Fernando Rocha
Introdução
Em 1411, a Guerra entre Castela e Portugal finalmente chegou ao fim com a Paz de Ayllon (Segóvia). O tratado de paz só ratificada em 1423, incluía também a França e Aragão, pacificado o reino, Dom João I, de Portugal, planejou tomar a importante cidade de Ceuta, devido a uma série de considerações políticas, estratégicas, comerciais e religiosas. Além disso, seria uma oportunidade assim como os filhos mais velhos da rainha Filipa (de Lancastre), os príncipes D. Duarte, D. Pedro e o D. Henrique (“O Navegador”) de se sagrarem cavaleiros em um cruzada contra os mouros que controlavam a cidade.
O príncipe Henrique, principal defensor do projeto, fora influenciado por João Afonso de Azambuja, membro do Conselho do Rei, e com o apoio do condestável D. Nuno Álvares Pereira aconselhou o Rei D. João I, a conquista da cidade portuária de Ceuta, no Norte de África. Um empresa custosa e arriscada para o recém formado reino de Portugal e Algarves.
Na altura, Ceuta era o principal porto marroquino no Mediterrâneo e um centro comercial muito importante situado no Norte de África, diretamente do outro lado da Baía de Algeciras e Gibraltar. A cidade era uma importante base de apoio ao Reino Nasrida (Mouro) de Granada, localizado no que hoje é o sul da Espanha, de modo que sua perda isolaria ainda mais o Reino de Granada do resto do mundo muçulmano.
Ainda indeciso, o Rei de Portugal reuniu o seu Conselho de Guerra, D. Nuno Álvares Pereira, Condestável de Portugal, apoiou a ideia, que traria vantagens políticas e econômicas para o reino.
Preparações
Com o objectivo de conhecer as defesas de Ceuta, o Rei enviou à Sicília dois dos seus homens numa Missão Diplomática chefiada por D. Álvaro Gonçalves Camelo, Prior do Crato, Mestre do Ramo Português dos Cavaleiros Hospitalários, a pretexto de pedindo a mão da rainha viúva em casamento para um de seus filhos. A caminho, os espiões portugueses pararam em Ceuta cumprindo a sua Missão Secreta
Enquanto isso, preparações secretas estavam sendo feitas para montar um exército de 20.000 homens e uma armada de cerca de 212 navios.
D. Henrique, partiu para o Porto onde reuniu 70 Naus e muitos homens do norte, incluindo o seu Meio-Irmão D. Afonso, Conde de Barcelos, e os seus vassalos. Ao mesmo tempo, o Príncipe Pedro, recrutava homens e angariava recursos na Extremadura, Alentejo e Algarve.
Em Londres, João Vaz de Almada, Alcaide de Lisboa (Guardião de Lisboa) e seu filho, Álvaro Vaz de Almada (futuro Conde de Avranches e Cavaleiro da Jarreteira inglês), obtiveram autorização do Rei Henrique V, da Inglaterra, de recrutar um total de 750 cavaleiros, soldados e arqueiros, para participarem na Expedição Portuguesa.
No entanto, a reunião de tantos recursos militares não passou despercebida, e em breve, Embaixadores de Castela, Aragão, e mesmo do Reino Nasrida (islâmico) de Granada, vieram à Corte Portuguesa em Lisboa para espionar se um ataque era sendo preparado contra qualquer um de seus reinos. A princípio, o rei não lhes disse nada, mas depois, para acalmá-los, ele acabou apresentando uma justificativa (falsa), acrescentando que não era sua intenção quebrar a paz com Castela ou Aragão. O Embaixador do Reino Nasrida, no entanto, ficou pensando por mais algum tempo, até que um encontro entre dama da Corte, provavelmente enviada pela Rainha, e uma Princesa Nasrida, ocorreu no Palácio Jardins do Castelo de São Jorge. Lá, enquanto observavam flores juntas, a princesa Nasrida foi oficialmente informada de que, o que quer que o rei português estivesse preparando não seria direcionado a Granada. Logo depois, cavaleiros, homens de armas, arqueiros, besteiros, arqueiros e arcabuzeiros, da Inglaterra, Castela do Norte e Navarra, junto com alemães e italianos do Sacro Império Romano, também se juntaram à Cruzada, embora, na época, o destino ainda era desconhecido.
Foi por esta altura, com tanta gente vinda de toda a Europa e todos reunidos em Lisboa, que de repente a peste bubônica atingiu a capital portuguesa, e uma das suas vítimas foi a Rainha D. Filipa de Lancastre. A influência política da rainha permitiu a D. Manuel I reunir recursos na Inglaterra e em outras monarquias europeias.
A viagem
A 25 de julho, a Esquadra Portuguesa de pouco mais de 212 navios (33 Naus, 59 Galés e 120 caravelas, além de outros navios menores), partiu de Lisboa com destino a Lagos onde ancoraram 2 dias depois. Só então o seu destino foi tornado público as participantes da expedição, juntamente com a bênção do Papa para a Cruzada. A Esquadra deixou então Lagos, fazendo paradas em Faro e Tavira, onde foram embarcados os últimos contingentes e suprimentos. Entretanto, a falta de ventos favoráveis impediu a sua partida até 7 de agosto.
No mar novamente, quando a Esquadra estava prestes a chegar ao Estreito de Gibraltar, foi desviada por uma violenta tempestade que rompeu sua formação e jogou a maioria dos navios na Baía de Algeciras, onde os portugueses foram temporariamente forçados a refugiar-se até que a tempestade passasse. Neste ponto, alguns sugeriram desistir de Ceuta e atacar Algeciras ou mesmo a vizinha Gibraltar, cujo nome significa “Travessia de Tariq”, em homenagem ao general berbere Tariq que ali atravessou com o seu exército quando invadiu a “hispânia visigótica”, lá em 711 d.C.
Vendo alguma discórdia entre os seus capitães, o Rei reuniu o Conselho de Guerra para decidir o que fazer a seguir, e mais uma vez prevaleceu a voz de D. Nuno Álvares Pereira, Condestável de Portugal, mesmo estando lá apenas como observador, salientou que não importava quantos obstáculos ainda possam surgir, eles devem proceder de acordo com o plano, que já havia sido aprovado por Deus. Em 11 de agosto, com a melhora do tempo, a esquadra partiu para Ceuta.
Apesar da curta distância entre Algeciras e Ceuta (do alto da serra avista-se a outra do outro lado do Mediterrâneo), no entanto, a Armada levaria mais 10 dias para ultrapassar aquela pequena distância, isto porque a meio caminho, mais ou menos onde o Oceano Atlântico encontra o Mar Mediterrâneo, outra tempestade apareceu e jogou muitos dos navios contra a costa mediterrânea da Península Ibérica, e desta vez alguns dos navios foram jogados fora até Málaga.
A captura de Ceuta
A 21 de agosto de 1415, a Armada finalmente chegou às Muralhas da Cidade de Ceuta, surpreendendo os marroquinos.
Entre os primeiros 150 portugueses a desembarcar em terra, encontrava-se o Infante D. Henrique e o seu Grupo de 17 Cavaleiros e Armas. Imediatamente atrás deles vinha o Príncipe Duarte, herdeiro do trono, à frente da sua comitiva, e ambos os grupos precipitaram-se rapidamente para dentro da cidade pela Porta de Almedina, matando no seu caminho todos os que lhes tentassem opor-se.
Uma vez dentro da Cidade, os dois Avanços Portugueses encontraram grandes quantidades de grãos, azeite, mel e especiarias nos bazares, mas depois perderam-se de vista naquele labirinto de ruas estreitas, e logo, enquanto se dirigiam para a Alcáçova. A fração menor do Infante D. Henrique ficou encurralado pelos defensores mouros, e agora eles tiveram que lutar por suas próprias vidas. Nesta luta, Vasco Fernandes de Ataide, Governador da Casa do Infante D. Henrique, foi morto por uma pedra atirada à sua cabeça.
Entretanto, chegaram ao rei rumores de que o seu filho Henrique tinha sido morto, mas cerca de duas horas depois, o príncipe Henrique e 4 sobreviventes de sua tropa foram encontrados pelo seu Aio Garcia Moniz, e depois escoltados em segurança de volta à presença do Rei. No final do dia, com exceção da Torre de Menagem, o resto da cidade já estava em mãos portuguesas. Neste ponto, tendo perdido toda a esperança de reforços, o governador mouro, Sala-ben-Sala, conseguiu escapar da cidade sob o manto da noite.
No dia seguinte, 22 de agosto, os portugueses finalmente tomaram posse da Torre de Menagem e João Vaz (Vasques) de Almada, Alferes da Bandeira de São Vicente de Lisboa (Portador do Estandarte de Lisboa), foi convidado a hastear a sua bandeira no topo da torre. Ceuta era agora portuguesa. A 23 de agosto, depois que a mesquita ter sido rapidamente convertida em templo cristão, assistiu-se à missa e os filhos mais velhos do rei, Duarte (24), Pedro (23) e Henrique (21) foram finalmente elevados a Cavaleiros. O rei então ordenou o saque da cidade e que todas as riquezas e bens encontrados na cidade fossem recolhidos e embarcados nos navios da esquadra.
Segundo as Crônicas Portuguesas, a Conquista de Ceuta custou aos portugueses apenas 8 mortos, e com certeza algumas centenas de feridos, enquanto os marroquinos perderam alguns milhares de vidas durante o assalto e pilhagem da cidade.
Consequências
Após algum debate, o Rei decidiu manter e conservar a cidade, deixando D. Pedro de Meneses, futuro Conde de Viana (do Alentejo), como Governador Militar da Cidade juntamente com uma guarnição de 2.000 homens.
Com a cidade de Ceuta assegurada, a Esquadra regressou então a Portugal e ancorou primeiro em Tavira, onde o Rei, cumprindo também os desejos da sua falecida esposa, a Rainha D. Filipa de Lencastre, distinguiu ainda dois dos seus filhos. Nesta ocasião, o Rei fez Infante D. Pedro, Duque de Coimbra e Infante D. Henrique, Duque de Viseu e Senhor da Covilhã.
Três anos depois, em 1418, o Sultão Marinida (mouro) Abu Said Uthman, tentou recapturar a cidade de Ceuta com um cerco combinado por terra e mar. Enquanto isso, o governador português, Pedro de Meneses, resistiu a todos os ataques, mas enfrentando forças avassaladoras, conseguiu enviar uma mensagem ao seu rei pedindo reforços. Pouco depois, o rei enviou-lhe uma Armada sob o comando de dois dos seus filhos, Infante D. Henrique, Duque de Viseu e Infante D. João, futuro Condestável de Portugal. Quando os Marinidas (mouros) sitiantes viram a aproximação da Armada Portuguesa, desistiram da luta e levantaram o cerco. A cidade de Ceuta permaneceu sob administração portuguesa até 1640, quando a nova dinastia portuguesa de Bragança assumiu o trono português.
Nessa altura, a Cidade de Ceuta tinha perdido toda a sua importância estratégica e comercial para os portugueses, e apesar de Portugal estar agora novamente em guerra com Espanha, a cidade foi passada para a coroa Espanhola, que tinha um interesse muito maior na Mediterrâneo e já vinham abastecendo a cidade há muito tempo, desde a união dinástica (União Ibérica).
No entanto, desde a conquista portuguesa, em 1415, até aos dias de hoje no século XXI, a bandeira de Ceuta mantém-se praticamente inalterada, exibindo ainda as Armas de Portugal sobre as cores preto e branco da cidade de Lisboa.
Fontes primárias
Atualmente, o que sabemos sobre a História Medieval Portuguesa e Marroquina vem do que os Cronistas Muçulmanos e Cristãos que escreveram sobre ela. Esses textos não são a única evidência sobrevivente, mas são fundamentais para entender o que aconteceu durante esse Período da História Mundial.
Os mais importantes cronistas portugueses que escreveram sobre este evento específico foram:
Fernao Lopes (1380 – 1459), e Gomes Eanes de Zurara (1410 – 1474)
Outros cronistas medievais:
Ismail ibn al-Ahmar (c. 1324 – c. 1407)
Pero Lopez de Ayala (c. 1332 – 1407)
Jean Froissart (c. 1337 – c. 1404)
Goncalo Gonçalves (13?? – c.1418)
Hernando del Pulgar (c. 1436 – 1493)
Rui de Pina (1440 – 1522)
Duarte Galvao (1446 – 1517)
Imagem de Destaque: https://pt.wikipedia.org/wiki/Conquista_de_Ceuta#/media/Ficheiro:Infante_D._Henrique_na_conquista_de_Ceuta,_s.XV.JPG
Tradução e versão em português: Prof. Dr. Ricardo Cabral
Publicado originalmente na página do Facebook “This day, this battle” por Fernando Rocha. “The Conquest of Ceuta”, link https://www.facebook.com/groups/thisdaythisbattle
Outros sites pesquisados
https://pt.wikipedia.org/wiki/Conquista_de_Ceuta
https://www.revistamilitar.pt/artigo/1029
Parabéns pelo bom trabalho. Uma pequena correcção: O texto afirma que Gibraltar” significa “Travessia de Tariq”. Significa antes “Monte de Tariq” (Jebel= monte, montanha) .
Jebel-al-Tariq viria a dar em Gibraltar.
Cumprimentos