzer, do coronel-general Paul Ludwig Ewald von Kleist, em direção a Kiev. A principal formação de infantaria alemã operando neste setor da frente, era o IV Corpo de Exército (general de infantaria Viktor von Schwedler) do 17º Exército (general de infantaria Carl-Heinrich von Stülpnagel) avançava para sudeste com o objetivo de cortar a linha ferroviária Lviv-Kiev.

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A Guerra no Ar

As condições das unidades da  Força Aérea Soviética designada para a Frente Sudoeste seguiu o padrão de toda a linha de frente: a maioria de suas aeronaves foram destruídas no solo como resultado de Stalin – desconsiderando a inteligência de que um ataque alemão era iminente – recusando-se a colocar a Força Aérea Soviética em alerta. Por exemplo, o 17º Regimento de Caças, do Tenente Arkhipenk,o foi apanhado no solo e quase totalmente destruído no terceiro dia da invasão. O restante do regimento, composto por apenas 10  I-153 Poliçarpov (caça biplnao, já obsoleto) e um MiG-1, recuou para um campo de aviação de reserva perto de Rovno. Mesmo assim, os soviéticos enviaram as aeronaves sobreviventes para apoiar a ofensiva. A Luftwaffe impediu o reconhecimento aéreo soviético, deixando os comandantes soviéticos cegos para uma batalha em rápido desenvolvimento e evolução.

A batalha aérea resultou em pesadas baixas para os atacantes soviéticos. O JG 3, sob o comando do Fliegerkorps IV, abateu 24 SBs Tupolev no primeiro dia. Entre as vítimas estava o comandante do 86 SBAP, Tenente-Coronel. Sorokin. Apenas 20 dos 251 SBs iniciais permaneceram com a unidade. As perdas alemãs também foram pesadas, com 28 aeronaves destruídas e 23 danificadas (incluindo 8 Heikel He 111 e Junkers Ju 88). Os esforços da Força Aérea do Exército Vermelho não foram infrutíferos, já que a superioridade aérea quase total da Luftwaffe seria um fator importante para interromper o contra-ataque soviético.

A ordem de batalha

Werhmacht

O Grupo de Exército Sul, do marechal Gerd von Rundstedt, empenhou nesta batalha O 3º Corpo Panzer (13ª e 14ª Divisões Panzer), 48º Corpo Panzer (11ª e 16{ Divisões Panzer) e o 14º Corpo Panzer (9ª Divisão Panzer). Estas unidades estavam dotadas dos leves Panzer III e IV.

O Exército Vermelho

Os soviéticos desdobraram 6 corpos de exército mecanizados: 4º, 8º, 9º, 15º, 19º e 22º. Com cerca de 3.429 tanques, mas apenas 443 era os modernos T-34 e versões do KV.

A maioria das unidades soviéticas estavam incompletas e mal haviam completado treinamento básico. O comando e o controle era sofríveis. A logística era precária faltava munição, combustível e peças sobressalentes.

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A batalha

Em 22 de junho de 1941, o 1º Grupo Panzer, do coronel-general Paul Ludwig Ewald von Kleist,  ponta de lança blindada do Grupo de Exércitos Alemão Sul, rompeu as linhas soviéticas perto da cidade fronteiriça de Vladimir-Volynski, na junção do 5º e 6º Exércitos soviéticos. Como resultado deste movimento tático, uma lacuna de 40 km de largura permitiu que as  tropas da Werhmacht invadissem o território soviético. O 5º Exército Soviético, comandado pelo Major General M. I. Potapov, suportou o peso do ataque inimigo, tentando desesperadamente desacelerar a ofensiva alemã.

Os planos operacionais alemães previam um avanço rápido para a capital ucraniana, Kiev, capturando-a e alcançando o rio Dnepr, pouco além da cidade. Depois de atingir este objetivo, as tropas alemãs deveriam avançar para o sul ao longo do rio, encurralando a maior parte das forças das Frentes Sudoeste e Sul Soviéticas. A captura de Lutsk, um importante centro rodoviário, permitiria às unidades móveis alemãs uma oportunidade de entrar em terreno aberto e avançar ao longo de dois eixos até Kiev: Lutsk-Rovno-Zhitomir-Kiev e Lutsk-Dubno-Berdichev-Kiev.

No final do primeiro dia da invasão, o tenente-general M. P. Kirponos, comandante da Frente Sudoeste, recebeu instruções do Comitê de Defesa Nacional Soviético para contra-atacar imediatamente na direção de Vladimir-Volynski, destruir as forças alemãs que operavam naquela área e ocupar a cidade de Lyublin até ao final do dia 24 de junho.

A cidade de Lyublin estar localizada a mais de 80 km dentro da Polônia ocupada pelos alemães fez com que o General Kirponos se perguntasse se o Stavka realmente compreendia a situação que se desenrolava na fronteira. Mesmo percebendo que sua missão não era realista, Kirponos foi obrigado a cumprir sua ordem. O problema que ele enfrentava era duplo. Não só a situação defensiva soviética era instável, mas os cinco corpos mecanizados destinados à contra-ofensiva estavam espalhados por todo o noroeste da Ucrânia. Algumas unidades levariam até três dias para chegar à área de operações, ou seja, os cinco corpos mecanizados seriam desdobrados em combate de forma fragmentada, com cooperação, coordenação e controle de forma precária ou mesmo ou inexistente entre eles.

O cronograma apertado não permitiu a Kirponos tempo suficiente para concentrar as suas forças e preparar-se adequadamente para o contra-ataque. Para complicar ainda mais a situação, muitas unidades do corpo mecanizado soviético eram mecanizadas apenas no nome. Muitos regimentos das divisões de infantaria motorizada não tinham transporte sobre rodas e muitos regimentos de artilharia estavam lamentavelmente carentes de viaturas. Havia uma escassez generalizada de equipamentos de comunicação, artilharia e munição.

À medida que as formações mecanizadas soviéticas começaram a mover-se em direção à fronteira, a Luftwaffe lançou uma série de ataques aéreos contra as colunas blindadas se deslocando ao longo das estreitas estradas ucranianas. Muitas vezes, os condutores soviéticos, tentando desesperadamente manobrar para se proteger, ficando atolados no lamaçal e tiveram de abandonar ou explodir os seus veículos. O desgaste de veículos blindados mal conservados devido a avarias mecânicas começou a atingir proporções alarmantes. Devido a perdas causadas por ataques aéreos e falhas mecânicas, algumas formações de tanques soviéticos acabaram por entrar em ação com menos de 50% da sua força operacional.

Ainda assim, as forças convergindo contra o 1º Grupo Panzer eram formidáveis, os soviéticos tinham quase o dobro do número de blindados dos alemães. A força real pré-guerra dos cinco corpos mecanizados soviéticos consistia em torno de 3.100 tanques. Mesmo considerando uma grande porcentagem de perdas não relacionadas ao combate durante a marcha de aproximação da batalha, esses números ainda superavam em muito, os poucos mais de 600 tanques alemães.

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Em 24 de junho, a 19ª Divisão de Tanques do 22º Corpo Mecanizado soviético entrou em contato com as unidades da vanguarda alemã a oeste de Lutsk. Esta divisão foi atacada pela Luftwaffe durante a sua marcha de aproximação e sofria com as avarias mecânicas. Somente 45 tanques T-26 e 12 carros blindados foram organizados em um regimento provisório e colocados em ação após uma curta barragem de artilharia preparatória. A batalha contra as unidades da 14ª Divisão Panzer alemã durou duas horas, durante as quais a unidade soviética perdeu a maior parte dos seus blindados restantes e forçada a recuar para 15 km a oeste de Lusk.

A batalha custou caro para ambos os lados. O major-general S. M. Kondrusev, comandante do 22º Corpo Mecanizado soviético, foi morto e o comandante da 19ª Divisão de Tanques ferido. Todos os comandantes regimentais da divisão também foram mortos ou feridos, além das perdas em blindados. A 14ª Divisão Panzer também sofreu pesadas perdas e não foi capaz de tomar Lutsk.

Durante a noite de 24 para 25 de junho, elementos das outras duas divisões do 22º Corpo Mecanizado (a 41º e a 215º Divisões) começaram a assumir suas posições ao lado do que restava da 19ª Divisão de Tanques. A escassez de combustível era grave e os oficiais soviéticos superaram parcialmente esse problema com uma solução expedita de campo de sifonar o combustível de veículos desativados e distribuí-lo para tanques operacionais.

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A Werhmacht captura Lutsk, Dubno e avança para o sul

Em 25 de junho, a 13ª Divisão Panzer invadiu Lutsk após um ataque de flanco bem-sucedido, forçando as unidades soviéticas a evacuar a cidade. A resistência desesperada do 22º Corpo Mecanizado soviético retardou o avanço dos dois corpos alemães por um dia e meio. O sacrifício do 22º Corpo permitiu que o 9º Corpo Mecanizado soviético chegasse a tempo de se posicionar na área de Rovno, cerca de 65 km a leste de Lutsk.

Já os alemães continuaram a explorar a lacuna aberta entre o 5º e o 6º Exército Soviéticos, avançando para sul de Lutsk em direção às cidades de Brody e Dubno, esta última foi tomada ao anoitecer. A situação do 5º Exército soviético era crítica. Muitas das suas unidades encontraram-se cercadas, espalhadas desde a fronteira até Lutsk. Os restos do 22º Corpo Mecanizado soviético retraíam em desordem ao longo da estrada para Rovno, espalhando o pânico à medida que recuavam. Somente o envolvimento direto de alguns oficiais do estado-maior do 5º Exército restaurou alguma ordem.

Em 26 de junho, os alemães tentaram abrir caminho para Rovno ao longo das rodovias Lutsk-Rovno e Dubno-Rovno, mas foram ncapazes de avançar devido à tenaz resistência 5º Exército Vermelho. Os alemães reajustaram seus planos e mudaram seu objetivo mais para o sul, para Rovno, ao longo das estradas secundárias para a cidade de Ostrog. A queda de Ostrog permitiria aos alemães cercar as forças soviéticas que defendiam Rovno ou, pelo menos, forçá-las a recuar.

O 19º Corpo Mecanizado Soviético, do major-general N. V. Feklenko, moveu-se para interceptar esta nova ameaça e se viu atrás das 11ª e 13ª Divisões Panzer, que formavam a ponta de lança alemã. O furioso ataque soviético dispersou várias unidades de apoio alemãs e avançou até 30 km em território controlado pelos alemães.

No início da tarde, a 43ª Divisão de Tanques soviética, a vanguarda do ataque, abriu caminho para a periferia leste de Dubno. A artilharia antitanque alemã infligiu pesadas baixas aos tanques leves T-26, que constituíam a maior parte do 19º Corpo Mecanizado. Os comandantes alemães reagiram a esta nova ameaça e contra-atacaram as duas divisões blindadas soviéticas. Preso entre a bigorna de duas divisões de infantaria alemãs e o martelo de duas divisões Panzer, o major-general Feklenko ordenou que o 19º Corpo soviético recuasse para suas posições iniciais nas proximidades de Rovno. Ao anoitecer, a luta cessou e Dubno permaneceu nas mãos dos alemães.

Enquanto os combates aconteciam em torno de Dubno, mais dois corpos mecanizados soviéticos, o 8º e o 15º, juntaram-se à batalha. Esses dois corpos atacaram a partir de Brody, conseguindo avançar 35 kms e cortaram as linhas de comunicação alemãs em torno da pequena cidade de Berestechko, cerca de 45 kms a oeste de Dubno. Por um curto período os soviéticos tiveram a chance de cercar os alemães em torno de Dubno.

T-34
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O 8º e o 15º Corpo Mecanizado foram as unidades mais potentes encontrados pelos alemães até agora. Mesmo após os ataques aéreos alemães e as falhas mecânicas, esses dois corpos ainda continham aproximadamente 1.500 tanques entre eles. Estas formações soviéticas incluíam aproximadamente 250 novos tanques médios T-34 e tanques pesados KV-1. Infelizmente para os soviéticos, os T-34 e KV-1 não estavam concentrados em grandes formações. Em vez disso, estavam foram dispersos pelas unidades pelos dois corpos. O aparecimento dos T-34 e KV-1 pegou os alemães de surpresa.

Os tanquistas alemães rapidamente descobriram que os novos tanques soviéticoss eram, em muitos aspectos, superiores aos panzers. A maioria das peças de artilharia de campanha e mesmos os canhões dos tanques alemãs (o modelo panzer IV tinha um canhão modelo KwK 40 L/48 de 75 mm) provou ser apenas marginalmente eficaz no combate a estes tanques. O T-34 e o KV-1 tinham um canhão de 76 mm, além de blindagens bem espeças. No entanto, o canhão antiaéreo Flak 18/36/37/41 de 88 mm, atuando na função antitanque de fogo direto, mostrou-se muito eficaz e, em breve, seria incorporado aos pazers.

Panzer IV
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As táticas alemães

Os comandantes dos panzers alemães tiveram que improvisar rapidamente novas táticas para lidar contra a superioridade numérica dos tanques soviéticos. Utilizando sua proficiência tática superior e os níveis mais elevados de treinamento das suas tripulações, os panzers alemães manobrariam para fora do caminho dos T-34 e KV-1, enquanto destruiam os BT-5/7 e T-26 mais leves. A artilharia de campanha alemã, aproveitando a sua maior mobilidade, atuaria num papel de apoio próximo e absorveria o ataque dos tanques soviéticos. Os Panzers III e IV alemães, depois de lidar com os tanques soviéticos mais leves, voltaram e atacaram os T-34 e KV-1s pelos flancos e pela retaguarda onde eram mais vulneráveis.

A maior cadência de tiro alemã foi um fator que contribuiu significativamente para que os alemães conseguissem neutralizar com sucesso os tanques soviéticos. Para cada tiro dado pelos taquistas soviéticos, os alemães geralmente podiam responder com dois a quatro tiros em troca. O grande volume de fogo muitas vezes resultava em acertos em áreas vulneráveis, como canos de armas, anéis de torres e lagartas. Imobilizados devido aos danos de combate, falhas mecânicas ou terreno difícil, os tanques soviéticos sucumbiam então a uma barragem de fogo.

Os engenheiros de combate alemães demonstraram uma coragem significativa ao se aproximarem dos tanques imóveis, mas que ainda disparando contra os tanques alemães e destruindo-os com cargas de mochila. Muitas vezes, os inexperientes condutores soviéticos moviam-se ao longo das rotas mais facilmente trafegáveis, mesmo que isso significasse expor os seus tanques a um maior fogo inimigo. Por exemplo, muitos deles guiavam os seus veículos ao longo dos topos de cumes ou colinas, apresentando suas silhuetas aos artilheiros alemães.

O comportamento das tripulações soviéticas em combate também foi extremamente desigual. Em algumas ocasiões, eles abandonavam a luta ou saltavam dos seus veículos ao menor contratempo. Noutras ocasiões, os soldados soviéticos lutavam com determinação fatalista, mesmo quando a situação táctica era desesperadora ou quando nada seria ganho com o seu sacrifício.

A falta de comunicações rádio entre as forças blindadas soviéticas foi um fator importante para seu o seu baixo desempenho em combate  e contribuiu para um maior número de perdas. Abaixo do nível de batalhão, poucos tanques soviéticos tinham rádios. Os motociclistas eram usados para transportar mensagens por distâncias maiores que a linha de visão, enquanto as companhias de tanques soviéticas e os comandantes de pelotão tinham que recorrer a sinais manuais e de bandeira. Isto resultou numa tendência dos tanques soviéticos se agruparem perto dos seus líderes para ver e seguir os seus sinais. Depois de perderem os seus líderes, as tripulações soviéticas, que não foram treinadas ou encorajadas a tomar a iniciativa tática, tornavam-se presas fáceis para os habilidosos tanquistas alemães.

T-35
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O tanque pesado T-35

Misturados à unidades de tanques T-34, os soviéticos desdobram 41 tanques pesados T-35 e os lançaram contra os alemães. Montando cinco torres, tripuladas por uma tripulação de 10 pessoas, muito pesados e muito lentos, esses tanques obsoletos sofreram múltiplas avarias mecânicas ou ficaram imobilizados antes mesmo de enfrentar o inimigo.

No início de julho, um relatório pós-ação enviado ao quartel-general da Frente Sudoeste pelo estado-maior do 8º Corpo Mecanizado afirmou que todos os 45 tanques T-35 foram perdidos. Quatro tanques foram abandonados quando o avanço dos alemães invadiram as bases do 8º Corpo, 32 sofreram avarias mecânicas e dois foram destruídos pelos ataques aéreos alemães durante a aproximação da batalha. Apenas sete T-35 realmente entraram na luta e todos foram destruídos pelo inimigo. Como as forças soviéticas estavam praticamente sem meios para recuperar e evacuar os veículos de combate desativados, todos os T-35 foram perdidos.

A batalha por Berestechko

A batalha de Berestechko se transformou em um pesadelo, uma zona de destruição de homens e máquinas de ambos os lados. Os aviões alemães atacavam as posições soviéticas sem parar. Os combates pesados continuam no flanco direito do 1º Grupo Panzer. O 8º Corpo de Tanques soviético conseguiu uma penetração profunda nas posições alemães, provocando uma grande desorganização na retaguardas na área entre Brody e Dubno. Aliás, a posição alemã em Dubno estava ameaçado pelo sudoeste. Embora estivessem causando graves problemas aos alemães, as duas formações blindadas soviéticas estavam esgotadas pelos muitos dias de combate intenso. O desgaste de homens, máquinas e equipamentos atingia proporções alarmantes. Apesar dos apelos do tenente-general Kirponos para retirar as suas forças para descanso e da necessidade de reforços, o Stavka, o Alto Comando Soviético, ordenou-lhe que continuasse a ofensiva.

Em 28 de junho, os alemães lançaram uma contra-ofensiva contra as exauridas formações soviéticas. O reconhecimento alemão foi capaz de encontrar o flanco esquerdo exposto do 8º Corpo Mecanizado soviético, e um ataque com quatro divisões começou a reunir as unidades soviéticas. À tarde, cada uma das três divisões do 8º Corpo Mecanizado viu-se cercada. Eles receberam ordens para romper o cerco e duas conseguiram fazê-lo. A terceira, porém, a 34ª Divisão de Tanques foi completamente destruída. Apenas cerca de mil homens conseguiram furar o cerco. Durante os combates, o corpo perdeu mais de 10 mil homens e 96 tanques, bem como mais de metade da sua artilharia. O 15º Corpo Mecanizado também estava sofrendo graves baixas.

Na noite de 29 de junho, ambos os 8º e 15º Corpos Mecanizados foram finalmente autorizados a recuar para o sul de Brody. As formações soviéticas começaram a travar ações desesperadas de retaguarda, tentando se desengajar dos alemães.

No dia 30, aviões alemães realizaram um grande ataque às colunas mecanizadas soviéticas que recuavam na direção de Zolochev pela rodovia, reduzindo-as a carcaças.

Os soviéticos em retirada

Ao mesmo tempo que uma parte do Exército Vermelho se retirava, o 8º e o 15º Corpo Mecanizado soviético entravam na luta, o 9º Corpo Mecanizado conseguiu finalmente concentrar-se para o seu próprio ataque a Dubno. Ao entrar em combate o major-general Rokossovksi, observou um grande número de soldados do Exército Vermelho perambulando sem rumo pela floresta. Ele rapidamente designou vários de seus oficiais de estado-maior para reunir os retardatários, armá-los da melhor maneira possível e colocá-los de volta nas fileiras.

Em 27 de junho, Rokossovski lançou seu ataque, contando com apenas 200 tanques leves, em ação contra Dubno. O 9º Corpo Mecanizado soviético encontrou forte resistência e os alemães começaram a sondar seus flancos, a fim de se infiltrarem nas lacunas entre suas unidades, ameaçando cercar o corpo. Rokossovski foi forçado a ordenar uma retirada ao anoitecer sem atingir o seu objetivo. Seu ataque, porém, atrasou o avanço alemão e aliviou a pressão sobre o 19º Corpo Mecanizado, que recuava na direção de Rovno.

Juntamente com as formações de infantaria atacadas do 5º Exército, os dois corpos mecanizados continuaram a defender Rovno obstinadamente por mais um dia, apesar dos melhores esforços alemães para tomar a cidade. No entanto, sua tenaz defesa da posição foi em vão.

Em 28 de junho, a 11ª Divisão Panzer alemã capturou a cidade de Ostrog e lançou uma ponte sobre o rio Goryn. As forças soviéticas que defendiam Rovno foram subitamente ameaçadas de serem cercadas, com unidades alemãs invadindo sua retaguarda. Relutantemente, as forças soviéticas abandonaram Rovno e recuaram para o outro lado do rio para assumir posições defensivas na área de Tuchin-Goschi.

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O fim do “Triângulo Sangrento”

Com a queda de Ostrog, a batalha do “Triângulo Sangrento” estava efetivamente encerrada. As maltratadas formações soviéticas conseguiram manter a linha no rio Goryn até 2 de julho, antes de finalmente serem forçadas a recuar ainda mais.

Em 7 de julho, os cinco corpos mecanizados soviéticos que participaram dos combates no “Triângulo Sangrento” tinham 679 tanques de uma força pré-guerra de 3.140. O 5º Exército Soviético, embora sangrando até o fim, não foi derrotado, e a maioria de suas formações de combate, embora tenham sofrido baixas terríveis, não foram destruídas.

O 5º Exército, agarrado ao extremo sul dos Pântanos de Pripyat, continuou a representar uma ameaça ao flanco esquerdo e à retaguarda do avanço alemão sobre Kiev, capital da Ucrânia. Constituiu um perigo para o lado alemão. Após a queda de Kiev em Setembro, o 5º Exército soviético e a Frente Sudoeste foram  destruídos. Os alemães fizeram milhares de prisioneiros e apreenderam muito equipamento.

Em 1944, Rokossovski regressou pela mesma área, só que desta com tanques T-34 e tropas em maior número e bem treinadas. Foram essas forças que empurrariam as exaustas tropas alemães para oeste, de volta à Alemanha.

Conclusão

Qual foi o raciocínio do Alto Comando Soviético em empregar cinco corpos mecanizados de forma tão negligente? Será que os generais não perceberam a gravidade da situação e a futilidade de manter posições avançadas? É possível que o Alto Comando Soviético, baseando-se em informações incompletas ou falsas, tivesse a impressão de que não se tratava de uma grande invasão, mas sim de uma operação fronteiriça. Afinal de contas, a União Soviética tinha travado dois conflitos fronteiriços contra o Japão no final da década de 1930, sem que nenhum deles se expandisse para uma guerra em grande escala. Pode ser também que a liderança soviética tenha percebido muito bem a gravidade da situação e desdobrou as unidades mecanizadas para ganhar, enquanto fazia a mobilização. Durante a batalha os escalões da linha da frente trocaram tempo, com o seu sangue, permitiam que reservas fossem formadas, armadas e enviadas para a batalha. Talvez a verdade, como costuma acontecer, esteja em algum ponto intermediário. De qualquer forma, as batalhas de tanques no “Triângulo Sangrento” demonstraram aos alemães que a União Soviética não era, afinal, um “gigante com pés de barro”. Embora o 5º Exército e os cinco corpos mecanizados soviéticos não obtido sucesso de destruir o grupo blindado alemão, mas conseguiram retardar a ofensiva alemã durante nove dias. Este atraso, de 24 de junho a 2 de julho, perturbou significativamente o calendário alemão de operações na Ucrânia. Depois de fáceis vitórias alemãs na Europa Ocidental, a tenacidade dos soldados soviéticos e a sua vontade de disputar cada centímetro de terreno constituiu uma surpresa desagradável. Uma longa e dolorosa luta estava pela frente.

Imagem de Destaque: https://warfarehistorynetwork.com/article/the-eastern-fronts-bloody-triangle/

Fontes

https://nationalinterest.org/blog/the-buzz/the-battle-brody-the-biggest-tank-battle-ever-its-been-19836

https://en.topwar.ru/170237-byl-li-kontrudar-v-1941-pod-dubno-luckom-brodami-tankovym-srazheniem.html

https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Brody_(1941)

The Battle of Brody: Disaster Along WWII’s Eastern Front

https://en.topwar.ru/170237-byl-li-kontrudar-v-1941-pod-dubno-luckom-brodami-tankovym-srazheniem.html

7 of the Most Epic Tank Battles in History

http://www.questions4steveb.co.uk/html/Wargames/WW2-Brody-Dubno?mobile

https://en.topwar.ru/186908-smertelnyj-marsh-tankovoe-srazhenie-v-rajone-dubno-brody.html

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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