Luciano Hickert¹
Resumo: O conflito na Transnístria iniciou-se em 1990, com o colapso da União Soviética, e se estende até os dias atuais, recebendo desde sua eclosão pequena atenção das mídias ocidentais. Milhares de pessoas perderam suas vidas nesses 30 anos de disputas, e grave crise humanitária ocorre naquela fronteira entre Ucrânia e Moldávia, sem que sejam mobilizados os órgãos de segurança internacional para a condução de uma solução para a disputa.
Abstract: The conflict in Transnistria began in 1990, with the collapse of the Soviet Union and has been extended to the present day, receiving little attention from the Western media since its outbreak. Thousands of people have lost their lives in these 30 years of disputes and a serious humanitarian crisis occurs on that border between Ukraine and Moldova without the international security organs being mobilized to carry out a solution to the dispute.
Introdução
O conflito na região Leste da Moldávia antecipou em mais de 20 anos o ocorrido na região Leste da Ucrânia, com envolvimento direto da Rússia e de mercenários cossacos, alinhados aos objetivos de Moscou de manter a influência nessas áreas. Até hoje o território localizado na margem esquerda do rio Dniester não se encontra controlado por um Estado formalmente reconhecido pela maioria dos países.
O território da Transnístria compreende a região do Leste europeu situado a Oeste da Ucrânia, separada da Moldávia pelo rio Dniester, na sua jusante próxima ao mar Negro. É uma área disputada historicamente por russos e por romenos (moldavos), que povoam a região.
1940, a Moldávia passou da Romênia para a URSS. No entanto, em junho de 1941, quando estourou a Segunda Grande Guerra, a Romênia, aliada da Alemanha nazista, ocupou a Moldávia. As autoridades romenas comprimiram a economia e a agricultura da Moldávia; sua indústria foi expropriada pelo esforço de guerra, e o campesinato foi forçado a desistir de quase todos os grãos e gado.
Dezenas de milhares de moldavos da Romênia foram enviados para a Alemanha como mão de obra. Da mesma forma, a população do território ocupado foi obrigada a trabalhar sem compensação, reparando estradas e infraestrutura destruída durante a guerra. Historicamente, a Bessarábia era lar de muitos judeus e ciganos. Os romenos recém-chegados estabeleceram campos de concentração e guetos. As tropas soviéticas libertaram a Moldávia em 1944.
Depois da guerra, a Moldávia foi transformada em ruínas. Sua infraestrutura estava destruída, e as doenças proliferavam devido à falta de remédios, sem falar do desemprego em massa e da fome. O governo soviético alocou recursos consideráveis para renovar a indústria e a agricultura, importando equipamentos e matérias-primas. A principal indústria da Moldávia era, e ainda é, a produção de vinho. O vinho da Moldávia era conhecido em toda a União Soviética. Graças ao clima quente da região, é possível cultivar e produzir grandes quantidades de frutas e legumes, além de girassóis, beterrabas, tabaco e outros cultivos industriais.
Na década de 1950, a Usina Hidrelétrica de Dubossari foi construída no rio Dniestre; a indústria de costura se desenvolveu, bem como a produção de geladeiras. A maior parte da população consistia em moldavos, ucranianos e russos. Ainda, historicamente, a região tinha uma grande comunidade da Gagaúzia (cidade turca), além de judeus, búlgaros e ciganos.
Na década de 1980 pessoas de toda a URSS, bem como turistas, foram atraídas para a Moldávia por seu clima quente e oportunidades de emprego. Fábricas de tecido foram impulsionadas pela oferta de energia, e as frutas e os vinhos da região passaram a ser desejados em toda a União Soviética. Isso impulsionou a chegada de imigrantes russos, desequilibrando a distribuição populacional na área.
O Conflito nos dias atuais.
A mais recente advertência da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) sobre um possível alastramento da ofensiva da Rússia até a Moldávia desencadeou apreensão na antiga república soviética. No fim de fevereiro de 2020, o comandante supremo da OTAN na Europa, general Philip M. Breedlove, declarou ao Congresso em Washington que as tropas russas estacionadas na região separatista da Transnístria teriam a finalidade de “evitar uma aproximação da República da Moldávia ao Ocidente”.
Segundo Breedlove, a operação seria acompanhada por uma ampla campanha de informação, através de seus meios de comunicação, que Moscou realiza no país vizinho. A chanceler federal alemã, Angela Merkel, também reagiu com apreensão aos desdobramentos na região. Após conversa em Berlim com o presidente da Romênia, Klaus Iohannis, ela disse que torcia para que a situação da Ucrânia não se repetisse na Moldávia. Merkel disse que não se deve esquecer o conflito estagnado na Transnístria, nem o fato de que fracassaram todas as tentativas internacionais de solucionar esse conflito.
Na Transnístria ainda estão estacionados 2 mil soldados russos, embora já em 1999 o Kremlin tivesse se comprometido a retirar do território seu pessoal militar e arsenais armamentistas. Após uma guerra sangrenta no início da década de 1990, a região separatista se desligou da Moldávia, declarando-se independente. Seu governo pró-Moscou tem esperanças de uma anexação à Federação Russa (CALUGAREANU, 2015).
Seguindo as divisões políticas existentes na Ucrânia, a Moldávia também possui sua parte mais a Leste ligada a Rússia, e sua parte Oeste mais voltada para a Europa Ocidental. Isso se verifica pela análise do mapa abaixo, onde se verifica o apoio da população à causa pró-Moscou.
Até agora o novo governo moldávio não desenvolveu nenhuma reação aos sinais de alarme. O país está sacudido por uma crise política com o potencial de colocar em perigo uma aproximação mais forte à União Europeia. Há apenas poucos meses no cargo, o primeiro-ministro Chiril Gaburici vem tentando convencer Bruxelas de que a república pretende manter o curso pró-europeu. Depois de vencer as eleições legislativas em novembro último, a aliança tripartidária pró-UE não conseguiu constituir um governo. Após muitos esforços, dois dos partidos formadores, o Liberal Democrático e o Democrático, conseguiram formar um governo de minoria, dependente do apoio da oposição comunista. Agora, os pró-europeus da República da Moldávia temem que o país vá se aproximar cada vez mais de Moscou.
O cientista político moldávio Oazu Nantoi, do partido social democrata, membro do parlamento daquele país atualmente, detecta uma série de perigos para seu país. Um deles seria “a assim chamada quinta coluna da Rússia” no Parlamento, em Quichinau. Não se trata apenas do Partido Socialista, que jamais negou sua orientação pró-Moscou, mas também deputados de outras legendas contrários a uma orientação pró-Europeia. Nantoi igualmente alerta sobre a influência do Kremlin sobre as eleições na região moldava de Gagaúzia. Também nesse local os separatistas pró-Moscou ameaçam com uma anexação à Federação Russa.
O especialista confirma a existência de uma campanha de informação do Kremlin, como denunciou o general Breedlove, da Otan. Canais de TV russos dominam o mercado de mídia da Moldávia. Contudo, o maior perigo ainda parte da corrupção em massa e de um governo fraco. Um Estado incapaz de garantir o direito, a ordem e a estabilidade política, enquanto a guerra ameaça suas fronteiras, “não estará em condições de se opor à agressiva política expansionista da Federação Russa”, declarou Oazu Nantoi.
O novo ministro moldávio da Defesa, Viorel Cibotaru, entretanto, afirmou em entrevista a um jornal local não ver risco concreto de um alastramento do conflito na Ucrânia. Todas as estruturas de defesa nacional, assegurou, estão em permanente estado de alarme, prontas a reagir imediatamente a possíveis ameaças. Segundo o mais recente relatório do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), sediado em Londres, o Exército Moldávio dispõe de 5.300 soldados ativos. No caso de um conflito militar, podem ser convocados 700 mil cidadãos. Seus sistemas armamentistas provêm, em grande parte, da época soviética (CALUGAREANU, 2015).
A polarização política na Moldávia se refletiu nas eleições recentes, que deram vitória para a candidata pró União Europeia, frente ao candidato alinhado com moscou. As regiões Sul e Leste do país, do mesmo modo que ocorre na Ucrânia, deram vitória para os simpatizantes russos, demonstrando que o conflito tem questões étnicas que se refletem no campo político.
Assim, a região tem propensão para conflitos por conta a sua localização estratégica, pela multiplicidade de etnias e culturas que vivem no território, além de ser alvo de interesse da Rússia e Europa, influenciando tanto a Romênia quanto a Ucrânia e todos os territórios banhados pelo rio Dniestre. A Transnístria tende a compor peça importante da política internacional russa, na sua busca de limitar a presença de outras potências na região Norte do mar Negro.
O conflito na década de 1990.
Na história do conflito, podem ser identificados cinco pontos críticos principais nas lutas políticas Inter étnicas na Moldávia, entre o final de 1988 e meados de 1992:
- agosto-setembro de 1989: crise decorrente da adoção da nova legislação republicana sobre o status e o funcionamento das línguas;
- Outubro-novembro de 1990: crise antes das eleições locais para os Soviets Supremos (parlamentos) das repúblicas separatistas de Transnístria, ou Trans-Dniester, proclamadas unilateralmente;
- Setembro de 1991: crise após o fracasso do golpe na URSS e a prisão de líderes dos grupos étnicos rebeldes na Moldávia;
- Dezembro de 1991: crise após as eleições presidenciais e referendos sobre a independência em Trans-Dniester;
- Março de 1992: crise após as autoridades separatistas de Trans-Dniester tentarem subordinar as delegacias de polícia locais pela força, usando outros meios de coerção oficial em massa.
Três padrões e estágios principais podem ser identificados no desenvolvimento do confronto inter-étnico disruptivo entre a Moldávia e o Trans-Dniester:
- Novembro de 1990 e setembro de 1991: transição da ação política étnica não violenta para a violenta, manifestada nos confrontos entre a polícia da Moldávia e civis em Dubossary, uma das cidades principais e rota de passagem entre a capital da Moldávia e a Ucrânia;
- Dezembro de 1991: transição para interação violenta recorrente em áreas urbanas e rurais etnicamente mistas da margem Leste da Moldávia; Polícia moldava e destacamentos especiais, camponeses moldavos de um lado, engajados em interação violenta com formações especialmente criadas de milícia Trans-Dniestre e grupos civis russófonos de autodefesa semi-organizados do outro;
- Março-julho de 1992: transição para a guerra – violência interétnica em grande escala, organizada e sustentada invadiu toda a área de fronteira entre a margem direita e a margem esquerda da Moldávia, culminando no derramamento de sangue de Bendery em junho de 1992. Formações militares (OPON da Moldávia, polícia e forças armadas contra guardas e milícias Trans-Dniestres) que representam populações estabelecidas de etnias opostas envolvidas na guerra, empregando uma vasta gama de armas convencionais. As formações paramilitares de adversários (voluntários moldavos e romenos, grupos de autodefesa transdniestres e destacamentos cossacos da Rússia) acrescentaram uma dimensão de guerrilha à guerra civil.
Assim, os combates pelo controle da área se intensificaram em março de 1992, coincidindo com a adesão da Moldávia recém-independente às Nações Unidas e, alternando com alguns períodos de cessar-fogo, durou toda a primavera ao início do verão de 1992, quando um cessar-fogo definitivo, que tem sido respeitado, foi declarado em 21 de julho . A crise, que até hoje não teve uma solução definitiva, se desenvolveu da seguinte forma:
Em 9 de janeiro de 1992, as autoridades transnistrais decretaram que as forças armadas da ex-URSS localizadas no território da margem esquerda da Moldávia fossem colocadas sob o comando do governo do país recém criado. As forças armadas da Comunidade dos Estados Independentes (CEI) ignoraram esta exigência e declararam a neutralidade do ex-exército da União em conflitos internos nas ex-repúblicas da URSS.
Em janeiro-março de 1992, surgiram relatos de assaltos armados feitos por guardas Trans-Dniestres e cossacos em depósitos militares do 14º Exército e tropas internas da ex-URSS. Novos sinais de polarização dos conflitos Moldávia-Trans-Dniester foram relatados em fevereiro de 1992. No final de fevereiro, centenas de cossacos da região do Don da Rússia começaram a chegar à margem esquerda da Moldávia em resposta aos apelos feitos pelos Trans-Dniestrianos aos seus Irmãos étnicos russos. Sua chegada serviu para aumentar as tensões étnicas. Pouco depois, foi relatado que grupos de voluntários romenos chegaram à margem direita da Moldávia, expressando sua solidariedade com os moldavos nas lutas contra os separatistas.
Em seu terceiro Congresso, realizado em Kishinev em 23 de fevereiro de 1992, a Frente Popular Democrática Cristã (CDPF) da Moldávia, com ligação política com partidos de direita romenos, buscava uma nova reunião da Moldávia com a Romênia e a restauração de Grande Romênia. Nos dias 1 e 2 de março, os guardas transnístros atacaram o escritório da polícia da cidade de Dubossary e prenderam policiais moldavos, exigindo o fechamento de organizações legalistas da Moldávia em Dubossary.
Destacamentos moldavos foram enviados para restaurar a ordem, mas foram bloqueados no posto de controle da Ponte Dubossary. Depois de uma troca de tiros com os guardas e cossacos, uma pessoa foi morta e outra ficou ferida. Em 3 de março, o escritório da polícia moldava em Dubossary foi fechado e transferido para Kochiery, um vilarejo povoado por moldávios nas proximidades. No mesmo dia, durante um violento confronto em Kochiery, seis guardas Trans-Dniestres foram mortos e 11 feridos.
Em 3 de março, o líder transniquestre, Smirnov, declarou estado de emergência na margem esquerda da Moldávia e pediu resistência à polícia moldava. Novos destacamentos cossacos foram relatados chegando em Trans-Dniester pelo território da Ucrânia. As hostilidades assumiram o caráter de trocas diárias de tiros e pequenos combates nos subúrbios de Dubossary e nas aldeias vizinhas com populações etnicamente mistas. Em 6 de março, o escritório da polícia da cidade em Bendery foi sitiado por guardas Trans-Dniestres que exigiram que fosse fechado e toda a polícia da cidade dissolvida. Ataques violentos e trocas de tiros foram relatados em rodovias nos distritos de Bendery e Grigoriopol. Durante o ataque armado a um depósito militar em 15 de março, os cossacos, supostamente em torno de 600, tomaram posse de armas de fogo, revólveres, metralhadoras e submetralhadoras, morteiros, granadas e munições.
Em meados de março, as hostilidades se espalharam para as áreas rurais de Dubossary, com centenas de pessoas participando de combates violentos. Nos dias 16 e 17 de março, mais de 600 policiais moldavos e guardas transnistras com uma dúzia de blindados foram relatados em combates perto da vila de Kochiery. No combate perto da aldeia de Koshnitsy, apenas o lado moldavo contava com 3.000 policiais.
Os fluxos de refugiados que saíram em massa, tanto moldavos quanto russos, são o produto da escalada das hostilidades. Em 20 de março, 6.000 refugiados tiveram de fugir para a região de Odessa, na Ucrânia, após terem sido ameaçados ou atacados. Em 26 de março, a contagem total de refugiados russos e moldavos foi estimada em mais de 10.000 pessoas.
O fluxo de refugiados em direções opostas despertou raiva e ódio em ambas as margens da Moldávia. Em 17 de março, um acordo de armistício foi alcançado. Tentando promover um compromisso, o Parlamento da Moldávia concordou em conceder autonomia econômica e fiscal à margem esquerda da Moldávia, e em introduzir novas alterações na lei sobre as línguas. Os líderes Trans-Dniestres não acharam essas concessões satisfatórias, no entanto, insistiram que fosse concedida, se não a independência política, pelo menos a autonomia político-territorial dentro da Moldávia e o direito à secessão livre se a Moldávia se reunisse com a Romênia.
Em 6 de março, o escritório da polícia da cidade em Bendery foi sitiado por guardas Trans-Dniestres que exigiram que fosse fechado e toda a polícia da cidade dissolvida. Ataques violentos e trocas de tiros foram relatados em rodovias nos distritos de Bendery e Grigoriopol. Durante o ataque armado a um depósito militar em 15 de março, em torno de 600 cossacos tomaram posse de armas de fogo, revólveres, metralhadoras e submetralhadoras, morteiros, granadas e munições.
Em 17 de março, o governo romeno exigiu que a Federação Russa tomasse medidas urgentes para uma solução pacífica do conflito na Moldávia. Moscou hesitou e deu sinais ambíguos. Por um lado, o governo russo havia reconhecido o princípio da não interferência nos assuntos internos dos países da CEI. Por outro lado, a proteção dos direitos das minorias russófonas também havia sido declarada um objetivo importante da política externa da Rússia em relação às repúblicas da ex-URSS.
Os oponentes políticos do governo de Yeltsin, então Presidente Russo, o acusaram de ignorar a alegada violação dos direitos humanos dos habitantes russófonos da Moldávia e de trair seus irmãos étnicos. O presidente ucraniano L. Kravchuk, reagindo a uma nota de Snegur, emitiu um decreto para a criação de uma zona especial de 50 km na fronteira entre a Moldávia e a Ucrânia, com o objetivo de evitar qualquer novo influxo de cossacos da Rússia através do território ucraniano.
Em 18 de março, o Comando do 14º Exército soviético (composto principalmente por russos) emitiu uma declaração expressando a intenção de fornecer apoio militar aos trans-dinestrianos, mesmo sem ordens de Moscou, caso as hostilidades armadas voltassem a aumentar.
Em 19 de março, o presidente da Moldávia, Snegur, declarou que não excluía a possibilidade de seu país recorrer à Romênia em busca de ajuda militar: Cossacos da Rússia já havia intervindo no conflito ao lado dos russos e havia boas razões para não confiar nos promessas do Comando das Forças Armadas Unidas da CIS de que o 14º Exército permaneceria neutro.
Ainda dia 19 de março, durante sua visita de emergência a Moscou, o ministro das Relações Exteriores romeno repetiu o apelo da Romênia à Moscou para iniciar conversações de paz. Em 20 de março, o Soviete Supremo da Federação Russa apelou ao Parlamento da Moldávia para buscar uma solução pacífica para as disputas interétnicas. Ao mesmo tempo, expressou a opinião de que a autonomia econômica concedida à Trans-Dniester pelas autoridades centrais da Moldávia deveria ser complementada com o reconhecimento do status político, garantindo o direito da margem esquerda da Moldávia à autodeterminação se a Moldávia perder sua independência por meio reunião com a Roménia.
Em 24 de março, negociações quadruplicadas entre a Moldávia, Romênia, Rússia e a Ucrânia começaram a nível de ministro das Relações Exteriores. A Rússia e a Ucrânia concordaram com a exigência da Moldávia de que o Trans-Dniester não deveria estar presente nas negociações como parte independente. Uma nova explosão de violência na região de Dubossary quebrou o armistício e complicou o processo de negociação. Em 30 de março, um ataque de guardas Trans-Dniestres na aldeia de Koshnitsy resultou na morte de um policial moldavo e na morte de cinco. Um ataque de contra-resposta por policiais na rodovia Dubossary resultou na morte de um guarda e três feridos.
Em 31 de março, o Parlamento da Moldávia promulgou o decreto do presidente Snegur que introduz o estado de emergência em toda a Moldávia. Uma resolução aprovada pelo Parlamento da Moldávia repetiu a exigência de que as formações armadas ilegais de guardas Transdiestres sejam dissolvidas, que os cossacos retornem à Rússia e que as estruturas de poder da Moldávia sejam restauradas na margem esquerda da Moldávia como pré-condições para futuras negociações sobre o futuro político estatuto da região.
Em abril, as hostilidades também se espalharam para o distrito de Bendery. Outro ataque armado ao escritório da polícia da cidade de Bendery em 1 de abril resultou em quatro dias de combate entre as forças moldavas da OPON e os guardas trans-dinâmicos, o que levou à divisão da cidade em dois setores, cada um controlado por um grupo oposto. Como resultado desta violência, 19 foram mortos e 18 feridos.
Oficiais da unidade do 14º Exército localizada perto de Bendery ameaçaram quebrar a neutralidade e intervir no conflito, a menos que as hostilidades parassem. A partir de 2 de abril, a Trans-Dniester montou um novo bloqueio ferroviário na margem direita da Moldávia. A partir de 8 de abril, novos confrontos violentos no distrito de Dubossary se transformaram em troca de foguetes, ataques e ataques armados, combates e atos terroristas ao longo de toda a fronteira no Trans-Dniester. Isso durou até 17 de abril, quando um novo acordo de cessar-fogo foi alcançado. Os números oficiais divulgados por fontes moldavas e transnestritas em 17 de abril afirmam que desde o início da violência em dezembro de 1991, 42 pessoas foram mortas (incluindo 19 policiais e 23 civis) e 130 feridos (incluindo 72 policiais e 58 civis) do lado da Moldávia; e 60 mortos, 100 feridos e 60 desaparecidos no lado Trans-Dniestre.
Entre 12 e 28 de maio de 1992, houve mais uma nova erupção de hostilidades interétnicas, quando guardas tentaram expulsar destacamentos militares das posições que ocuparam na margem esquerda da Moldávia, em abril. Numerosos ataques, incursões e atos de tomada de reféns e pilhagem foram relatados nos distritos de Dubossary e Grigoriopol. Os guardas e cossacos estariam usando tanques e blindados roubados de unidades do 14º Exército. Durante o combate no distrito de Grigoriopol, 27 tanques e blindados foram usados pelos transdiestrianos. Pelo menos 54 pessoas foram mortas e 113 feridas em maio.
Os refugiados oficialmente registrados da margem esquerda da Moldávia somavam 20.000 na margem direita da Moldávia e 11.000 na região de Odessa, na Ucrânia. No final de maio, um novo acordo sobre um armistício de 30 dias foi alcançado e novas tentativas foram feitas para resolver o conflito por meio de negociações. No início de junho, nas negociações mantidas em Moscou entre os ministros das Relações Exteriores da Rússia e da Moldávia, foi acordada a criação de três grupos de trabalho. As suas tarefas consistiam em monitorizar o acordo de cessar-fogo e realizar consultas sobre as modalidades de retirada do 14º Exército da Moldávia e sobre os aspectos políticos e jurídicos da resolução do conflito Moldávia-Trans-Dniester.
Em 3 de junho, o Soviete Supremo de Trans-Dniester encaminhou ao Parlamento da Moldávia uma proposta para separar as formações armadas na zona de conflito e estipular um tratado de federação entre a Moldávia e Trans-Dniester. Este último constituiria um novo status para Trans-Dniester como uma república politicamente autônoma dentro da Moldávia, com o direito à secessão livre.
Após debates realizados no Parlamento da Moldávia em 9-11 de junho, o Parlamento rejeitou as demandas da federação de Trans-Dniester, mas concordou com uma resolução especial que prometia a reconsideração do status político e jurídico da margem esquerda da Moldávia. Após consultas com líderes militares, foi acordado iniciar a retirada das tropas da margem esquerda da Moldávia em 16 de junho.
No entanto, eventos em Bendery iriam impedir o processo de busca de paz mais uma vez. Em 19 de junho, um novo ataque armado por guardas Trans-Dniestres no escritório da polícia da cidade de Bendery levou o governo da Moldávia a enviar formações de seu exército nacional para restaurar o controle da Moldávia em Bendery. Por dois meses, a cidade foi dividida em dois setores, controlados por grupos armados opostos.
As tropas moldavas (supostamente cerca de 2.500 soldados e oficiais) atacaram o setor norte de Bendery, que era controlado pelos guardas Trans-Dniestres. Tentando impedir a chegada rápida de guardas adicionais em apoio aos Trans-Dniestrians, uma aeronave moldava bombardeou a ponte que liga a cidade de Bendery à rodovia que leva a Tyraspol. A artilharia foi usada por ambos os lados. O comando da guarnição do 14º Exército perto de Bendery declarou sua neutralidade, mas, de acordo com os relatos da imprensa moldava, vários oficiais com seus soldados participaram das hostilidades ao lado dos guardas.
No dia seguinte, grupos de guardas Trans-Dniestres e cossacos, em número maior do que as forças moldavas, chegaram ao distrito de Bendery. O uso de carros de combate e o apoio de alguns oficiais do 14º Exército determinaram o desfecho da batalha de Bendery em favor dos Trans-Dniestrians, que retomaram o controle sobre a maior parte da cidade. As forças moldavas retiraram-se para os subúrbios. O combate de três dias resultou em 20 mortos e 200 feridos no lado da Moldávia e cerca de 300 mortos e 500 feridos no lado Trans-Dniestre. Quase todos os edifícios da cidade foram destruídos por fogo de artilharia.
Em 22-23 de junho, os líderes dos partidos opostos chegaram a um acordo sobre um cessar-fogo em Bendery. No entanto, os acontecimentos ficaram fora de controle, desencadeando uma forte onda de hostilidades interétnicas. Conflitos violentos foram relatados nos distritos de Dubossary, Bendery, Rybuitsy, Parkany e Grigoriopol. As perdas humanas em 24 de junho totalizaram 500 mortos e 3.500 feridos em ambos os lados desde a batalha de Bendery.
O número de refugiados russófonos na região de Odessa, na Ucrânia, totalizou 30.000 – três vezes mais do que durante os meses anteriores de guerra (IZ, 25 de junho de 1992; KU, 27 de junho de 1992). O número de membros armados de formações militares que participaram das hostilidades foi estimado em 15.000 pessoas de cada lado, com aproximadamente 400 tanques e 300 canhões de artilharia e morteiros sendo implantados. Em julho, o número total de refugiados ultrapassou 100.000.
Quando oficiais do 14º Exército ameaçaram ignorar as ordens das autoridades russas e tomar parte ativa no violento conflito do lado de Trans-Dniester, esse perigo de violência em larga escala obrigou os líderes políticos a pesquisar com maior urgência por uma forma de resolver o conflito e restaurar a paz. Em 25 de junho, durante a conferência de Istambul dos países do Mar Negro, uma rodada especial de negociações foi realizada entre os presidentes da Rússia, Romênia, Ucrânia e Moldávia. Isso resultou em um acordo para deter o confronto armado na margem esquerda da Moldávia e tomar medidas eficazes para garantir a separação das facções armadas opostas.
Os quatro presidentes apelaram ao Parlamento da Moldávia para reconsiderar mais uma vez o estatuto político e jurídico da margem esquerda da Moldávia. No mesmo dia, o Parlamento da Moldávia respondeu que o reconhecimento da Trans-Dniester como uma unidade político-territorial separada não estava em discussão, mas aprovou um ato especial que prevê para Bendery o status de “cidade livre” na Moldávia e novas garantias legislativas de ampla autonomia econômica e cultural para Trans-Dniester dentro da Moldávia.
Em 8 de julho, as negociações entre o vice-ministro da defesa da Moldávia, o comandante da guarda Trans-Dinis, o comandante-em-chefe do 14º Exército da URSS e representantes do Ministério da Defesa da Federação Russa terminaram com a assinatura de um ordem mútua de cessar-fogo e desarmamento ao longo de toda a linha de fronteira da margem esquerda da Moldávia e a introdução das forças armadas da CEI.
Uma solução política para o conflito Moldávia-Trans-Dniester parece ter sido alcançada no decurso de intensas conversações Moldávia-Trans-Dniester, com a participação ativa da Federação Russa, no final de julho de 1992. Em 21 de julho, na presença de a delegação Trans-Dniestre chefiada pelo Presidente I. Smirnov, os presidentes da Rússia e da Moldávia assinaram o Acordo de Moscou sobre os princípios da solução de paz do conflito armado nos distritos de Trans-Dniester da República da Moldávia. Este acordo previa a criação de uma linha divisória na margem esquerda da Moldávia entre as partes opostas, a ser supervisionada por observadores militares da Rússia, Moldávia e Trans-Dniester.
Além disso, estipulou a retirada gradual de todas as formações armadas, equipamento militar e maquinaria do Trans-Dniester; retirada do 14º Exército para o território da Rússia; e o estabelecimento de uma comissão especial de controle de segurança em Bendery. A Moldávia assumiu a obrigação de determinar e fixar o estatuto jurídico e político da margem esquerda da Moldávia dentro da Moldávia e de conceder à sua população o direito de expressar a autodeterminação se o estatuto político da República independente da Moldávia for alterado. Este compromisso pode não ter resolvido o conflito Moldávia-Trans-Dniester completamente, mas parece ter sido bem sucedido na supressão da violência e na promoção da paz, pelo menos por enquanto.
Análise do Conflito em 1990
O recurso à violência no conflito Moldávia-Trans-Dniester parece ter sido altamente instrumental e relacionado com as questões de contenção política. A violência parece ter estado intimamente ligada à natureza política das disputas étnicas na sociedade moldava em mudança.
Comparando o momento da violência com o curso das disputas etno-políticas não violentas na Moldávia, podemos ver que os pontos que marcam a transição da interação étnica não violenta para a violenta correspondem às crises etno-políticas de legitimidade que marcaram os picos de lutas interétnicas pelo poder (realocação de arranjos de poder ou estabelecimento de um novo conjunto de arranjos de poder). o
A teoria da ação coletiva e da organização social elaborada por Charles Tilly e seus colegas fornece informações importantes na contabilização da violência interétnica no conflito Moldávia-Trans-Dniester. A pesquisa de Tilly sobre os materiais fornecidos por um século de lutas civis nos países europeus mostrou que a violência coletiva flui regularmente dos processos políticos centrais de um país ou região e pode ser melhor compreendida como resultado da interação de grupos organizados que praticam ação coletiva sustentada. Quase sempre pode-se observar um aumento geral da ação coletiva durante os períodos de transição política, quando vários grupos da sociedade se tornam mais politizados à medida que pressionam suas reivindicações e contra-argumentos.
Tilly observa que, onde há um grande volume dessa ação coletiva, também há uma maior probabilidade de que alguns dos eventos se transformem em encontros violentos. Grupos altamente mobilizados e a rápida aquisição ou perda de poder por grupos geralmente resultam em um número desproporcional de conflitos violentos (filly et al., 1975: 243-7, 281-8; Tilly, 1978).
Uma das principais conclusões de Tilly é que a violência coletiva atinge seu pico em momentos de atividade política, e especialmente quando mudanças fundamentais estão ocorrendo na distribuição de poder entre os grupos autoconscientes que constituem uma sociedade (filly et al., 1975: 247-51 , 280-3).
Portanto, no caso de conflitos etno-políticos em uma sociedade multiétnica, podemos esperar altos níveis de ação étnica coletiva militante naqueles estágios de mudança nas relações interétnicas quando os riscos são altos em termos de ameaças e oportunidades para políticas objetivas interesses e status político de grupo percebido subjetivamente. A mudança sócio-política em sociedades multiétnicas implica mudanças significativas em como os grupos étnicos se organizam.
Devido às mudanças políticas na sociedade, os grupos pressionarão ativamente seus interesses, mobilizarão a si próprios e os recursos disponíveis e se engajarão em várias formas de ação étnica coletiva. O que se busca pode ser uma parcela maior do poder disponível por meio do sistema político, ou uma realocação de arranjos de poder – variando de termos inclusivistas a exclusivistas, de autonomia territorial a etnossecessão. “Os tempos de transição são também tempos de tensão étnica” (Shibutani e Kwan, 1965: cap. 14).
A atmosfera de incerteza gerada pelas rápidas mudanças sociopolíticas é um fator de suma importância para a politização dos grupos étnicos. Nessa atmosfera de incerteza, a maior ansiedade do grupo diz respeito às consequências antecipadas da transformação política para o status e os interesses do grupo étnico em uma política multiétnica e / ou as ameaças percebidas que emanam de outros grupos. Após o colapso do centro da União, nas sociedades etnicamente divididas das repúblicas da ex-URSS, a transferência do poder levantou a questão cardeal de quem governaria.
Temores ativados de dominação e subordinação étnica podem se tornar particularmente evidentes e fornecer a justificativa para a politização militante de grupos. Caracterizando os processos de modernização das sociedades, D. Horowitz observa: “O poder é buscado para prevenir o surgimento de consequências terríveis, mas distantes e vagamente percebidas” e “tão críticas e perigosas são as consequências temidas que é considerado vital tomar medidas para evitar com antecedência “(Horowitz, 1985: 186-7).
Em algum momento, essa busca pelo poder provocará uma reação repressiva dos centros de poder já estabelecidos ou do grupo majoritário que visa estabelecer seu próprio domínio exclusivo no processo de construção do Estado. Da interação entre a ação coletiva dos etnicamente lesados e a repressão por organizações estabelecidas dos etnicamente dominantes pode surgir a violência etno-políticas.
Considerações finais
O conflito entre OTAN e Rússia tem aumentado ao logo dos últimos anos, especialmente pelo fortalecimento de Moscou frente ao crescimento europeu sobre os países da Europa Central.
Essa disputa na área controlado pelos soviéticos durante o século XX tem refletido em toda a Ucrânia, e mais recentemente na Bielorrúsia e países bálticos. Diante da ação mais incisiva da Rússia, a situação na Moldávia tende a se agravar, refletindo nas fronteiras romenas e em todo mar Negro.
A indefinição sobre os destinos políticos da área provoca consequências severas para a população, tanto na área da transnístria, quanto nas zonas limítrofes. A falta de ação de um Estado constituído resulta em diversas dificuldades econômicas e social, e agravam as necessidades resultantes ainda do conflito étnico e dos combates ocorridos no passado.
As dificuldades para o fluxo de pessoas, assim como de mercadorias, resultam em problemas de abastecimento e diminuem o ritmo de desenvolvimento local. A influência da Rússia e seus interesses em manter a área sob controle resulta em dificuldades para integrar toda a região ao comércio europeu.
No campo das informações, destaca-se a dependência da indústria da comunicação da Moldávia em relação aos canais de televisão e rádio russos, o que aumenta a influência de Moscou na área. Isso impulsiona o sentimento da população de origem eslava identificada com a causa do pan-eslavismo russo, e agrava as polarizações políticas.
Apesar do conflito na Transnítria estar congelado na sua dimensão física, pode ser observado o caráter híbrido dos conflitos modernos, destacando a sincronia das ações militares e civis, em diversas dimensões, em especial na área informacional, pois o controle da informação tem se mostrado fundamental para a mobilização de forças em nível operacional e para a liberdade de manobra no nível tático.
Imagem de Destaque:
Veículos blindados russos participando de um exercício militar na Transnístria em 2021. Foto: website do Ministério da Defesa da Transnístria. http://gov-pmr.org/
Publicado na Revista Brasileira de História Militar: https://www.historiamilitar.com.br/wp-content/uploads/2021/11/RBHM_ano_12_n_29.pdf
¹ Tenente Coronel do Exército. Arma de Cavalaria, Bacharel em Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (2000). Cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais em 2009. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2016). Atualmente é aluno de Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) (2019/20).
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