A Rússia prepara o contra-ataque

de

Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral

Em 4 de junho de 2023, finalmente os ucranianos lançaram a sua ofensiva de verão com objetivos bem ambiciosos. As Forças Armadas Ucranianas (FAU) tem realizado ataques em vários pontos da linha defensiva russa, até o momento com resultados muito modestos diante das expectativas criadas.

https://www.ouest-france.fr/europe/ukraine/carte-guerre-en-ukraine-contre-offensive-armes-nucleaires-barrage-le-point-du-jour-2986fe4a-06de-11ee-84b8-578b00c238fa

A ofensiva de verão ucraniana

No verão de 2022, as FAU após serem reconstituídas pela OTAN realizaram um vitorioso contra-ataque recuperando parte do território conquistado pelo russos. Moscou foi obrigada a repensar sua estratégia no conflito e reforçar os meios empregados na chamada “operação especial”.

Talvez sesse seja um dos principais problemas, pois na guerra a surpresa é um elemento essencial. Operações de armas combinadas, surpresa, concentração de forças em um determinado setor da linha de frente conseguiam romper as posições inimigas e realizar uma penetração profunda com colunas blindadas apoiadas por artilharia e aviação. Um setor de inteligência operacional que forneça informações precisas, aprofundada por ações de reconhecimento, tropas treinadas para superar os obstáculos, unidades especializadas (como por exemplo a engenharia e forças especiais) e liderança na condução do ataque durante a manobra são igualmente muito importantes.

Atualmente, com as capacidades C4ISR fornecidas pela OTAN que permitem uma transparência maior do campo de batalha ampliando a consciência situacional, bem como o engodo, a dissimulação e a camuflagem são importantes elementos para se obter a surpresa. Mesmo posições defensivas solidamente estabelecidas podem ser rompidas, a história está cheia de exemplos de sucesso e fracassos.

Os russos possuem capacidades C4ISR muito semelhantes a OTAN, tem drones e aviões em missões ISR, satélites de observação equipados com radares de abertura sintética, capazes de revelar tanques individuais, sem falar em qualquer grande agrupamento de forças, independentemente da visibilidade, enquanto seus retornos são atualizados com frequência suficiente para detectar movimentos de tropas em horas se não em minutos. Qualquer outra informação extraída de interceptações, reconhecimento aéreo ou observação terrestre apenas complementa essa inteligência. Tais elementos tornam o campo de batalha transparente e a surpresa operacional quase impossível, enfraquecendo a possibilidade de manobra que pode vencer batalhas rapidamente e sem um grande número baixas.

No início do verão, quando os ucranianos desdobraram parte do exército que haviam construído, com a ajuda da OTAN, após terem sido detidos no outono de 2022. As unidades passaram o inverno de 2022 e a primaveram de 2023 recebendo material e treinamento da Aliança Atlântica.

No entanto, não havia grande mistério sobre quais seriam seus objetivos: atacar em algum lugar ao sul de Zaporizhzhia e abrir caminho até o mar Negro. Isso cortaria todas as estradas leste-oeste e linhas ferroviárias que abastecem as forças russas espalhadas a oeste e abaixo do rio Dnipro. Isso prepararia o terreno para uma grande vitória, com Putin forçado a escolher entre continuar a guerra ou negociar um cessar-fogo para resgatar suas tropas cercadas.

O Estado-Maior ucraniano e os assessores da OTAN prepararam três eixos de operações possíveis para a ofensiva em Zaporizhzhia: 1º, as FAU poderiam lançar um ataque direto a Melitopol, o que envolveria uma ambiciosa ofensiva com o objetivo conseguir uma penetração de cerca de 50 km; 2ª, como linha de ação alternativa, poderia se dirigir na direção geral de Berdyansk com uma ofensiva de 80 km, que em caso de sucesso isolaria as russos e tomaria mais território; 3ª,  mais ousada, poderia marchar os 100 km até Mariupol, um movimento semelhante a blitzkrieg em uma manobra que exigia velocidade e concentração de forças para alcançar a costa do Mar Negro antes que os russos pudessem contra-atacar.

https://www.bbc.com/afrique/monde-66428917

Nenhuma dessas opções provou ser viável. Enquanto os ucranianos estavam treinando e se posicionando, os russos ao sul do Dnipro estavam reforçando suas forças com novas e bem treinadas tropas, cavando trincheiras, lançando extensos por campos minados e construindo obstáculos que se estendem por cerca de 400 km. Estas posições defensivas estavam guarnecidas por tropas dotadas de metralhadoras e ATGM, protegidas por um dos sistemas de defesa antiaéreo mais eficientes da atualidade e com reservas blindadas móveis prontas para o contra-ataque. A defesa em profundidade russa, mais uma vez prova, o seu valor.

Os russos também desdobraram mais unidades de guerra eletrônica, drones de vigilância e ataque, helicópteros de ataque e unidades de elite (forças especiais, fuzileiros navais, paraquedistas e aeromóveis).

Após dois meses e meio, constatamos que as capacidade C4ISR russas desdobradas na Ucrânia permitem observar o avanço dos ucranianos em tempo real, os russos enviam suas forças para interceptá-los em número igual, senão maior. E mesmo que os números fossem iguais, o combate seria desigual porque os russos estariam protegidos por seus campos minados e por suas trincheiras. Não custa lembrar, que toda a frente é vigiada por drones, que normalmente são os primeiros a atuar em caso de ataque ucraniano.

Em termos materiais as unidades blindadas ucranianas que deveriam romper as defesa russas, tinham com principal meio de combate os Leopard 2A4 e 2A6. É lamentável que os ucranianos tenham superestimado o Leopard 2, apesar de conhecerem o desempenho operacional dos blindados alemães na Síria.

O Leopard 2 é comparável ao Abrams M1, dos EUA, e ao Merkava IV, de Israel (todos os três pesam cerca de 60 toneladas de blindagem em camadas e canhões de 120 mm de alta velocidade). Mas falta uma coisa ao Leopard que o M1 e o Merkava tem, quando enfrentam as forças equipadas com ATGMs russos: a Trophy, uma defesa ativa israelense com radar para detectar mísseis antitanque e armas em miniatura para esmagar suas ogivas. Sem a proteção da Trophy, os Leopards foram vítimas de caçadores de tanques russos armados com mísseis antitanque Kornet. Embora muito mais simples, menos versátil e muito mais barato que o Javelin, o Kornet é muito eficaz com sua ogiva dupla que derrota a blindagem reativa.

https://www.bbc.com/afrique/monde-66428917

A medida que o tempo passa e as ofensivas acumulam sucessos muito tímidos para o número de baixas e de meios destruídos, outro problema está a vista: a rasputitsa. 

A rasputitsa é um fenômeno sazonal que devido a chuvas que encharcam o solo transformando o solo em lamaçal. Existe a rasputitsa de primavera (fevereiro/meados de março) e a de outono (novembro/dezembro). A chuva e a neve podem retardar as operações de equipamentos pesados, como tanques, mas as forças ucranianas têm se mostrado mais eficazes até agora quando operam em pequenas unidades, muitas vezes com equipamentos mais leves. No entanto, sem os blindados (MBT e IFV) a probabilidade de sucesso é mínima, isso sem contar com as dificuldades logísticas, no emprego de drones e da viação, além da redução do desempenho das capacidades C4ISR.

É provável que as FAU continuem em seu esforço ofensivo durante os meses de agosto e setembro, deixando outubro para preparem posições defensivas para o esperado contra-ataque russo. A perspectiva de sucesso no rompimento das linhas de defesa russa neste momento (14/08/2023) é remota.

Alguns analistas consideram que os ucranianos utilizaram cerca de 30% dos equipamentos e pessoal treinado pela OTAN, algo difícil de se verificar. As FAU estariam mantendo o grosso da sua força como reserva estratégica para explorar uma brecha nas linhas defensivas russa ou se defender de um ataque.

Enquanto faltam resultados consistentes as especulações em torno do envio de mais equipamentos e novos armamentos à Kiev continuam: F-16 (equipados com o Joint Standoff Weapen), drones Reaper (equipados bombas Paveway e mísseis Helfire), e mais Leopard 2, Iris-T, sistemas HIMARS e MRLS (com míssil ATACMS), Stingers Stricker, Bradley, M109, Javelins, entre outros equipamentos e muita munição.

As indústrias ocidentais estão se ajustando para atender as necessidades ucranianas, a reposição dos estoques e ao atendimento das novas encomendas de sistemas militares.

https://www.bbc.com/afrique/monde-66428917

O contra-ataque russo

Neste verão de 2023, ao que parece a prioridade estratégica das forças russas é deter os ataques ucranianos, causando o máximo de destruição possível nos seus meios de combate e em suas tropas.

Analistas ocidentais afirma que os russos concentraram nas últimas semanas cerca de 100 mil combatentes, 900 blindados, 550 sistemas de artilharia e 370 lançadores múltiplos de foguetes na região de Donetsk. A Rússia também estaria movendo tropas de Kreminna, em Luhansk, para  à cidade de Lyman, na região de Donetsk, localiza-se ao sul de Kupyansk, outro alvo importante nos esforços de Moscou para estabilizar seu poder no leste. Segundo esses analistass as tropas russão nessa região são experientes e de alto nível (fuzileiros navais e aeromóveis).

O ataque nessa região, segundo esses analistas ocidentais, não deve ser considerado uma contra-ofensiva, mas um ataque de oportunidade, pois está explorando as fragilidades das linhas ucranianas e tem muito a ver com sua estratégia de defesa ativa.

O contexto operacional está dando ao comando do teatro de operações russo a possibillidade de escolher entre distribuir suas homens ao longo da linha de frente, reforçar determinados setores ou tentar determinar um ponto fraco ucraniano para reunir ali um grande número de soldados e meios prontos para pressionar o inimigo. Ao que parece os ucranianos estão com as linhas defensivas mais fracas na região oeste. A inteligência operacional russa detectou tropas mal treinadas e/ou inexperiente e dotadas de meios de combate soviéticos, mas não deixam de ser aguerridas.

https://alencon.maville.com/actu/actudet_-carte.-guerre-en-ukraine-frappes-sur-un-port-du-danube-securite-alimentaire…-le-point-du-jour-_54135-5884866_actu.Htm

As forças russas continuam repelindo e contra-atacando as operações das FAU em Bakhmut e ao longo da frente em Adiivka (Donetsk). Ao que parece, nessas localidades os russos esperam atrair os ucranianos para uma nova batalha de desgaste.

A escolha de Moscou em realizar operações ofensivas no oeste, faz sentido em termos operacionais, pois além de distrair e dividir os recursos ucranianos (que estão empenhando as suas melhores forças no sul) aumenta as possibilidades de sucesso dos russos na sua postura de defesa ativa.

É interessante observar que forças armadas russas estão mantendo uma postura agressiva realizando vários operações ofensivas ao longo da linha de contato de cerca de 370 km, principalmente em Luhansk, Donetsk e Zaporizhzhia e uma postura de defensa ativa em Kherson.

Nas últimas semanas os russos tem feito operações ofensivas, de menor intensidade no oblast ucraniano de Kharkiv, e recuperado posições. Tais operações, provavelmente, também visam aumentar a segurança na cidade russa de Belgorod, importante posto logístico das forças russas.

Esta postura operacional faz sentido, lançam patrulhas a fim de inquietar o inimigo, buscar fragilidade na sua linha defensiva e contra-atacar rapidamente a fim de recuperar alguma posição que tenha sido perdida. Além de obrigar que o Estado-Maior ucraniano desloque unidades da sua reserva estratégica, treinada pela OTAN, para conter os ataques russos.

Essa é uma das estratégias empregadas pela Rússia na guerra, comprometer as reservas ucranianas na contenção de ataques em determinados pontos da linha de frente, enquanto destrói pelo fogo da artilharia e da aviação as unidades ucranianas de menor valor detidas em frente aos campos de minas.

A tendência é os combates manterem o nível de intensidade até o início da rasputitsa.

Imagem de Destaque: https://www.lesechos.fr/monde/enjeux-internationaux/la-russie-envahit-lukraine-1389259

Fontes

https://www.washingtonpost.com/world/2023/08/10/ukraine-national-mood-counteroffensive-gloom/

https://unherd.com/2023/08/why-ukraines-offensive-has-stalled/

Ground softening for big Russian offensive

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2023/07/17/russia-prepara-maior-ofensiva-desde-inicio-da-guerra-diz-ucrania.ghtml

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2023/08/13/lentidao-da-ucrania-em-retomar-territorios-faz-com-que-o-foco-seja-a-luta-do-proximo-ano.ghtml

https://thehill.com/policy/defense/4149623-russia-launches-its-offensive-with-all-eyes-on-ukraines-southern-push/#:~:text=With%20the%20world’s%20attention%20on,at%20undermining%20the%20Ukrainian%20operation

Réflexion : Le temps joue en faveur des armes russes

https://www.rand.org/pubs/perspectives/PEA2510-1.html

https://www.lemonde.fr/international/article/2023/08/10/nous-nous-preparons-pour-la-grande-bataille-autour-de-bakhmout-la-difficile-contre-offensive-des-soldats-ukrainiens_6184985_3210.htmlhttps://www.france24.com/fr/europe/20230727-l-arm%C3%A9e-russe-tente-de-partir-%C3%A0-l-assaut-de-la-contre-offensive-ukrainienne

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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