Guerra de Inverno (1939-1940): O custo do frio finlandês aos soviéticos

de

Prof. Esp. Pedro Silva Drummond

Inicialmente, é necessário contextualizar o que será retratado nesse texto. O tema analisado nas próximas linhas faz parte da Guerra Soviética-Finlandesa ou Guerra de Inverno, durante Novembro de 1939 e Março de 1940. Nesse momento não será examinado a Segunda Guerra Soviética-Finlandesa (1941-1944).

Introdução

A URSS se tornou um dos integrantes da Segunda Guerra Mundial, antes mesmo do início do conflito. Dias antes da invasão alemã na Polônia, acontecimento reconhecido como o estopim para a Guerra, Alemanha e URSS assinaram o Pacto Molotov–Ribbentrop, também conhecido como Pacto Nazi–Soviético, que correspondia a um Tratado de não agressão e esferas de influência entre ambos os Países.

Poucos meses após a assinatura do Pacto Molotov–Ribbentrop e da invasão da Alemanha na Polônia, os soviéticos iniciam a invasão na Finlândia, no dia 30 de Novembro de 1939. No contexto da expansão soviética sobre os territórios da Europa Oriental.

Mapa da Europa antes da Segunda Guerra Mundial
https://br.pinterest.com/pin/589056826235730869/

Invasão à Finlândia

Após o acordo feito com a Alemanha, os soviéticos iniciaram sua expansão em diversas direções. Polônia, Finlândia e os Países Bálticos, foram alguns dos territórios que Stalin desejava controlar, como analisa Beevor: “Neste ínterim, Stalin não perdeu tempo e se apossou dos ganhos oferecidos pelos acordos Molotov-Ribbentrop. Assim que a ocupação soviética do leste da Polônia se completou, o Kremlin impôs aos Estados bálticos os chamados “tratados de assistência mútua”¹. Em 5 de novembro, o governo finlandês foi chamado a enviar emissários a Moscou. Uma semana depois, Stalin apresentou-lhes uma lista de exigências em outra proposta de tratado. Estas incluíam a entrega da península Hanko e a transferência de diversas ilhas no golfo da Finlândia à União Soviética, além de parte da península Rybachy, perto de Murmansk, e do porto de Petsamo. Outra exigência insistia em que a fronteira do istmo da Carélia, acima de Leningrado, fosse movida 35 quilômetros para o norte. Em troca, os finlandeses receberam a oferta de uma parte quase desabitada no norte da Carélia soviética. (BEEVOR, 2015, p.47-48).

A proposta oferecida por Stalin não foi aceita e sob o pretexto de que comunistas finlandeses aclamavam por ajuda, a URSS, no dia 30 de Novembro as forças armadas soviéticas iniciaram um ataque, após um incidente fronteiriço perto de Mainila, na Carélia² e dos alemães recusarem ajudar os finlandeses. O ataque teve início com tropas do distrito militar de Leningrado atacando posições finlandesas e aviões bombardeando Helsinque.

Com o início do conflito, os finlandeses tiveram que enfrentar uma força superior a sua, e mais bem preparada para as batalhas, como explica Gilbert: “Na manhã de 30 de novembro de 1939, o Exército Vermelho lançou uma ofensiva militar maciça através da fronteira soviético-finlandesa. Para os povos da Europa Ocidental, que estavam em guerra havia quase três meses, parecia certo que a Finlândia sucumbiria em pouco tempo; 26 divisões soviéticas, totalizando cerca de 465 mil homens, lançaram-se contra nove divisões finlandesas, num total de 130 mil homens. No mesmo momento, mil aviões soviéticos entravam em ação contra 150 aviões finlandeses, todos antigos. Tal era a confiança do alto-comando soviético numa vitória rápida que boa parte das tropas atacantes vestia uniformes de verão, apesar do iminente início do inverno. (GILBERT, 2014, p.52).

Movimentação das tropas soviéticas sobre a Finlândia
BEEVOR. Antony. A Segunda Guerra Mundial.1. ed. – Rio de Janeiro :Record, 2015. P.49

Após alguns dias de conflito, no dia 1 de dezembro de 1939, a URSS criou um governo fantoche na região ocupada de Terijoki, sob a liderança de Otto Wille Kuusinen, governante da República Democrática Finlandesa

Da Direita para esquerda: Otto Wille Kuusinen, Josef Stalin, Klment Voroshilov, Andrei Jdanov, sentado Viatcheslav Molotov
NENYE, Vesa; MUNTER, Peter; WIRTANEN, Toni. Finland at War: The Winter War 1939-40. Osprey Publishing, 2015.

Os soviéticos mesmo com um poder superior aos finlandeses tiveram dificuldades em avançar no território adversário, as tropas, os franco-atiradores e as minas terrestres, conseguiam segurar as tropas soviéticas, provocando uma surpresa nas forças oponentes, como cita Beevor: “Para os soldados do Exército Vermelho, que tinham ouvido que os finlandeses os receberiam como irmãos e libertadores dos seus opressores capitalistas, a realidade da luta solapou o seu moral enquanto se esforçavam pelos campos nevados em direção aos bosques de bétulas que ocultavam parte da Linha Mannerheim³. Mestres na camuflagem de inverno, os finlandeses os ceifaram com suas metralhadoras.” (BEEVOR, 2015, p.50).

Em outra frente de batalha, ao norte a situação não era diferente, como explica Beevor novamente: “No extremo norte do país, as tropas soviéticas de Murmansk atacaram a região de mineração e o porto de Petsamo, mas as suas tentativas de prosseguir rumo ao sul e cruzar a Finlândia pelo meio partindo do golfo de Bótnia foram espetacularmente desastrosas. Atônito ao ver que os finlandeses não desistiam de imediato, Stalin ordenou a Voroshilov que os esmagasse com o efetivo superior do Exército Vermelho. Os comandantes, aterrorizados com os expurgos e paralisados pela rígida ortodoxia militar decorrente, só podiam enviar mais e mais homens à morte. Em temperaturas de 40ºC negativos, os soldados soviéticos, mal equipados e sem treinamento para aquele tipo de guerra de inverno, chamavam a atenção com seus sobretudos marrons enquanto iam tropeçando na neve alta. Em meio aos lagos congelados e às florestas do centro e do norte da Finlândia, as colunas soviéticas avançavam pelas escassas estradas através dos bosques. Um destino semelhante teve a 122ª Divisão de Infantaria que avançava em direção ao sudoeste, da península Kola para Kemijärvi, onde foram surpreendidos e massacrados pelas forças do general K. M. Wallenius.” (BEEVOR, 2015, p.50 e 51).

Os finlandeses resistiam aos russos da seguinte forma, como relata Gilbert: “pequenas unidades militares conseguiam deslocar-se rapidamente em bicicletas ou esquis pelos estreitos caminhos florestais. Os defensores lançavam garrafas cheias de gasolina, com um trapo incendiado no gargalo, dentro dos tanques soviéticos: essa bomba incendiária tão simples, mas com efeito tão eficazmente devastador, em breve recebeu o nome de “coquetel Molotov”. (GILBERT, 2014, p.55).

Os finlandeses adotavam como tática o que era chamado de “cortar lenha”, que significava a interrupção de linhas suprimentos, causando sérias dificuldades as forças soviéticas. A tática finlandesa utilizada era uma velha conhecida dos russos, empregada um século antes nas Guerras Napoleônicas. Os finlandeses não permitiam a chegada de suprimentos aos inimigos, colocavam fogo em locais que poderiam ser usados como abrigos e fonte de alimentos, e militarmente utilizavam a sua geografia e o seu conhecimento territorial para derrotar o inimigo como, o que ficou denominado como Tropas Fantasmas4 e minas espalhadas por boa parte do território.

Soldados Fantasmas Finlandeses
https://www.bbc.com/portuguese/geral-50827512

Depois de novas tentativas de ofensivas por parte dos soviéticos e uma resistência finlandesa, que tinha provado ser firme, porém, não conseguia derrotar o inimigo, os finlandeses buscaram um acordo de paz com a Rússia, como analisa Beevor: “Em 29 de fevereiro, sem esperança de ajuda externa, os finlandeses decidiram buscar termos com base nas exigências originais da União Soviética, e um tratado foi assinado em Moscou em 13 de março. Os termos eram duros, mas poderiam ter sido muito piores. Os finlandeses haviam provado que estavam irredutíveis na defesa da sua independência, mas o mais importante foi que Stalin não quis prosseguir com uma guerra que podia atrair os Aliados do Ocidente. Ele também foi forçado a aceitar que a propaganda do Comintern havia sido ridiculamente autoenganosa, então dispensou o governo fantoche dos comunistas finlandeses. O Exército Vermelho havia perdido 84.994 entre mortos e desaparecidos, com 248.090 feridos ou enfermos. Os finlandeses tiveram 25 mil mortos”. (BEEVOR, 2015, p.54).

Conclusão

Após o início da Segunda Guerra Mundial, os soviéticos iniciaram sua expansão no que conhecemos como Europa Oriental, e entre os países no qual a URSS buscava conquistar, estava à Finlândia. Um País onde os líderes soviéticos acreditavam que conseguiriam uma vitória rápida, como identifica Beevor: “Os líderes soviéticos supunham que a campanha seria uma vitória fácil, como na ocupação do leste polonês. Voroshilov, o comissário da Defesa, queria que ela terminasse a tempo para o sexagésimo aniversário de Stalin, em 21 de dezembro. Dmitri Shostakovich recebeu ordens de compor uma peça para comemorar o acontecimento.” (BEEVOR, 2015, p.48).

Os soviéticos não esperavam que houvesse uma forte resistência finlandesa e o número grande de soldados mortos no conflito. A Finlândia que imaginava contar com uma maior ajuda dos países europeus, principalmente da Alemanha, não aconteceu da forma desejada, porém os países que posteriormente seriam aliados da URSS, após o rompimento com a Alemanha, contribuíram de alguma forma, como elucida Gilbert: “Em 7 de dezembro, o primeiro ministro britânico, Neville Chamberlain, anunciou a venda de trinta aviões de guerra à Finlândia. Quatro dias mais tarde, em Genebra, a Liga das Nações iniciou um debate urgente, que terminou com a expulsão da União Soviética da liga e com um apelo para que fosse dado aos finlandeses todo o auxílio possível. Edouard Daladier, primeiro-ministro francês, enumerou posteriormente o material de guerra que a França enviou à Finlândia: 145 aviões, 496 peças de artilharia pesada, cinco mil metralhadoras, duzentas mil granadas de mão, quatrocentas mil espingardas e vinte milhões de peças de munição. Voluntários britânicos, franceses e italianos ofereceram-se para participar do combate e dirigiram-se para Helsinque.” (GILBERT, 2014, p.59).

Com as grandes perdas de ambos os lados e principalmente com a Finlândia entendo que seria difícil ganhar a Guerra, teve início o acordo de Paz que levou o fim do conflito, em relação ao Tratado assinado por ambos as Nações, o Ministro das Relações Exteriores da URSS, Viatcheslav Molotov, afirmava: “Ao todo, as perdas territoriais resultaram para a Finlândia após a Guerra de Inverno, 10% do total do país, da área de superfície pré-guerra. Quase 12 por cento da população teve de ser reassentada a partir de terras cedidas. Apesar deste custo pesado, a maioria dos finlandeses pensam que a manutenção da independência é mais importante do que a perda de território.” (Trad. NENYE, Vesa; MUNTER, Peter; WIRTANEN, Toni, 2015, p.283).

https://pt.wikipedia.org/wiki/Simo_H%C3%A4yh%C3%A4#/media/Ficheiro:Simo_hayha_second_lieutenant_1940.png

Em relação à guerra com a Finlândia, uma figura importante na história foi apresentado no conflito com os soviéticos, Simo Häyhä, conhecido como a Morte Branca, foi um dos maiores franco-atiradores da história e da Segunda Guerra Mundial, alcançando um número de mais de 500 baixas ao inimigo. Outro fato importante em relação à Guerra foi expulsão da URSS da Liga das Nações.

A Guerra Soviética-Finlandesa ou Guerra de Inverno foi para a URSS um momento de algumas conquistas territoriais, mas de uma grande perda de soldados.

Imagem de Destaque: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/media/_versions/capawinter8d9f7_widelg.jpg

Notas

¹ Tratado que permitia a URSS de colocar tropas e bases nesses territórios.

² Fato ocorrido quando a artilharia soviética disparou contra a pequena localidade russa de Mainila, e os líderes soviéticos culparam a Finlândia de ter causado o ataque, alegando perdas militares e civis.

³ Linha Mannerheim era uma linha defensiva finlandesa no istmo da Carélia, na região entre a Finlândia e a URSS.

4 Soldados esquiadores que arremessavam granadas e coquetéis Molotov nos tanques e na artilharia soviética e desapareciam rapidamente da mesma forma que tinham surgido.

Bibliografia

– BEEVOR. Antony. A Segunda Guerra Mundial.1. ed. Rio de Janeiro :Record, 2015.

– GILBERT, Martin. A Segunda Guerra Mundial: os 2.174 dias que mudaram o mundo. 1. ed. – Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014.

– NENYE, Vesa; MUNTER, Peter; WIRTANEN, Toni. Finland at War: The Winter War 1939-40. Osprey Publishing, 2015.

Especialização em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Graduação em História (Bacharel e Licenciatura) pela Universidade Gama Filho (UGF), autor de Artigos em História Militar.

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