Uma abordagem geopolítica sobre Rússia e a Suécia

de

Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral

Entre os século XV-XVII, a rivalidade entre a Rússia e a Suécia foi intensa e travaram várias guerras pela hegemonia no norte europeu:  Guerra Suécia x Novgorod (série de guerras nos séculos XII e XIV). Guerras Russo-Sueca (1495-1497), (1554-1557), (1590-1595), (1656-1658), (1741-1743), (1788-1790), além dessas ainda ocorreram a Guerra da Livôvia (1558-1582), a Guerra Ingran (1610-1617), a Campanha de la Gardie (1609-1610) e a Grande Guerra do Norte (1700-1721). As derrotas nas últimas guerras fizeram com que a Suécia abandonasse os planos de conquistar territórios além da Península Escandinava e de ser uma grande potência europeia ou a potência hegemônica no Norte Europeu.

Durante os séculos XIX, XX e o início do XXI, havia um consenso entre os historiadores e analistas militares que a rivalidade russo-sueca estava superada, mas pelo visto apenas ficou adormecida. Durante mais de 200 anos, russos e suecos procuram manter boas relações, até que no último dia 15 de maio de 2022, a Suécia, que até então se mantivera neutra, resolveu solicitar a adesão a Organização do Atlântico Norte (Otan), por que?

A justificativa dos suecos foi de que status quo estratégico do norte e do Bático foi alterado com a invasão russa da Crimeia e a criação das Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk (2014), ou seja, a percepção de que a Rússia estava disposta a usar a força militar contra seus vizinhos próximos. Estocolmo respondeu em várias etapas, inicialmente, reintroduziu o serviço militar obrigatórios em duas fases em 2014 e 2017, aumentando os efetivos. Em 2020, o parlamento sueco aprovou uma moção a favor da adesão à Otan e se recusou a assinar o Tratado de Proibição de Nucleares, patrocinado ONU e apoiado pelos EUA(?!!!). Outra medidas foi rearmar a ilha de Gotland (que fica em frente a Kaliningrado (antiga cidade alemã de Könisberg), enclave russo entre a Polônia e a Lituânia, e que já foi cobiçada por Moscou, e a base naval de Muskö (que fica na ilhas de mesmo nome, a sudeste de Estocolmo).   Estocolmo resolveu aumentar o orçamento de defesa e o intercâmbio (que já era intenso) com a Otan. Nos primeiros meses de 2022, os suecos tiveram seus espaço aéreo violado pela aviação russa (em várias ocasiões) e um incremento das atividades militares e da presença de unidades da marinha russa no Báltico a partir de Kaliningrado. A invasão da Ucrânia (24/2/2022) fez os suecos, finalmente, solicitassem formalmente a adesão a Aliança Atlântica, uma resposta a agressiva política russa.

https://www.defensenews.com/2016/02/27/us-to-assume-higher-profile-in-nordic-exercises/

Uma das consequências do novo ambiente de segurança no mar Báltico foi a decisão de Estocolmo de incrementar o orçamento de defesa até atingir 2% do PIB nos próximos anos (provavelmente até 2025) e também se enquadrar nos padrões de gastos com defesa estipulados pela Otan. O governo sueco prevê um aumento do efetivo militar, aquisição de novos equipamentos (caças, helicópteros, blindados, submarinos, navios de superfície, baterias de mísseis etc.), criação de novas unidades, incremento nas capacidades cibernéticas e dos efetivos e equipamentos da Home Guard (uma espécie de guarda nacional).

A adesão da Suécia (e da Finlândia) na Otan não é uma grade novidade, mas o resultado natural de uma aproximação política, econômica e de defesa cada vez maior com as instituições europeias, que vem desde a entrada na União Europeia (1995) e depois a Agência Europeia de Defesa (AED, criada em 2004). A AED é intimamente relacionada com a Otan, havendo uma confusão (proposital em meu entendimento) entre as duas, com duplicidades de funções, estratégias, unidades militares empenhadas, exercícios comuns etc. A Suécia e a Finlândia não só participam de exercícios de defesa da AED e da Otan, como também, quando realizam exercícios militares convidam os países do Báltico que são membros da Aliança, como o Desafio no Ártico, o que vem ocorrendo desde 2017. Nestes exercícios os Estados Unidos vem assumindo um protagonismos cada vez maior. Lembro que a Suécia participou de várias operações com países europeus membros da Otan, como no Afeganistão, no Kosovo, além de missões de paz em vários países.

A formalização da entrada na Otan, vai beneficiar ainda mais a indústria de defesa sueca. O setor industrial tem um peso enorme na economia do país (33% do PIB), é bastante variada e de alta tecnologia, a maior parte das suas exportações industriais são destinadas à Europa, aos Estados Unidos e a China. Nos últimos anos, Estocolmo tem estimulado a indústria de defesa em investir em joint ventures com empresas britânicas e norte-americanas participando de vários projetos e concorrências em conjunto. A entrada na Otan, é vista como a abertura de novas oportunidades para a indústria de defesa sueca.

A Geopolítica

https://russianfleetanalysis.blogspot.com/2020/06/baltic-fleet-deployments-wk-242020.html

Em termos estratégicos a Suécia é muito importante. A ilha de Gotland, controla o espaço aéreo e marítimo da região, limita a liberdade de movimentos dos russos em Kaliningrado e o acesso marítimo à Estônia, Lituânia, Letônia e Finlândia, além de cobrir a saída do Golfo da Finlândia, reforçando um possível bloqueio a São Petesburgo, que seria criado entre Helsinque e Talin, além de proporcionar profundidade estratégica as ex-repúblicas soviéticas do Báltico e a Finlândia. Daí a importância da decisão sueca (2016) de reimplantar unidades militares na ilha e desde então tem reforçado essas capacidades. O mar territorial sueco no Báltico existem inúmeras ilhas que podem servir de bases para baterias de mísseis e atracadouros para navios de superfície (mineiros e lançadores de mísseis). A reativação da Base Naval de Muskö tem influência direta sobre o “estreito” Golfo da Finlândia. 

A Noruega, membro da OTAN, nos últimos anos tem intensificado a cooperação em defesa com a Finlândia e a Suécia, visando a contenção dos russos em toda a região do Báltico-Ártico-Atlântico Norte. Em termos de capacidade de suas forças armadas, a Suécia está em um nível inferior em relação a Finlândia, mas uma cooperação em segurança e defesa entre os dois países é complementar para ambos os lados. Quando aderirem, formalmente, à Otan, isso amplificaria a prontidão operacional dentro da Aliança Atlântica. Assim, a adesão dos dois estados nórdicos fortaleceria o flanco norte da Otan, ao mesmo tempo que bloquearia a esquadra russa, impedindo seu acesso ao Atlântico Norte. Este ponto é fundamental: os acontecimentos na região do Báltico tem impacto direto no mar do Norte e no Ártico e afetam diretamente os interesses políticos e econômicos de Moscou. De novo, foi essa sensação de ameaça e cerco promovida pelos Estados Unidos, a União Europeia e a Otan é que levaram os russos a invasão da Ucrânia.

Em resposta a Rússia tem aumento a atividade militar em todo o norte: no mar Báltico, no mar de Barents e no Ártico. Os exercícios militares próximos as fronteiras de países vizinhos, as patrulhas aérea, de navios de superfície e de submarinos, que em várias ocasiões invadiram o espaço de países neutros e de membros da Otan, retomando a postura agressiva da Era Soviética, pressionando diretamente a Finlândia e a Suécia.

https://time.com/3523644/swedens-military-scours-for-possible-russian-submarine-in-its-waters/

As forças armadas suecas

A Suécia como membro da União Europeia, atua como a nação líder dos Grupos de Batalha da UE na região do Báltico e mamtém uma cooperação estreita com a Otan, com participação nos exércícios militares, na Parceria para a Paz e no Conselho de Parceria Euro-Atlântica. Em 2008, foi firmado um acordo de parceria entre os países nórdicos para aumentar a capacidade de ação conjunta, o que levou à criação da Cooperação Nórdica de Defesa (NORDEFCO). Em 2009, Estocolmo afirmou que não permaneceria passiva se um país nórdico ou um membro da União Européia fosse atacado, ou seja, a adesão a Otan é mera formalidade…

O Exército sueco tem 16 mil homens na ativa e 22 mil da Guarda Nacional. Força terrestre pequena, mas bem equipada e treinada. A Guarda Nacional são, basicamente, tropas de infantaria leve, mas não se deve subestimar suas capacidades. Contando com os convocados para o serviço militar, o efetivo total pode chegar a 50 mil.

Apresento uma síntese dos principais equipamentos das Forças Armadas Suecas.

ForçaEquipamentoQuantidade
ExércitoMBT (Main Battle Tank)121
 Blindado de Infantaria670
 Lança-mísseis88
 Bateria de Mísseis terra-ar (SAM)20
 Artilharia antiaérea blindada30
 Artilharia auto-propulsada48
 Artilharia 155 mm24
MarinhaSubmarinos5
 Corvetas7
 Navio-varredor9
Força AéreaCaças71
 Helicópteros15

O Exército tem oito batalhões de infantaria mecanizados disponíveis a qualquer momento e com a mobilização da reserva pode chegar a 71 batalhões prontos para serem implantados em uma semana. O exército regular é composto por 8 batalhões de infataria mecanizada, 19 batalhões de apoio de diferentes tipos, incluindo batalhões de artilharia, batalhões antiaéreos, batalhões de engenharia de combate, comandos, batalhões de logística e 4 batalhões blindados pesados ​​de reserva e 40 batalhões de defesa territorial. O batalhão é a unidade básica, odas as unidades são modulares e podem ser organizadas em equipes de combate de nível de companhia a brigada com unidades diferentes dependendo da tarefa. Como verificamos a capacidade de mobilização e o treinamento continuo da reserva é fundamental para a defesa sueca.

https://www.cavok.com.br/suecia-reforca-oferta-de-cacas-saab-gripen-a-forca-aerea-indiana-sob-a-iniciativa-make-in-india

Consequências

A proposta de adesão da Suécia a Otan é um ato de soberania legitimo. Não se pode ignorar a sensação de ameaça representada pela postura política e militar russa que visa intimidar Estocolmo. A postura russa na Geórgia e na Ucrânia não dá margem de dúvidas para os suecos que é necessário se reforçar e buscar os mecanismos de segurança coletiva para dissuadir os russos.

Em nosso entendimento, a ameaça da Turquia de bloquear a entrada da Finlândia e da Suécia, é apenas uma forma de barganha a fim de conseguir concessões, tais como: o levantamento de sanções que levou pela compra da bateria de mísseis S-400, volta ao acesso ao F-35 e que os dois países nórdicos deixem de apoiar o PPK curdo. A Croácia também se posicionou contra até que uma disputa com a vizinha Bósnia e Herzegovina seja resolvida a seu favor. A Hungria e a Itália também tem feito objeções a expansão da Otan e as sanções impostas aos russos. Começa a reduzir o apoio a cruzada anglo-saxã a Rússia.

A intervenção Rússia até agora teve efeitos adversos dos pretendidos por Moscou, além da adesão da Finlândia e da Suécia, países como a Polônia, a Lituânia, a Letônia e a Estônia estão demandando o aumento da presença militar da Aliança em seus países, de pelo menos um divisão, além de baterias de mísseis, aviões, navios e blindados, medida que só deve ser resolvida na cúpula da Otan, em Madri. A Rússia vê o avanço da Otan e da União Europeia como uma ameaça a sua segurança política e econômica, superando a antiga visão de Moscou sobre a possibilidade de uma maior integração econômica que beneficiasse a todos os europeus.

De certa forma a Suécia segue os passos da Finlândia em relação a defesa. A crescente presença militar da Rússia nas áreas vizinhas finlandesas no Báltico, desde 2014, esta tomou medidas visando superar possíveis descofianças de Moscou, com diálogo regulares, mas ao mesmo tempo reforçava suas capacidades militares. No novo relatório de defesa do governo de Helsique de setembro de 2021, o foco tradicional era a região do Mar Báltico, evoluiu para uma perspectiva mais ampla que engloba o Ártico e o Atlântico Norte como um espaço político de segurança único, como já citamos acima.

Imagem de Destaque: https://mundodamari.wordpress.com/2010/07/13/mar-baltico-e-arquipelago-de-estocolmo-2/

Fontes

Finlândia e Suécia submetem oficialmente pedidos de adesão à Otan

https://br.rbth.com/historia/84569-quando-russia-derrotou-suecia-tomou-finlandia

https://www.defesanet.com.br/otan/noticia/22303/A-geopolitica-nordica–relacao-entre-Suecia-e-Russia/

https://br.sputniknews.com/20220516/mre-russia-suecia-na-otan-22663972.html                     

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61114728

https://br.sputniknews.com/20220517/22685801.html

https://jovempan.com.br/noticias/mundo/entenda-por-que-a-turquia-e-contra-adesao-de-finlandia-e-suecia-a-otan.html

https://jovempan.com.br/noticias/mundo/finlandia-e-suecia-entregam-candidatura-nesta-quarta-entenda-como-e-o-processo-para-entrar-na-otan.html

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61114728

Suécia vai investir quase três bilhões de coroas extras para a defesa este ano

Entrada da Suécia na OTAN abriria novas oportunidades no mercado de defesa

Suécia se prepara para possível investida da Rússia

Objetivos para a Defesa Total Sueca: 2021–2025

https://pt.euronews.com/2020/09/29/suecia-levanta-as-armas-para-a-ilha-de-gotland          

https://www.rfi.fr/br/podcasts/radar-econ%C3%B4mico/20220302-a%C3%A7%C3%B5es-da-ind%C3%BAstria-de-defesa-europeia-disparam-com-guerra-na-ucr%C3%A2nia

https://www.swp-berlin.org/10.18449/2022C24/

https://br.sputniknews.com/20220518/apos-turquia-presidente-croata-lista-razoes-para-bloquear-a-candidatura-dos-nordicos-a-otan-22696878.html

https://www.globalfirepower.com/country-military-strength-detail.php?country_id=sweden

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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