Prof. Dr. Tiago Pacheco
Pouca gente já se atentou, mas a guerra e a vida militar são assuntos recorrentes nos videogames e, sendo assim, de interesse direto para uma História Militar.
Em síntese, há três perspectivas não estanques pelas quais podemos trabalhar com videogames no campo da História: a história do desenvolvimento das tecnologias disponíveis, como os games expressam o momento histórico no qual foram produzidos e como fatos ou personagens históricos são retratados em games (BELLO, 2013).
Vejamos o caso de Top Gun. Lançado em 1987 para a plataforma Nintendo, o jogo é evidentemente baseado no sucesso do cinema, que havia estreado 1 ano antes. Nele, controlamos um caça F-14 da Marinha norte-americana, em missões genéricas de treinamento, combate aéreo, ataque e bombardeio no Oriente Médio.
Apesar do nome, a trama do jogo não é igual à do filme, e sequer os personagens da película estão presentes. Ainda assim, é, como o filme, um produto da Indústria Cultural (ADORNO e HORKHEIMER, 1947), no qual se pinta com romantismo as intervenções imperialistas americanas (neste recorte, especificamente, do governo Reagan) sob o pretexto de “defender democracias” ou “derrotar o terrorismo”, por meio de narrativas simplórias e maniqueístas.
Contudo, os games são dotados de particularidades em relação a outros tipos de fontes históricas. Eles envolvem alta dose de licença literária ou poética, sem contar exagero e ficção. Nisso não diferem do cinema e dos quadrinhos, por exemplo, mas o ponto é que sua expressão não é passiva. O game é interativo, o público participa da narrativa, e vivencia o discurso por meio da jogabilidade (BELLO, 2013).
Neste caso, Top Gun coloca o jogador no papel de um piloto da Marinha norte-americana. Ao jogarmos, precisamos usar os botões do controle para ajustar altitude e velocidade, a fim de pousar o caça ou reabastecê-lo. Embora tenha trazido inovações para sua época, o limitado Hardware do Nintendo não permitia muitos elementos movendo-se em tela, o que simplesmente impedia de velocidade supersônica. Ainda assim, o jogador precisa manobrar o caça para mirar a metralhadora e trancar os alvos para lançar os mísseis. Atacar navios é problemático, pois exige que se baixe a altitude até ser possível colocá-los no alcance dos misseis. O ataque a embarcações usando a metralhadora (caso acabem os mísseis) é particularmente perigoso, por tornar seu avião vulnerável aos canhões e misseis vindos de fragatas ou submarinos.

Ou seja, ainda que faltem elementos como contramedidas, pós-combustão, velocidade, etc, dentro das limitações de hardware, é transmitido ao jogador uma pitada da experiência acerca da guerra aeronaval dos anos 1980.
Sendo assim, Top Gun é uma narrativa antenada com a perspectiva da História Militar (SOARES e VAINFAS, 2012), que não foca apenas nos generais e nas grandes batalhas, mas se ocupa também do soldado comum no campo de batalha (no caso, o piloto do F-14), independente de qual nação ou grupo paramilitar ele pertença. Ele também espelha as tecnologias aeronavais aplicadas no Oriente Médio da década de 1980, alvo de intensa atuação norte-americana durante o governo Reagan. Evidentemente, o faz pela ótica imperialista norte-americana, numa narrativa que torna o jogador não apenas um experimentador da guerra aeronaval daquele contexto, mas, principalmente, um expectador acrítico e alienado dos aspectos geopolíticos em jogo (com trocadilho e tudo).
É claro, também, que o jogo demonstra hiperbolismos mirabolantes, como o fato de que pilotamos um caça F-14 capaz de carregar 40 mísseis antiaéreos (!) e reabastecer suas bombas anti-navio por meio de uma mangueira de combustível (?!?). Contudo, note-se que bizarrices como estas são, junto da narrativa simplista, parte da eficácia dos produtos da Indústria Cultural, onde tudo deve ser rápido, fácil, acessível e facilmente compreensível. Batalhas aéreas na era supersônica duram apenas alguns segundos, no máximo minutos, os aviões levam pouco menos de uma dúzia de misseis (se muito!), e é comum que os oponentes sequer se vejam. Um jogo assim não teria a mínima graça para o grande público, com exceção dos fãs de jogos estilo “simulador”, jogos estes cuja maioria se tornaram “cult” nos anos de desenvolvimento da Indústria.
Tais hiperbolismos, portanto, são necessários enquanto produto de massa. O que sem dúvida Top Gun, filme e jogo, o são. E o são, também, de interesse para uma História Militar a partir de novos objetos e percepções.
Imagem de Destaque: https://www.amazon.com/Top-Gun-Hardlock-Xbox-360-microsoft/dp/B005EZ5GZK
Referências
ADORNO, Theodor W; e HORKHEIMER, Max (1947). Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.
BELLO, R. S.. Sobre História e Videogames: Possibilidades de análise teórico-metodológica. 2013. (Apresentação de Trabalho/Simpósio).
SOARES, Luis Carlos; VAINFAS, Ronaldo. A Nova História Militar. In:CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. (Orgs). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
TOP GUN. Konami: 1987. Jogo Eletrônico.