As variáveis tático-operacionais na Guerra da Ucrânia e seus desdobramentos políticos e estratégicos

de

Rodolfo Queiroz Laterza¹ e Ricardo Cabral²

1. Introdução: contexto tático-operacional atual

A retirada das tropas russas da margem direita da região de Kherson e a desocupação da cidade de mesmo nome, consumadas no dia 11/11/2022, altera de forma bastante significativa a situação estratégico-operacional tanto no curto, quanto no médio prazo.

O comandante da operação militar russa na Ucrânia, general russo Sergey Surovikin, relatou ao ministro da Defesa Serguei Shoigu um plano para retirar as tropas russas para novas linhas defensivas ao longo do rio Dnieper. Sergei Shoigu concordou com essas conclusões e sugestões, ordenando a retirada das tropas de Kherson.

De acordo com Surovikin, devido ao bombardeio constante, Kherson e assentamentos adjacentes não podem ser abastecidos e funcionar com normalidade, com a vida das pessoas está constantemente em perigo. A opção mais adequada de acordo com sua posição manifesta é organizar a defesa ao longo da linha de barreira do rio Dnieper. A decisão de tomar posições defensivas na margem esquerda do rio Dnieper não foi fácil, ao mesmo tempo, preserva a vida dos militares russos ali mobilizados e a capacidade de combate das unidades.

A retirada organizada das unidades russas para a linha defensiva SOFIEVKA – KLAPAYA-BARATOVKA – TAVRIYSKY – KOSTYRKA – CHERNVONY MAYAK e a transição para a defesa estratégica foi ditada pela necessidade de manter a capacidade de combate das unidades russas na direção Mikolayev-Krivoy Rog, bem como como a capacidade de usar as forças liberadas para iniciar hostilidades ativas na direção de Donetsk.

https://southfront.org/military-situation-in-southern-ukraine-on-november-14-2022-map-update/

Em decorrência do baixo efetivo empregado pela Rússia no teatro de operações, tal como já analisado em artigo anterior, não existem reservas de combate russas suficiente para realizar operações ofensivas na direção de Mikolayev-Krivoy Rog, que podem ser transferidas adicionalmente, à disposição do comando. É impossível remover tropas de outras frontes, por já estarem sobrecarregadas e nos limites de operacionalidade.

A formação técnica de novas unidades e formações dentre os 300 mil mobilizados em setembro, em qualquer caso, levará mais 2-3 semanas, se considerar uma abordagem de treinamento mais primária, para recompletamento das unidades já desdobradas e a criação de novas unidades.

2. Perspectivas de novos combates

A retirada das tropas russas na região de Kherson já é a 4ª grande derrota militar da Rússia na Ucrânia após a retirada em abril das cercanias de Kiev, Sumy e Cherniguev, além da perda das cidades de Balakleya, Izium, Kupyansk e Krasny Liman em setembro e outubro.

Uma das razões para a retirada das forças russas em Kherson é a incapacidade das forças russas em manter as linhas de comunicação e logística na margem direita do rio Dnieper. Isso significa que as forças ucranianas conseguiram desativar ou interromper seriamente as linhas de comunicação russas através de eficientes e contínuos ataques de sistemas de artilharia e MLRS apoiados por rede de drones de reconhecimento e aquisição de alvos, além da ação de forças especiais em atos de sabotagem na retaguarda russa. Neste contexto, bombardeios precisos a bases russas com concentração de tropas e equipamentos com perdas relevantes reforçaram a decisão de retirada em 05 de novembro, em que podemos mencionar como exemplos desses bombardeios quando a artilharia ucraniana alvejou uma base mobilizada russa perto da estação rodoviária de Kherson; e,  na data de 07 de novembro, quando a artilharia das FAU atingiu a base russa na área de Redetzky.

Por sua vez, as tropas russas, estimadas em cerca de 30 mil combatentes (a maior parte paraquedistas) tiveram que defender uma grande área em várias e extensas linhas de frente prolongadas com efetivo insuficiente, gerando sobrecarga operacional para as linhas de defesa e abrindo grande oportunidade de serem cercadas por formações de combate ucranianas. Desde o final de agosto, as formações de combate ucranianas atacam as forças russas em vários eixos do perímetro operacional de Mikolayev-Krivoy Rog, gerando perdas de atrito e desgaste operacional das linhas de defesa.

A retirada da margem esquerda para as novas linhas de defesa foi uma decisão político-estratégica difícil, mas ditada por uma necessidade militar. Uma potencial batalha em grande escala na margem direita do rio Dnieper levaria a grandes perdas das já limitadas forças russas e, segundo várias estimativas, poderia minar a capacidade de combate de todo o grupamento de combate russo na Ucrânia e a defesa da Crimeia. A defesa da cidade de Kherson era possível, mas teria sido acompanhada por pesadas perdas entre a população civil.

https://english.elpais.com/international/2022-11-10/the-ukraine-war-in-maps-kherson-retreat-largest-withdrawal-of-russian-troops-since-kyiv.html

Cumpre ressaltar que o combate urbano é muito difícil para o atacante, pois exigem grandes recursos e alto nível de tolerância as perdas em vidas e material. Por outro lado, para o defensor, as possibilidades oferecidas pelas construções urbanas oferecem inúmeras oportunidades de deter e destruir o inimigo com poucos recursos. Além disso, é muito grande a possiblidade de atrair o atacante para uma armadilha, ou seja, uma posição estratégica em que tenha que o atacante concentrar recursos para um assalto e essa posição, bem como o inimigo, serem destruído por fogos, exemplos ao longo da história não faltam.

A estabilização da linha de frente ao longo do curso inferior do Dnieper libera agrupamentos significativos de forças tanto das FAU, quanto das Forças Armadas da Federação Russa, que anteriormente estavam engajadas no confronto em torno da ponte de Kherson.

Deve-se notar que a prontidão para o combate de ambas as forças não é o melhor – a maioria das tropas russas estacionadas na região de Kherson está em ação desde fevereiro e precisa de recompletamento e descanso. Ao mesmo tempo, as tropas ucranianas, que há muito tempo tentam invadir Kherson, também sofreram grandes perdas e precisam ser recompletadas (no caso de continuarem empenhadas em combates).

A retirada das tropas russas levou à problemas de funcionamento regular de várias instalações civis estrategicamente importantes, tais como: a usina hidrelétrica de Kakhovskaya, a ponte Antonovsky e o canal de água da Crimeia do Norte (reaberto após anos de bloqueio do fornecimento de água para a península).

https://www.geopoliticalmonitor.com/ukraine-war-attrition-looms-in-battle-of-kherson/

A decisão do comando do TO implica ameaças militares perigosas para o lado russo. De acordo com fontes abertas, o Estado-Maior das Forças Armadas da Ucrânia mantém pelo menos oito brigadas na região de Kherson, que recentemente perderam parte de seu potencial ofensivo, mas ainda estão prontas para o combate. Eles incluem a 28ª, 60ª, 61ª brigada mecanizada, 59ª infantaria motorizada e 35ª brigada de fuzileiros navais, 46ª aeromóvel, 128ª de assalto de montanha e 17ª brigada de tanques, bem como pelo menos três brigadas de defesa territorial. Como os militares russos perderam a possibilidade de lançar operações ofensivas poderosas na região em um futuro próximo, a maioria dessas unidades ucranianas, provavelmente serão transferidas para as linhas de frente em outras regiões, principalmente, Zaporizhzhia, onde as FAU podem tentar avançar em direção a Mariupol para cortar todo o agrupamento russo na Ucrânia e as linhas de comunicação russas para a Crimeia.

https://mobile.twitter.com/ameliairheart/status/1591236223770963968/photo/1

Nesse contexto, em nosso entendimento, após a conclusão da ocupação da margem direita do Dnieper, existe a possibilidade de se abrirem dois eixos de progressão para a continuidade do ataque ucraniano:

– O primeiro, na região de Svatovo, onde as FAU estão ativas e a defesa russa é avaliada como fraca. A tarefa das FAU aqui é  retomar Severodonetsk.

– O segundo, na região de Zaporozhye, na direção de Melitopol e Crimeia. Essa frente de batalha é difícil, sendo que recentemente foi discutida a possibilidade de uma ofensiva das FAU contra a Crimeia, e não na direção do Donbass. Mesmo que não haja ofensiva aqui, a situação na direção da Crimeia ainda está mudando para pior para os russos. Serhiy Kuzan, conselheiro do Ministério da Defesa da Ucrânia, disse que as FAU podem colocar as três principais estradas para a Crimeia no alcance de sua artilharia de foguetes, depois de ocupar a margem direita da região de Kherson.

https://southfront.org/military-situation-in-southern-ukraine-on-november-14-2022-map-update/

As FAU com o controle operacional total da margem direita do Rio Dnieper e da cidade de Kherson, estão tendo a oportunidade de atacar centros logísticos no norte da Crimeia – como em Armyansk. É através dessa cidade que a rota alternativa para a Crimeia passa pelos territórios de Taganrog a Dzhankoy depois que houve o ataque terrorista na ponte da Crimeia em 8 de outubro.

https://warontherocks.com/2022/09/into-the-breach-ukraines-counter-offensive-begins/

Na primavera, a Ucrânia planeja introduzir novas unidades militares na batalha formadas e treinadas pela OTAN, cuja formação levará de três a quatro meses. De acordo com estimativas preliminares, a essa altura, até dois novos corpos do exército e uma brigada de assalto aérea separada podem ser formadas nas FAU, o que permitirá operações ofensivas em pelo menos duas direções operacionais.

Com base nessa possibilidade, podemos especular que as FAU não abandonaram os planos de tomar a usina nuclear de Zaporizhzhia e também pretendem lançar ataques através de Pologi e Vasilievka, depois para Melitopol e até Berdyansk, ainda mais diante da liberação deste front de 40 mil soldados ucranianos. Assim, o corredor terrestre para a Crimeia pode ser cortado impedindo o fluxo logístico para as Forças Armadas Russas e a população da Criméia. Circula na imprensa que o alto comando militar ucraniano já tem um plano de ataque a Berdyansk, durante o qual objetiva capturar Vasilyevka, Pologi e Melitopol.

De uma forma ou de outra, o treinamento dos militares ucranianos na Europa continua. As informações disponíveis dão conta que o fluxo de armamento e suporte logístico fornecido pela OTAN para FAU, provavelmente, continuará. Portanto, é grande a possibilidade a probabilidade de uma ofensiva de primavera das FAU, independentemente do resultado de improváveis mas alardeadas negociações entre os beligerantes.

3. Considerações finais

O acesso das FAU ao Rio Dnieper na região de Kherson permite que as Forças Armadas da Ucrânia bombardeiem a parte norte da península e ponham em risco as linhas de comunicação russa com a Crimeia.

A retirada russa de Kherson também é um duro golpe político para Moscou. O Ocidente e Kiev declararam que a retirada russa é uma vitória incondicional das forças ucranianas. Como resultado de uma campanha de mídia ocidental bem-sucedida, a decisão da Rússia de se retirar da margem direita do Dniper, provavelmente, aumentará significativamente o fluxo de armas ocidentais para o país.

Em nosso entendimento, o sucesso das FAU no campo de batalha se deve, principalmente, ao apoio e assessoramento fornecido pela OTAN. A vitória no campo de batalha tem provocado sérias consequências políticas na própria Rússia.

O impacto político e social da perda de Kherson afeta fortemente o moral da opinião pública russa e da população russófona na Ucrânia. Muitos cidadãos que foram evacuados perderam suas casas e empregos, gerando insatisfação, insegurança e um clima de apreensão pelo resultado do conflito.

Imagem de Destaque: https://www.understandingwar.org/backgrounder/russian-offensive-campaign-assessment-november-13

Autores:

¹ Delegado de Polícia, Mestre em Segurança Pública, historiador e pesquisador em geopolítica e conflitos militares. Email: rodolfolaterza@gmail.com

² Mestre e Doutor em História Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ, professor-colaborador e do Programa de Pós-Graduação em História Militar Brasileira (PPGHMB – lato sensu), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO e Editor-chefe do site História Militar em Debate e da Revista Brasileira de História Militar. Website: https://historiamilitaremdebate.com.br

Fontes consultadas:

https://www.focus.ua

https://www.fpri.org/

https://news-front.info/

https://rusi.org/

https://worldview.stratfor.com/

Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

5 comentários em “As variáveis tático-operacionais na Guerra da Ucrânia e seus desdobramentos políticos e estratégicos”

  1. Um artigo interessante da perspectiva ucrâniana ,mas não se pode dizer a mesma coisa sobre as Perspectivas russas que parecem paralisadas e sem saída para o conflito ,segundo este artigo ,o que por muito mal que as coisas estejam do lado russo ,parece-me irreal supôr que não tenham alternativas para o TO ….

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  2. Sinceramente não acredito em vitoria da Otan acredito que a Rússia está fazendo de peixe morto fingindo fragilidade e demonstra na sua concepção de retargada é historica não parecem demonstrar interesse em contraofensiva pois sabe que a otan planeja uma especie de camuflfem de tocaia em cerca-los em processo de cerco por precisão e disposição de ataques em media escala contolado em abrir uma dianteira no sistema defensivo aereo de defesa russo e atacar em estrutura de conflito de penetração de guerrilha a lá Afeganistão em caso de avanço russo os estadunidenses apesar de bons estrategistas são muito previsiveis em sua concepção tática tanto é que não arriscam a estender operacionalmente o exercito ucraniano que sofre mais baixas que o russo mesmo bem equipados faltam a eles incisão e dispostivo profissional.Já os russos tem um apetite de ofensiva historico desde a epoca do czar e com apoio da China e do Irã a situação de tais euro imperio estadunidense me parecem não ter suporte financeiro para prolongar a guerra mais do que querem a Rússia mesmo com suas limitações sabem adaptar a realiade mais rapido do que seus inimigos,sinceramente não perdem esta guerra.

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