Profº. Dr. Vitelio Brustolin
Os 193 membros da Assembleia Geral das Nações Unidas acabam de adotar, por consenso, uma resolução exigindo que os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança justifiquem o seu uso do veto.
Isso muda alguma coisa? Na prática, não. O que, de fato, faria diferença? Que a Carta da ONU fosse cumprida e os membros permanentes do Conselho de Segurança se abstivessem de votar nas questões em que estão envolvidos que ameacem a paz e segurança internacionais (vide Art. 27, III, das controvérsias previstas no Capítulo VI da Carta, além da alínea 3ª do artigo 52). Se isso fosse cumprido, a Rússia não poderia ter votado a favor dela mesma, como fez há algumas semanas, durante a guerra na Ucrânia. Aliás, se a Carta da ONU fosse cumprida, Estados Unidos e Reino Unido também deveriam declarado a sua abstenção em 2003, na Guerra do Iraque. A lista de descumprimentos é longa é retroage à década de 1950, com sucessivos abusos.
A ONU foi criada em 1945. A sua principal função é a manutenção da paz. A organização internacional que a precedeu, a Liga das Nações, foi criada após a Primeira Guerra, em 1919, e falhou miseravelmente em evitar a Segunda Guerra, 20 anos depois. Por conta disso, foi extinta.
A Carta da ONU é um tratado internacional e todos os que aderem às Nações Unidas têm a obrigação de cumpri-la. O seu Preâmbulo é revelador: “Nós, os Povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as gerações futuras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço de nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade…” A ênfase é clara: deveríamos ter aprendido com os nossos bisavôs, que atravessaram as maiores guerras da história, até o momento.
Logo, se a principal função da ONU é manter a paz, o seu órgão principal é o Conselho de Segurança, cuja função é exatamente essa. O Conselho era composto, inicialmente, de onze membros, sendo cinco permanentes (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia) e seis eleitos pela Assembleia Geral para um mandato de dois anos. Em 1963, contudo, a composição do Conselho de Segurança foi modificada e passou a ter dez membros não permanentes, além dos mesmos cinco permanentes. Qual é o problema? É que os cinco permanentes têm “direito de veto”. E é justamente o abuso desse direito – e o descumprimento da obrigação de se abster – que têm contribuído para que a ONU seja ineficaz no cumprimento da sua principal função.
Só a Rússia votou contra a resolução que a obrigava a sair imediatamente e sem demandas da Ucrânia, na recente discussão do Conselho de Segurança – onze países (incluindo o Brasil) votaram pela obrigação da saída da Rússia e três se abstiveram. Alguém imagina que a Rússia votaria para se auto prejudicar? É claro que não; contudo, a Rússia deveria ter declarado a sua abstenção para não descumprir a Carta da ONU. Por que ninguém aponta essa infração? Porque os outros membros permanentes praticam o mesmo abuso. A Ucrânia reclamou há algumas semanas, assim como o fez em 2014, na questão da Crimeia, mas não adiantou.
Organizações internacionais costumam ser reformadas após crises severas ou grandes guerras. Neste momento, valeria a pena aprender com as lições que os nossos bisavôs nos legaram, antes que seja tarde.
Autor: Prof. Dr. Vitelio Brustolin, Professor de Direito Internacional, Organizações Internacionais e Estudos Estratégicos do INEST/UFF e pesquisador da Universidade Harvard: https://scholar.harvard.edu/brustolin