A criação da 1ª Esquadra da Marinha Imperial

de

Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral

A criação da Esquadra Imperial está diretamente ligada a proclamação da Independência do Brasil em 7 de setembro de 1822.

Mas por que a criação de uma esquadra era muito importante? A questão pode ser abordada da seguinte maneira. Não haviam estradas ligando país de norte-sul, a maior parte da população residia nas cidades litorâneas. Exceto algumas cidades em São Paulo e Minas Gerais os núcleos urbanos no interior do país eram pequenos. Províncias no Norte e no Nordeste estavam mais próximas e ligadas a Lisboa do que ao Rio de Janeiro cuja esfera de influência se estendia ao centro e ao sul do país. As linhas de comunicação marítimas eram fundamentais para a administração e a economia brasileira do período. No entanto, existem outros motivos.

Brian Valle coloca a questão nesses termos “Para o Governo de José Bonifácio, que procurava estender sua autoridade sobre um país que possui 7.600 km, o fator mais relevante nessa conjuntura seria o poder marítimo. Somente depois de obtido o domínio do mar poderiam ser bloqueadas e expulsas as guarnições portuguesas, compelindo o Norte a submeter-se, e serem subordinadas as diversas províncias à autoridade imperial”.

Esta tarefa só seria possível por meio de uma Esquadra que deveria obter o domínio mar, pois era por esse meio que as províncias litorâneas, onde estava concentrada a maior parte da população e da força produtiva brasileira, se interligavam e comercializavam seus produtos. A rápida formação da Marinha Imperial constituía-se no melhor meio de transportar e concentrar tropas leais e suprimentos para as áreas de embate contra os portugueses.

Paulo Castro argumenta que “Este conjunto de navios de guerra formaria uma Esquadra que impediria que os reforços enviados por Portugal chegassem aos portos das cidades brasileiras, ainda ocupadas pelos portugueses, interceptando e combatendo os navios que os trouxessem. Além disso, privaria as guarnições portuguesas de mais soldados e armas vindos por mar, bombardeando-as com canhões embarcados e transportando soldados brasileiros para reforçar as forças leais ao Imperador que lutavam contra as forças portuguesas no interior”

A esquadra portuguesa, fundeada em Salvador, constituída de uma nau com 74 canhões, quatro corvetas, dois brigues, seis canhoneiras e várias escunas era a força a ser vencida.

Em 22 de setembro de 1822, Gonçalves Ledo e Luís Pereira da Nóbrega enviaram uma representação sugerindo a D. Pedro a abertura de uma subscrição popular, mensal, a fim de se adquirirem navios de guerra. Esta sugestão só seria colocada em prática, por José Bonifácio em 24 de janeiro de 1823.

No dia 12 de outubro D. Pedro foi aclamado Imperador do Brasil.

A 22 de outubro de 1822, D. Pedro reorganizou o Ministério da Marinha, e nomeia o Capitão-de-Mar-e-Guerra Luís da Cunha Moreira como ministro. Como podemos verificar a Marinha Imperial nasce como uma continuidade da Marinha Portuguesa. Os órgãos instalados aqui com a chegada da Família Real Portuguesa, tem seu funcionários e militares substituídos por portugueses que aderiam a Independência e juraram lealdade ao Imperador, e brasileiros natos. Mas como assim?

A explicação está no alvará de 28 de julho de 1736, de D. João V, Rei de Portugal, que criou a Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, permitindo o ingresso de “brasileiros” na Armada real Portuguesa. O acesso e a progressão de “brasileiros” era cheia de obstáculos e dificuldade impostas pelos portugueses.

Cumpre ressaltar que em 22 de abril de 1821, D. João, cumprindo determinações das Cortes Constituinte em Lisboa, começou a transferir a estrutura administrativa do Reino de volta para Portugal. No dentre essas medidas, empossava D. Pedro como Príncipe Regente do Reino do Brasil e duplicava toda a estrutura administrativa no país, nomeando funcionários para os cargos criados, dentre elas a Secretário de Estado interino da “Repartição da Marinha” e foi a partir dessa base que D. Pedro criou a Marinha Imperial.

Paulo Castro afirma que “a Marinha Imperial não como uma instituição que foi criada somente em 1822, mas sim como uma Força Naval que se originou de parte da Armada Real e quando foi criada já estava consolidada, cultuava suas próprias tradições e operava os navios segundo as normas definidas, ainda, na Armada Real. A maioria dos navios e do pessoal em todos os níveis era de origem portuguesa. Por outro lado, ao longo do litoral brasileiro existia, desde muito antes da independência, uma infraestrutura composta de arsenais de Marinha capazes de construir e realizar reparos e manutenção dos navios da Armada Real.”

No porto do Rio de Janeiro, estavam ancorados vários navios da armada portuguesa.

– Naus: martim de Freitas, Príncipe Real, D. João de Castro, Afonso de Albuquerque e Vasco da Gama. Quase todas em mal estado de conservação e/ou inaproveitáveis, exceto a Martin de Souza que estava em bom estado.

– Fragatas: União (52 canhões), Real Carolina (44 canhões) e Sucesso. Todas foram aproveitadas.

– Corvetas: Maria da Glória (30 canhões) e Liberal (22 canhões), foram igualmente aproveitadas.

– Brigues: Real (10 canhões), Real Pedro (18 canhões), Independência ou Morte (14 canhões)  e Leopoldina (14 canhões), todas aproveitados.

– Escunas: Cossaka, Maria da Glória, Carolina, Catarina, Seis de Fevereiro, Maria Francisca e maria Zeferina

Os navios restantes passaram por uma inspeção para se verificar a possibilidade de serem reformadas.  Somente a Vasco da Gama e a Príncipe Real poderiam ser aproveitadas com muitas limitações.

Na Cisplatina, a Armada Portuguesa tinha a fragata Tétis (30 canhões), a escuna Maria Teresa, canhoneiras Infante D. Sebastião e a Nº 2. Existia a Flotilha do Uruguai composta pelas escunas  Oriental, Isabela Maria, D. Álvaro de Castro, Luís de Camões e Maria Isabel . As tripulações desses navios não eram confiáveis e tão logo tiveram oportunidade passaram para o lado dos portugueses. Na Bahia, dispunha de vinte pequenas embarcações também de pequeno valor militar. 

Em Londres, o general Felisberto Caldeira Brant Pontes iniciou negociações para contratar tripulações inglesas e comprar navios.

Em 10 de novembro de 1822, o pavilhão nacional foi hasteado pela primeira vez na nau D. Pedro.

Em 5 de dezembro de 1822, Cunha Moreira cria uma comissão para exigir de cada oficial da Armada se desejava servir ao Brasil ou não. Aqueles que se recusassem, deveriam voltar a Portugal. No final do processo 96 oficias permaneceram: 8 oficiais generais, 8 Capitães-de-Mar-e-Guerra, 13 Capitães-de-Fragata, 19 Capitães-Tenente, 10 1º Tenentes e 38 2ºTenente. As praças eram cerca de 900 marinheiros e 250 fuzileiros navais. Com relação às praças, não tomaram o mesmo cuidado e sofreriam por isso, já que não demonstravam lealdade ao Brasil e em várias ocasiões se amotinaram, como em 4 de maio de 1823, em Salvador.

Outros navios foram comprados e incorporados à Esquadra:

– em 14 de janeiro de 1823, a Fragata Sucesso foi reaparelhada e recebeu o nome de Niterói;

– Em 23 de janeiro de 1823, D Pedro comprou o brigue Maipu (18 canhões) que foi rebatizado com o nome de Cabloco;

– Em 11 de março 1823 o brigue inglês Nightingale foi comprado e rebatizado como Guarani.

– Ainda em março de 1823, chegaram ao Rio de Janeiro, os brigues (10 canhões) Atlanta e Rio da Prata, adquiridos pelos generais (francês) Pierre Labatut e por (português) Carlos Frederico Lecor.

Relação dos Navios que Constituíram o Núcleo Original da Armada Nacional e Imperial Brasileira

NOMECLASSE Nº CANHÕESANO INCORP.ANO BAIXAOBSERVAÇÕES
1.Príncipe RealNau 1822 Trouxera o Príncipe D. João para o Brasil, em 1807. Foi rearmada para a defesa fixa do porto do Rio de Janeiro.
2.Vasco da GamaNauDesarmada1822 Usada como presigang no porto do Rio de Janeiro.
3.D. Pedro INau741822 Ex-Martim de Freitas, construída na Bahia em 1763, reaparelhada no Rio de Janeiro em 1822.
4.ImperatrizFragata5418221836Construída no Pará em 1820, foi apresada aos portugueses.
5.PirangaFragata621822 Ex-União, construída na Bahia em 1817 e reaparelhada no Rio de Janeiro em 1822.
6.NiteróiFragata4218221834Ex-Sucesso, construída em Lisboa em 1818; reaparelhada no Rio de Janeiro em 1822 às expensas de um grupo de patriotas.
7.ParaguaçúFragata4418221852Ex-Real Carolina, construída em Damão em 1819; apresada aos portugueses em 1822, da esquadrilha que trouxe para o Rio de Janeiro o substituto do General Jorge Avilez, foi ali reaparelhada.
8.LiberalCorveta221822 Ex-Gaivota, construída em Lisboa em 1796.
9.Maria da GlóriaCorveta261822 Ex-Horatio, chilena, construída nos Estados Unidos em 1819.
10.LeopoldinaBrigue-Escuna1618221854Construída no Pará em 1817, apresada aos portugueses.
11.Luis de CamõesEscuna11822 Tomada aos portugueses em Montevidéu.
12.CatarinaEscuna 1822 Tomada aos portugueses em Montevidéu.
13.D. Álvaro de CastroEscuna518221825Tomada aos portugueses em Montevidéu.
14.CachoeiraEscuna11822 Ex-Lusitana, tomada aos portugueses pelos patriotas de Cachoeira – BA.
15.Conde dos ArcosCharrua 1822  
16.Sete de MarçoCharrua 18221827Incendiada pela tripulação em 1827 para não cair em mãos dos argentinos.
17.Gentil AmericanaCharrua101822 Perdeu-se no litoral do Rio da Prata, batida pelo vento pampeiro.
18.MaceióCorveta181823 Construída em Alagoas em 1823.
19.CabocloBrigue1818231835Ex-Maipu, adquirido por D. Pedro I a Jewett em 1823 e doado à Nação.
20.CaciqueBrigue1818231827Ex-Reino Unido, português, foi reaparelhada no Rio de Janeiro em 1823. Em 1827, foi apresado por corsário argentino no litoral de Pernambuco.
21.Real PedroBrigue1418231826Construído na Bahia em 1821, estacionado em Montevidéu. Foi incendiado pelos argentinos em 1826.
22.GuaraniBrigue141823 Ex-Nightingale, inglês, adquirido no Rio de Janeiro em 1823.
23.BahiaBrigue 1823 Ex-Colonel Allem, adquirido no Rio de Janeiro em 1823, quando para cá trouxe Lord Cochrane do Chile.
24.AtalanteBrigue-Escuna101823 Ex-Atlante norte-americano, adquirido pelo General Labatut na Bahia e reaparelhado no Rio de Janeiro.
25.MaranhãoBrigue 1823 Ex-D. Miguel, apresado aos portugueses no Maranhão.
26.MariaBrigue 1823 Apresado aos portugueses no Maranhão.
27.RealBrigue-Escuna101823 Estacionado em Montevidéu.
28.Rio da PrataBrigue-Escuna1018231827Adquirido pelo General Lecor em Montevidéu.
29.Maria ZeferinaEscuna 1823 Apresada aos portugueses em 1822, no Recife, da esquadrilha que trazia para o Rio de Janeiro o substituto do General Jorge Avilez.
30.ParáBrigue-Escuna81823 Ex-Emília, apresado aos portugueses no Maranhão.
31.GlóriaEscuna 1823 Desgarrou-se da Esquadra do Almirante Felix de Campos e arribou ao Maranhão, sendo apresada.
32.BonfimBrigue 1823 Apresado aos portugueses.
33.ConceiçãoEscuna118231826Encalhou na costa do Sauce, em 1826, sendo incendiada.
34.JurujubaCharrua 1823 Ex-Príncipe Real, apresada aos portugueses.
35.Conde de PenicheCharrua161823 Apresada aos portugueses.
36.CaridadeCharrua 1823 Ex-galera apresada aos portugueses.
37.BizarriaCharrua 1823 Ex-galera apresada aos portugueses.
38.Bela ElisaEscuna 18231827Apresada aos portugueses no Pará.
39.São José DiligenteBrigue 1823 Apresado aos portugueses.
40.UlissesCharrua 1823 Apresada aos portugueses.
41.Seis de FevereiroEscuna11823  
42.LucôniaCharrua 1823  
43.CariocaCorveta1818241859Ex-Leal, apresada aos portugueses em 1823. Naufragou na enseada de Santo Amaro, perto de Santos, em 1859, batida por violento temporal.
44.Independência ou MorteBrigue-Escuna1418241827Naufragou no banco Colorado, no litoral da Patagônia, em 1827.
45.PirajáBrigue1618241835Ex-Carvalho VI. Naufragou nos Baixos de Santa Rosa – PA, em 1835.
46.Ânimo GrandeCorveta 1824 Construída em Portugal.
47.HarmoniaCharrua 1824 Ex-galera apresada aos portugueses no litoral da Bahia.
Adaptado de CAMINHA (1986, 2002), a partir de referências em BOITEUX (1913), MAIA (1965); MENDONÇA & VASCONCELOS (1959) e Livros de matrícula geral dos navios da Armada Nacional e Imperial (Arquivo Nacional/Arquivo da Marinha). CASTRO, Paulo P. A Organização Inicial da Marinha Imperial (1822- 1823) in PEREIRA, Rodrigues; CASTRO, Paulo P. Da Armada Real para a Marinha Imperial, Rio de Janeiro: Comissão Cultural da Marinha (Portugal). DPHDM (Brasil), 2020.
Esquadra Imperial deixando o Rio de Janeiro
https://www.novomilenio.inf.br/festas/1822i.htm

Paulo Castro afirma que “quando Lord Thomas Cochrane, o oficial britânico contratado para comandar as Forças Navais brasileiras nas ações navais contra as forças portuguesas, acompanhou o Imperador D. Pedro I numa visita de inspeção aos navios, mostrou-se bem impressionado com o preparo dos meios disponíveis. Embora as condições materiais dos navios fossem satisfatórias, Cochrane observou a qualidade inferior dos marinheiros e a indisciplina generalizada. Percebeu, também, que os comandantes reclamavam das dificuldades de encontrar homens aptos para guarnecerem seus navios. Por outro lado, surpreendeu-se com o fato da maioria dos marinheiros ser de portugueses, bem como verificou com perplexidade que o Imperador dirigia-se aos marinheiros definindo o inimigo como “as forças parlamentares portuguesas”, o que na sua percepção implicava uma luta entre o Brasil e as Cortes e não contra o Rei ou a nação portuguesa”

Flotilha Brasileira de Itaparica, 1823. Ilustração do livro “Nossa Marinha – Seus Feitos e Glórias (1822-1940)” do Almirante Trajano Augusto de Carvalho

Para resolver os problemas relativos a falta de tripulação e oficiais, Felisberto Caldeira Brant Pontes recomendou a contratação de oficiais, mestres e marinheiros britânicos para comporem o núcleo da Marinha Brasileira. O núcleo inicial da Esquadra foi reforçada com diversas unidades, adquiridas na Europa e nos Estados Unido.

Em 4 de novembro de 1822, Lord Thomas Cochrane foi convidado e aceitou assumir o comando da Esquadra Imperial. Caldeira Brant contratou 450 oficiais, mestres e marinheiros para comporem a Esquadra, que combateria junto com os brasileiros e os portugueses leais à causa da independência.

A Marinha Imperial se valeu das estruturas criadas durante o período colonial e de Reino Unido para reparar e armar os navios da recém-criada Esquadra. Destaca-se como de fundamental importância do Arsenal da Corte (Rio de Janeiro).

“A Marinha Imperial foi-se reforçando e em finais de 1826 já dispunha de mais de 120 unidades, que constituíam a Esquadra do Rio da Prata e as Divisões Navais da Baía e da Costa de África, para além de diversas unidades em serviço de guarda-costas, subordinadas aos diversos Governos Provinciais.”

Imagem de Destaque: Nau Pedro I – http://www.naval.com.br/ngb/P/P052/P052.htm

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Bibliografia

MARTINS, Hélio L. (org.) História Naval Brasileira. 3º Vol. Tomo I. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2002.

PEREIRA, Rodrigues; CASTRO, Paulo P. Da Armada Real para a Marinha Imperial, Rio de Janeiro: Comissão Cultural da Marinha (Portugal). DPHDM (Brasil), 2020.

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MAIA, João Prado. A Marinha de Guerra do Brasil na Colônia e no Império.

VIDIGAL, Armando A. F. A Evolução do Pensamento Estratégico Naval Brasileiro. Rio de Janeiro: Bibliex, 1985.

Sites consultados

https://www.marinha.mil.br/dia-da-criacao-do-comando-da-marinha

https://www.novomilenio.inf.br/festas/1822i.htm

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

3 comentários em “A criação da 1ª Esquadra da Marinha Imperial”

  1. Gostaria de saber onde posso encontrar a respeito da Corveta Defensora que não aparece nestas listas mas foi construida no estaleiro do Arsenal de Marinha da Bahia e terminou os seus dias no Grão-Pará como presiganga?

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  2. Obrigado pela pergunta, André.
    Estou buscando informações sobre ela.
    A princípio vc pode mandar um e-mail para a DPHDM ou perguntar no site Naval.
    Entre me contato comigo pelo meu WhatsApp 21 970 439 552
    Cordialmente,
    Ricardo Cabral

    Responder

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