Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral
Em 10 de dezembro de 1826, o Império do Brasil declara guerra as Províncias Unidas (Argentina) que estavam interferindo na revolta da província Cisplatina. Mal declarada a guerra os argentinos já tinham um corsário operando em nossas costas a Guilhermo, de 182 ton, comandada pelo francês François Bibois Fourmantine. A Marinha Imperial lutou contra os corsários do litoral argentino até Angola (colônia portuguesa) e se constitui em um problema sério para a segurança das linhas de comunicações marítimas do Brasil Imperial.
As unidades corsárias eram constituídas de navios de pequeno porte, resistente e bons de manobra, os maiores deslocavam 200 a 300 ton, mas chegaram usar escunas (17 ton), possuíam de 8 a 10 canhões, 3 a 4 caronadas, inúmeros balins (eficiente contra pessoal e para romper o velame do inimigo).
A quase totalidade dos corsários com que a Marinha Imperial lutou eram estrangeiros: norte-americanos, italianos, franceses, ingleses, holandesas, suecos entre outras tantas nacionalidades. Alguns desses corsários foram contratados pela Marinha das Províncias Unidas, outros permaneceram como corsários durante toda a guerra. As tripulações eram formadas por uma ralé heterogênea de diversas nacionalidades e profissões. Se tratavam de pessoas em busca de aventura e dinheiro rápido vindos dos butins. Para tanto se submetiam a uma disciplina rigorosa, alimentação muitas das vezes precária e risco de vida permanente.
Carmem de Patagones era um porto situado a 39 km da embocadura do rio Negro, em um local de difícil acesso mesmo para embarcações de pouco calado, o rio tinha vários bancos de areia e fortes correntezas. A entrada era mais fácil que a saída, ainda que menos perigosa, pois os ventos este, fazem o nível da água subir. Às vezes entre um tempo favorável para entrar e outro para sair levava 40 dias. As defesa possuíam pelo menos dois canhões de 24 libras em uma elevação chamada de Caballada e uma bateria na entrada da barra constituída de dois canhões de dezoito libras e outros dois de 24 libras. Outros portos importantes eram o de San Blas (costa sul da Argentina) e no rio salado.
A guerra de corso teve início logo depois de declarada a guerra entre as Províncias Unidas e o Brasil em 10 de dezembro de 1825. O corsário Guilhermo (posteriormente renomeado para General Lavalleja) comandado pelo francês François Fourmantine que chegou fazer 38 presas.
Entre os anos de 1825 e 1826, frequentavam o porto de Carmem de Patagones os corsários General Lavalleja (comandado por Pierre Dautant, posteriormente perdida em um acidente), Oriental Argentino (comandado por Pierre Dautant), Hijo de Maio (comandado por François Fourmatine), Hijo de Julio (comandado por James Harris), Chacabunco (comandado por George Bynon) e as sumacas Dela Maria, Chiquita e Imperatriz.
O almirante Pinto Guedes enviou uma expedição para conquistar Carmen de Patagones. A força naval era constituída pelas seguintes embarcações: corvetas Duquesa de Goiás (20 canhões, capitânea, sob o comando do capitão-de-fragata James Shepherd; Itaparica (22 canhões) comandada pelo capitão-tenente William Eyre; brigue-escuna Escudeiro (3 canhões) sob o comando do 1º tenente Luís Clemente Pontier e a Escuna Constança (6 canhões) comandada pelo 2º tenente Joaquim Marques Lisboa (o imediato era Joaquim José Inácio, futuro Visconde de Inhaúma), a força tinha 51 canhões e 654 homens. A força naval também dispunha de práticos para auxiliar na subida do rio Negro. Uma perda importante foi o 18º Batalhão de Caçadores que tinha sido enviado para participar da expedição, mas que o comandante militar de Montevidéu se recusou a ceder.
Em 16 de fevereiro de 1827, a divisão naval levantou ancora de Maldonado (Uruguai) e rumou para Carmen de Paganones. Em 25 de fevereiro, chegou a barra do rio Negro, Shepherd enviou a Constança para reconhecer o litoral. No dia 27, por volta das 9 horas, a divisão formada em coluna, aproveitou o vento favorável e confiando na perícia dos práticos subiu o rio Negro.
Tão logo os corsários souberam da chegada dos navios brasileiros reforçaram as defesas. A Escudeiro na vanguarda foi recebida pelo fogo das baterias de terra. A Itaparica a todo pano varreu o reduto corsário. A Duquesa de Goiás de maior calado encalhou, a Constança veio em seu auxílio, mas de nada adiantou. Nesse incidente foram perdidas 38 vidas, nove dias depois um grande temporal destrocou a corveta encalhada.
O capitão-tenente Eyre desembarcou e tomou a bateria, mas o ponto negativo é que a Itaparica encalhou e teve que repelir uma tentativa de abordagem da Chacabuco.
Depois do fracasso da primeira tentativa, os navios da Marinha Imperial ancoraram no rio. Depois de oito dias o comandante da divisão naval James Shepherd resolveu reunir os homens disponíveis e atacar a vila por terra. Reuniu cerca de 300 homens e desembarcou. Essa decisão deixava a esquadra vulnerável em caso de um novo fracasso. Por que? os navios Itaparica, Escudeiro e Constança ficaram com as tripulações bastante desfalcadas e estavam ancoradas distantes uma das outras, vigiadas por sete corsários artilhados e guarnecidos.
Na madrugada do dia 7 de março, Shepherd desembarcou a força incursora e se dirigiu a vila conduzido por um guia local. Este guia em vez de levá-lo diretamente à vila de Carmen de Patagones os levou pelo lado do rio Colorado por caminhos difíceis e logo (cerca de 19 km) para uma armadilha. Os argentinos atacaram por dois lados, logo no início da emboscada Shepherd e outros foram mortos, Eyre vendo a situação deu início à retirada lutando pela vida. Vários foram mortos na perseguição e os sobreviventes aprisionados. No mesmo momento, os corsários atacaram e tomaram os navios brasileiros, apesar da heroica resistência da maioria da tripulação, os corsários em maior número dominaram os navios.
Os corsários reforçaram sua frota com a Itaparica que passou a se chamar Itazaingó, a Escudeiro foi batizada de Patagones a Constança de Juncal.
No combate, a marinha Imperial perdeu cerca de 38 marinheiros afogados, 41 mortos em combate, 200 marinheiros estrangeiros que estavam servindo a Marinha Imperial foram alistados pelos argentinos, 379 foram feitos prisioneiros e 93 (inclusive José Inácio e Marques Lisboa) foram enviados para o rio Salado no brigue Ana, escoltados pelas corvetas Chacambuco e Itauzaingó.
A 16 de agosto, os brasileiros foram embarcados no brigue Anna, os marinheiros no porão e os oficiais no castelo da proa. Marques Lisboa observou que a vigilância não era rigorosa e que onde estavam presos tinha facilidade de se comunicar com os marinheiros. Verificou que a tripulação era displicente e pouco disciplinada. Além disso, ficou atento aos sinais trocados entre os navios, a rotina de bordo dos corsários e se manteve de prontidão à espera de uma oportunidade. A escuridão da noite e atitude dos corsários, levou Marques de Lisboa a planejar tomar o navio, para tanto alertou os marinheiros de suas intenções e mandou que ficassem de sobreaviso.
A noite, Marques de Lisboa e outros prisioneiros conseguiram se evadir das prisões, dominaram os sentinelas e assumiu o controle do brigue, sem que os corsários de escolta argentinos percebessem. O Anna continuou acompanhar os demais navios e a responder os sinais do capitânia.
Após assumir o comando do Ana verificou a posição do navio na formação e colocou o brigue na orça para ganhar o barlavento e, forcejando de vela, tomou distância e sumiu na noite escura. Com o dia amanhecendo, os corsários perceberam o que tinha ocorrido e saíram em perseguição ao Anna.
Marques Lisboa navegou por 22 dias, ziguezagueando, despistando o inimigo quanto ao seu destino. Em 29 de agosto, o Anna chegou em Montevidéu trazendo os 93 brasileiros e 46 corsários presos no porão.
Imagem de Destaque: https://www.marinha.mil.br/dphdm/sites/www.marinha.mil.br.dphdm/files/Palestra%20CI-MB200_4x3.pdf
Bibliografia
Carmem de Patagones, a batalha esquecida – Por Ricardo Ritzel
História Naval Brasileira, Vol 3, Tomo I.
Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.