Prof. Dr. Tiago Silva Pacheco
A desinformação – disinformation – consiste, basicamente, de uma informação falsa, calculadamente construída. Tal narrativa visa especificamente enganar um alvo, sendo, por isso, deliberadamente espalhada ou implantada (WEST, 2006, p.163).
Trata-se de um procedimento de Inteligência cuja racionalidade é recente, mas que tem sido praticada em toda História. A guisa de exemplos, sabemos por Lívio acerca dos speculatores, que eram mensageiros responsáveis por atividades clandestinas além das linhas inimigas (SHELDON, 2005, p.18, 29,30). Os lendários ninja, que, apesar de não passarem de Tradição Inventada – no sentido proposto por Hobsbawm – pelas províncias de Iga e Koga (TURNBULL, 2015), são outro exemplo, pois projetam esteticamente alguma realidade concreta de práticas datadas do Período Edo (1603-1868), que envolvem observação avançada, mentira, trapaça, e emboscadas.
Sem nenhuma surpresa, o maior conflito da história da Humanidade também foi contexto de aplicações de desinformação, sendo uma das mais impressionantes e decisivas a Operação Fortitude.
Os aliados já tinham posto em prática uma desinformação altamente sofisticada, que foi a Operação Mincemeat (Carne Moída), para saber mais clique em https://historiamilitaremdebate.com.br/o-soe-e-a-operacao-gunnerside/ ou em https://historiamilitaremdebate.com.br/filme-o-soldado-que-nunca-existiu/). Esta operação consistia em fazer chegar aos alemães um cadáver, que seria um major com planos secretos dos Aliados para invadir o continente europeu. Tais planos, que não passavam de uma farsa, determinavam que a invasão se daria na Grécia, não na Sicília. A operação foi o sucesso, fazendo com que os alemães movessem suas tropas e que os ingleses poupassem valiosos recursos no ataque.

A Operação Fortitude foi menos novelesca, porém determinante para desenlace de toda a guerra. A Operação consistiu em criar verdadeiros exércitos fantasiosos, na Noruega e em Edimburgo (Escócia), respectivamente, Fortitude Norte e Fortitude Sul. Tais exércitos seriam comandados pelo general Patton, o comandante americano mais temido pelos nazistas. O objetivo desta encenação era confundir os alemães, dispersando sua atenção e suas tropas a fim sua atenção ao norte e ao sul, com o fim de enfraquecer as possantes defesas da Normandia, onde se daria o desembarque Aliado (HOLT, 2007, p.72).
Mas, como convencer aos alemães de que havia considerável concentração de tropas na Escócia e na Noruega? Em síntese, a Operação se valeu dos seguintes métodos:
1) Mensagens de rádio: os Aliados transmitiam mensagens referentes as tropas falsas por canais de rádio que sabiam não serem seguras. Isso garantiria que a narrativa chegaria aos alemães, embora não garantisse que eles creram no engodo. Isso nos leva à demanda, pelos operadores, do trabalho dos espiões:

https://spyscape.com/article/operation-fortitude-the-d-day-misfit-spies-who-helped-win-wwii
2) Agentes Duplos: os ingleses tinham uma significativa influência por meio de agentes duplos, que trabalhavam para os alemães mas também para os britânicos. Estes agentes diluíam os dados sobre as tropas de mentirinha entre suas redes, dando falsa consistência aos dados vazados por rádio (HANDEL, 2004, p.331; HOLT, 2007, p 568-597).
Um destes espiões era um venezuelano com cidadania espanhola de codinome Garbo, que encabeçava um anel de 27 informantes. Entre os alemães, a Bona Fide de Garbo era tão grande que ele chegou a receber a Cruz de Ferro pelos seus esforços de espionagem. Ou seja, os alemães davam muita credibilidade a um homem que, na verdade, trabalhava, também, para os ingleses¹.
3) Ataques Localizados: tropas britânicas chegaram a atacar tropas alemãs na Noruega, além de fábricas, transportes e redes de fornecimento de energia, tudo isso como falso antecedente de invasão.
4) Equipamentos Falsos: este é o elemento mais extravagante e impressionante da Operação. A fim de iludir observadores avançados em terra, ou aviões de reconhecimento alemães, os Aliados usaram um criativo acervo de navios, tanques e aviões falsos! Eles eram feitos de madeira coberta de lona, máquinas inferiores pintadas como veículos militares e até mesmo tanques, canhões ou jipes infláveis, porém quase idênticos aos originais se vistos de longe. Até mesmo quartéis falsos foram criados, e militares de baixa patente se faziam passar por generais fazendo inspeção nestas tropas².
A Operação gerou frutos. Hitler, temeroso de um ataque pelo norte, destinou mais de 10 Divisões para a Noruega. Os alemães superestimaram a tonelagem e a potência das tropas Aliadas, tendo dificuldades planejar seus recursos, diluindo suas tropas. E, no limite, simplesmente não foram capazes de concentrar suas forças defensivas diante do ataque Aliado, nem enviar com rapidez reforços após o desembarque da Normandia. Os Aliados tinham noção da confusão alemã, como eles tinham quebrado a criptografia alemã por meio do Ultra e estavam a par das mensagens trocadas entre os comandos inimigos (HOLT, 2007, p; 83, 84; 568-597).
Como teria sido o Desembarque da Normandia sem a Operação Fortitude é um exercício complexo de contrafactualidade, além de impossível de ser feito neste pequeno espaço. Não obstante, o fato é que a Operação diluiu as forças alemãs e alijou sua capacidade estratégica de defesa. Como se expressa nas narrativas do Cavalo de Tróia e das Muralhas de Jericó, desde a antiguidade o ser humano tem plena noção de que práticas não convencionais podem ser necessárias para superar defesas possantes, cuja uso exclusivo da força pode ser altamente custoso – senão impossível.
NOTAS:
¹ https://www.mi5.gov.uk/agent-garbo, acesso em 10 de dezembro de 2022, 12:39.
² https://www.bbc.com/portuguese/internacional-42791949, acesso em 10 de dezembro de 2022, 13:51.
Imagem de Destaque: https://www.dday-overlord.com/en/d-day/preparations/operation-fortitude
Referências
HANDEL, Michael. Strategic deception in the Second World War. New York, 2004.
HOLT, Thaddeus. The deceivers : allied military deception in the Second World War. New York, 2007.
SHELDON, Rose Mary. Intelligence Activities in Ancient Rome: Trust in the Gods but Verify (Studies in Intelligence), London: Routledge, 2005.
TURNBULL, Stephen. The Ninja: An Invented Tradition? Journal of Global Initiatives: Policy, Pedagogy, Perspective: Vol. 9: No. 1, 2015.
WEST, Nigel. Historical Dictionary of United States Intelligence. The Scarecrow Press, Inc. Lanham, Maryland, Oxford: 2006
Thanks.