Rússia e Irã avançam com ‘novo Suez’

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Equipe HMD

Uma ampla gama de desafios geopolíticos está à frente do Kremlin e de Teerã

Nikola Mikovic, 25/05/2023

A Rússia e o Irã esperam que o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (International North-South Transport Corridor, INSTC) possa ser um divisor de águas para o comércio global. Embora o projeto ainda esteja longe de estar totalmente operacional, autoridades de ambos os países repetidamente enquadraram o corredor como uma alternativa ao Canal de Suez.

O INSTC consiste em 7.200 quilômetros de rotas marítimas, ligações ferroviárias e estradas que ligam Mumbai a São Petersburgo. A rota vai do norte da Rússia através do Mar Cáspio até o sul do Irã para embarque através do Estreito de Ormuz e no Mar da Arábia, ou Oceano Índico.

Moscou e Teerã esperam que o corredor reduza a dependência do Canal de Suez – uma das rotas marítimas mais movimentadas do mundo, que atualmente responde por cerca de 12% do comércio global – e ajude a Rússia e o Irã a melhorar suas posições na arena internacional. Dois acordos neste mês deram impulso ao projeto, incluindo um acordo em 18 de maio para construir e comprar 20 navios de carga.

De acordo com fontes russas, leva de 30 a 45 dias para entregar uma carga por mar de Mumbai a São Petersburgo. Mas uma vez estabelecido o trânsito pelo Irã, levará apenas 15 a 24 dias.

O presidente iraniano, Ebrahim Raisi, disse acreditar que o INSTC “ajudará a diversificar significativamente os fluxos de tráfego global” e fornecerá “benefícios econômicos óbvios” para o Irã e a Rússia. Mas o problema para os planejadores estratégicos iranianos e russos é que não há garantia de que o corredor será concluído em breve – se for o caso.

Os dois países discutem esse projeto há mais de 20 anos. A construção da ferrovia ficou paralisada por anos por causa de complicações financeiras e logísticas, bem como políticas. É bastante questionável se o Kremlin teria decidido investir no corredor se a União Europeia e os Estados Unidos não tivessem imposto sanções à Rússia após a invasão da Ucrânia.

Até mesmo alguns analistas iranianos afirmam que antes da guerra na Ucrânia, as autoridades russas mostraram pouco interesse na construção da ferrovia INSTC, pois podiam enviar mercadorias do porto de Novorossiysk, no Mar Negro, para a Índia.

Dado que a guerra na Ucrânia ameaça as operações marítimas da Rússia no Mar Negro, o Kremlin foi forçado a procurar alternativas. Moscou, isolada do Ocidente, agora busca desenvolver estreitos laços econômicos, políticos e militares com Teerã. O INSTC pode ser visto como a tentativa do Kremlin de contornar as sanções ocidentais e continuar fazendo negócios com outros países mais ou menos como de costume.

Mas uma rota marítima ligando Rússia e Índia via Irã não resolve todos os problemas de Moscou. Para tornar o corredor totalmente operacional, o Kremlin também terá que completar a rota terrestre que vai do norte da Rússia através do Azerbaijão até o norte do Irã e depois para o Golfo Pérsico.

https://asiatimes.com/2023/05/russia-and-iran-press-ahead-with-new-suez/

Financiamento russo

Em 17 de maio de 2023, o presidente russo, Vladimir Putin, assinou um contrato de US$ 1,7 bilhão para construir a linha ferroviária Rasht-Astara, um projeto no norte do Irã que servirá como uma importante rota de trânsito de carga dentro do sistema INSTC.

Em outras palavras, é Moscou, e não Teerã, que financiará a construção de uma ferrovia de 162 quilômetros entre as cidades iranianas de Rasht e Astara. Acredita-se que a Rússia também construirá a ferrovia ligando Astara, no Irã, à cidade azerbaijana de mesmo nome.

Segundo Putin, Rússia, Irã e Azerbaijão estão preparando um acordo de cooperação no desenvolvimento de infraestrutura ferroviária e tráfego de carga ao longo da rota norte-sul.

Embora a Rússia tenha um histórico de construção de ferrovias na região – as primeiras ferrovias no Irã, ligando Tabriz e Mashhad, assim como Teerã e Isfahan, foram construídas pelo Império Russo – nas atuais circunstâncias geopolíticas, o destino do ambicioso plano de Putin plano permanece bastante incerto.

Mesmo que Moscou e Teerã consigam completar a rota marítima do INSTC, as relações tensas entre o Irã e o Azerbaijão podem ter um impacto significativo no setor terrestre.

Além disso, levará pelo menos quatro anos para a Rússia construir ferrovias na região. Enquanto isso, atolado na Ucrânia, o Kremlin pode começar a enfrentar turbulências em larga escala em casa, e tal resultado sem dúvida afetaria seus planos de completar o corredor terrestre para o Irã.

Dado que se prevê que a rede de transportes passe pelo Azerbaijão – e não pelo território da Armênia, aliada da Rússia – a Armênia deverá continuar a virar as costas a Moscovo, o que será mais uma consequência da decisão de Putin de lançar o ambicioso mas muito arriscado projeto geopolítico.

Mais importante, se o INSTC passar pelo Azerbaijão, Moscou e Teerã se tornarão fortemente dependentes de Baku, um aliado leal da Turquia, membro da OTAN.

O fato de o Irã apoiar indiretamente a Armênia contra o Azerbaijão e de as tensões entre Baku e Yerevan – seja sobre Nagorno-Karabakh ou sobre outras disputas territoriais e políticas – permanecerem altas, complica ainda mais a situação no sul do Cáucaso. Assim, uma ampla gama de desafios geopolíticos está à frente da Rússia e do Irã.

Finalmente, o corredor está fortemente ligado ao destino dos regimes russo e iraniano. Se algum dos dois países enfrentar turbulência significativa nos próximos anos, a realização do INSTC se tornará bastante incerta.

Comentários HMD

Até 2014, a Rússia voltou sua economia para atender as necessidades de commodities europeias e ao mesmo tempo procurou se integrar as cadeias produtivas europeias. A invasão da Ucrânia, em 2022, mudou tudo isso. A União Europeia sancionou pesadamente a Rússia. A Lituânia e o Cazaquistão estão criando dificuldades para a circulação de mercadorias para a Rússia. Países como o Japão e a coreia do Sul estão aderindo ao regime de sanções contra Moscou.

A Rússia em meio ao número inimaginável de sanções de largo espectro e restrição a circulação de seu comércio, se viu obrigada a diversificar/aprofundar ainda mais seus parceiros comerciais.

A Índia também se concentrou amplamente na expansão do comércio com o Ocidente, a China e o Sudeste Asiático nas últimas duas décadas. As sanções ocidentais ao Irã e a Rússia complicaram ainda mais a perspectiva de investir no INSTC.

O Irã tornou um válvula de escape para a produção industrial russa, ao mesmo tempo que fornece artigos militares e apoio político.

Em 2023, apenas nos cinco primeiros meses o fluxo de comércio entre Rússia e Índia tem se multiplicado. Existe uma certa irritação de Nova Délhi com as sanções e postura contraditória dos EUA e da UE em relação não só à Rússia, mas também a Venezuela e ao Irã, já que norte-americanos e europeus continuam comprando commodities nesses países.

Os russos tem conseguido apoio nos BRICS para superar as sanções e levado as parcerias com o Irã e a Venezuela para dentro do bloco.

Com relação ao INSTC as sanções à Rússia e ao Irã continuam tornando arriscados os investimentos. A rota ainda é uma colcha de retalhos de vários projetos ferroviários, rodoviários e marítimos executados de forma independente, sem um único operador responsável. Além do INSTC existem acordos regionais que podem vir a se integrar, tais como o  ‘Corredor Intermediário’ que passa pela Geórgia, Azerbaijão, Cazaquistão e Turquia.

Imagem de Destaque: https://www.aljazeera.com/economy/2022/7/27/russias-new-economic-escape-route

Fonte

https://asiatimes.com/2023/05/russia-and-iran-press-ahead-with-new-suez/

https://thewire.in/world/political-economics-international-north-south-transport-corridor-india-iran-russia

https://www.aljazeera.com/economy/2022/7/27/russias-new-economic-escape-route

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