A Batalha de Kursk: O Ponto de Virada da Frente Oriental

de

Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral

Introdução

A Batalha de Kursk, ocorrida no período de 5 de julho e 23 de agosto de 1943, entre a Alemanha nazista e a União Soviética, nas proximidades de Kursk, no sudoeste da Rússia. Kursk foi uma das maiores batalhas de tanques da história e é considerada por muitos analistas militares o ponto de virada na guerra no leste europeu.

Em 1941, quando os nazistas invadiram a União Soviética, a Wehrmatch fez avanços muito rápidos valendo de suas capacidades de operar com armas combinadas, da liderança e da competência do comando do Estado-Maior alemão (Oberkommando der Wehrmacht, OKW). A Alemanha nazista tinha muitas lideranças com experiência de guerra, o soldado alemão tinha uma formação de nível mais elevado que os soviéticos e o equipamento era tecnologicamente superior ao Exército Vermelho.

No entanto, a rapidez do avanço alemão pelo imenso território levou ao alongamento das linhas logísticas, as habilidades de luta dos soviéticos e a qualidade da liderança desgastavam o Heers em sua corrida para a tingir seus objetivos, antes da chegada do inverno. Neste cenário, cada vez mais desfavorável, os nazistas sofreram vários revezes, que os obrigou a ajustar o planejamento e seus objetivos estratégicos e militares. Assim Leningrado e Moscou se transforam em impasses e Stalingrado uma dura derrota. Mas não se enganem, em 1943, a Wehrmacht era uma máquina de guerra formidável, como demostrou na reconquista de Kharkov (Ucrânia) e era capaz de derrotar o Exército Vermelho.

Operação Cidadela

A batalha teve início quando os alemães deflagraram a Operação Cidadela (Unternehmen Zitadelle) cujo objetivo principal era reconquistar a cidade de Kursk e cercar as tropas soviéticas que formavam uma saliência. As unidades panzer (blidadas) lideravam o ataque pelo norte e pelo sul (por dois eixos de progressão) em um movimento de pinças, ou tecnicamente falando, em um duplo envolvimento. Os ataque nos eixos norte e sul (em dois eixos de progressão direções), devendo serem lançados ao mesmo tempo.

A Operação Cidadela tinha como objetivo destruir as posições do inimigo na saliência de Kursk. Tal saliência, ou bolsão, tinha 250 km de largura de norte a sul e 160 km de leste a oeste e era defendida por cinco exércitos soviéticos. O Heers (Exército) apoiado pela Luftwaffe (Força Aérea) atacaria pelos flancos norte e sul,em um duplo envolvimento.

O plano foi concebido pelo marechal de campo Erich von Manstein e não foi aprovado pelo Alto Comando da Wehrmacht (Alto Comando das Forças Armadas alemães ou Oberkommando der Wehrmacht, OKW), passou por reajuste, até ser aprovado por Hitler.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Kursk#/media/Ficheiro:Kursk-1943-Plan-GE.svg

Os planos alemães

Em 1943, após a derrota em Stalingrado e a perda do VI Exército, o OKW pretendia estabelecer uma forte posição defensiva, a Linha Panther-Wotan, que se estenderia do Mar Báltico ao Mar Negro (aproveitando o rio Dnieper), onde seriam construídas uma série de posições defensivas, em profundidade, com campos de minas, fortificações, obstáculos para blindados, armas anti-tanques, zonas de concentração de artilharia, reservas blindadas móveis entre outras medidas a fim de deter os soviéticos.

Frente Oriental, 1943. Linha Panther-Wotan em vermelho
https://pt.wikipedia.org/wiki/Linha_Panther-Wotan#/media/Ficheiro:Map_of_dnieper_battle_grand.jpg

Mastein pretendia repetir a manobra ofensiva que tinha conseguido recuperar um pouco do território perdido e reconquistar Kharkov. O plano era simular um tentativa de salvar o VI Exército alemão sitiado em Stalingrado com uma ofensiva ao sul e fazer um duplo envolvimento com unidades panzer em direção a Kursk (importante tronco ferroviário e centro logístico soviético) isolando diversas divisões do Grupo de Exércitos Central do general Rokossovsky.

Em março, os planos de ataque foram finalizados, o IX Exército Panzer, comandado pelo general Walter Model, seria a pinça norte, atacaria partindo de Orel em direção ao sul, Ele cortaria a face norte do saliente, dirigindo-se para o sul até as colinas a leste de Kursk, protegendo a linha férrea do ataque soviético. O IV Exército Panzer, do general Hermann Hoth e o Destacamento de Exército Kempf, comandado pelo general Werner Kempf, sob o comando geral de Manstein, seriam a pinça sul, atacaria partindo de Kharkov em direção ao norte, em uma manobra de duplo envolvimento. O ataque principal de Manstein seria feito pelo IV Exército Panzer, de Hoth, liderado pelo II Corpo SS Panzer, sob o comando do general Paul Hausser. O XLVIII Corpo Panzer, comandado pelo general Otto von Knobelsdorff, avançaria pela esquerda, enquanto o Destacamento do Exército Kempf avançaria pela direita. O II Exército, sob o comando de Walter Weiss, conteria a porção oeste do saliente.

https://althistory.fandom.com/wiki/
Battle_of_Kursk_(Multilateral_Cold_War)

A Operação Citadela empenhou do IX Exército Panzer: 8 divisões de infantaria, 1 divisão de infantaria blindada e 6 divisões panzer. O IV Exército: 7 divisões de infantaria, 5 divisões de infantaria blindada e 6 divisões panzer. O Destacamento Kempf era constituído pelo III Corpo Panzer e os XI e XLII Corpos de Exército Se tivessem sucesso isolariam pelo menos seis divisões soviéticas. No eixo de progressão do IX Exército alemão, estavam uma divisão blindada e duas divisões de infantaria do Exército Vermelho em posições defensivas. Já no eixo de progressão do IV Exército alemão, quatro divisões de guardas (tropa de elite) e uma divisão de infantaria. No eixo de progressão do Destacamento Kempf estavam as unidade do VII Exército de Guardas.

O objetivo principal era a cidade de Kursk, mas se a ofensiva obtivesse sucesso, tinham permissão para continuar o avanço, com o objetivo geral de criar uma nova linha defensiva ao longo do rio Don, ao leste.

A fim de reforçar o ataque, o OKW enviou os novos blindados Panther (cerca de 200), 90 caça-tanque Elephant, mais Tigers I e suprimentos. Com isso o ataque foi sendo adiado de 4 de maio para 12 de junho e finalmente 4 de julho. A falta de meios, suprimentos e de combatentes forçou os seguidos adiamentos. Se por um lado fortaleceu o ataque, deu mais tempo para o defensor se preparar. Parece até que não leram Clausewitz….

As preparações da Wehrmacht não passaram desapercebidas dos soviéticos, nem da inteligência aliada. Os alemães também realizavam operações de reconhecimento, Mastein e Model vendo a extensão das preparações soviéticas, passaram a ter dúvidas se valia a pena lançar a Operação Cidadela.

Por cerca de três meses imperou um período de baixa atividade na Frente Oriental. Neste tempo, os soviéticos preparavam suas defesas e os alemães aumentavam suas forças. Os alemães usaram esse período para realizar um treinamento especializado de suas tropas de assalto. Todas as unidades que participariam da Operação cidadela passaram por treinamentos de combate a fim de superar os obstáculos, como atravessar campo de minas, cercas de arame farpado, táticas para tomar trincheiras e bunkers.

O II Corpo Panzer Waffen-SS foi reforçado para ser a ponta de lança do Grupo de Exército Sul. As divisões panzer foram robustecidas e recompletadas em combatentes e equipamentos. As forças alemãs a serem usadas na ofensiva incluíam 12 divisões panzer e 5 divisões panzergrenadier (infantaria blindada), quatro das quais tinham mais tanques que as divisões panzer comuns. No entanto, a força era marcadamente deficiente em divisões de infantaria, que eram essenciais para manter o terreno e proteger os flancos das divisões blindadas. No momento em que os alemães iniciaram a ofensiva, suas forças totalizavam cerca de 777 mil combatentes, 2.451 tanques e canhões de assalto (70% dos blindados alemães na Frente Oriental) e 7.417 canhões e morteiros.

Em reunião com Hitler, o general Hans Guderian fez uma análise contrária à operação, pois não era compatível com a doutrina de emprego das unidades blindadas (panzer). Guderian desenvolveu e defendeu a estratégia de concentração de formações blindadas no ponto de ataque (schwerpunkt) e penetração profunda. Em “Achtung Panzer!” ele descreveu o que acreditava serem elementos essenciais para um ataque panzer bem-sucedido que podem ser resumidos em três elementos: surpresa, implantação em massa e terreno adequado. Destes, a surpresa era a mais importante.

Analistas militares contrastaram o plano de Manstein como a tática tradicional da blitzkrieg e a manobra planejada e executada pela Operação Cidadela. A blitzkrieg se caracterizava pela velocidade, ousadia e surpresa. O comandante da operação concentrava as tropas disponíveis em um ponto único na linha inimiga, atravessando-a e depois avançando tão rápido quanto possível a fim de cortar as linhas de suprimentos e as comunicações do inimigo na linha de frente. A essência da blitzkrieg consistia em evitar o combate direto contra os pontos fortes do inimigo e flanqueá-lo, cortando seus eixos de retraimento e cercando-o. A blitzkrieg buscava a surpresa, atacando na direção não esperada pelo inimigo, como haviam feito até esta altura da campanha no leste. A Operação Cidadela se parecia mais com os tradicionais ataques diretos da Primeira Guerra Mundial.

Os contratempos alemães

Apesar de duvidar da possibilidade de sucesso, Hitler autorizou a ofensiva acreditando que uma vitória elevaria o moral da Wehrmacht, ao mesmo tempo que acalmaria os aliados nazistas, que já estavam considerando a possibilidade sair da guerra. A ofensiva tinha vários problemas, Hitler adiou seu início algumas vezes, por motivos diversos, como a falta de tropas, de suprimentos, o número insuficiente dos MBT Tiger e do novo Panther (que apresentou uma série de problemas mecânicos no campo de batalha), teve ainda a invasão aliada à Sicília (9/7/1943) que o obrigou Hitler a deslocar divisões do Front Leste para a Itália.  

https://tass.com/defense/1018375

As preparações soviéticas

Em meados de março de 1943, a inteligência britânica havia passado aos soviéticos informações acerca da ofensiva à Moscou. Ciente das intenções alemãs, meses antes do ataque, os soviéticos se prepararam para surpreender o inimigo na saliência em Kursk.

O primeiro momento seria conter a ofensiva alemã e de pois contra-atacar. O Estado-Maior soviético (Stavka) começou a planejar o sistema defesnsivo em três camadas em Kursk e uma contra-ofensiva na frente Orel e Kharkov. Este contra-ataque seria desfechado após os alemães realizassem seu ataque. No entanto, o Stavka determinou ao comandantes de Exército  que preparassem posições defensivas a fim de deter as unidades blindadas nazistas, reservas móveis para cobrir as brechar e desfechar contra-ataques, desgastar a Wehrmacht como um todo e depois contra-atacasse.

O atraso nazista em realizar o seu ataque permitiu que os soviéticos preparassem uma defesa em profundidade (em várias camadas de posições defensivas) e lançaram mais de 400 mil minas terrestres em campos de minas as frentes das linhas defensivas e no possíveis eixos de deslocamento dos blindados e da infantaria. As diversas linhas de trincheira tinham 175 km de profundidade e perfaziam mais de cinco mil quilômetros, obstáculos para blindados e infantaria, posições fortificadas, posições de armas-anti-carro, regularam a artilharia de obuses e foguetes, todos os obstáculos eram batidos por fogos de metralhadora, existiam unidades blindadas e mecanizadas imediatamente a retaguarda para cobrir brechas e contra-atacar.

A ordem de batalha do Exército Vermelho foi feito por frontes:

– Fronte Central, sob o comando do general Konstantin Rokossovsky: 11 Corpos de Infantaria e 4 Corpos de Tanques, a VVS em apoio forneceu 1 Corpo de Bombardeiros, 1 Corpo de Caças e 1 Corpo misto;

– Fronte de Voronezh (Centro), sob o comando do general Nikolai Vatutin: 17 Corpos de Infantaria, 3 Corpos de Tanques, 2 Corpos de Tanques e 2 Corpos de Caças. 1 Corpo de Infantaria e os Corpos de Tanques eram de Guardas, além de 1 Corpo de Paraquedistas, todas unidades de elite;

– Fronte Estepe (sul), sob o comando do general Ivan Konex: 2 Corpos de Guardas, 1 divisão de Guardas, 2 Corpos de Tanques, 1 Corpo Mecanizado. A VVS desdibrou 2 Corpos Mistos e 2 Corpos de Caças.

Na retaguarda, os soviéticos posicionaram cerca de 1.300.000 combatentes, 3.600 tanques, 20 mil peças de artilharia e 2.400 aviões. Organizados em divisões blindadas e motorizadas estavam prontos para cobrir as brechas que fossem abertas e principalmente contra-atacar.

Os soviéticos empregaram a tática da maskirovka (engano), camuflando as posições defensivas, a distribuição das tropas, na ocultação da movimentação de homens e viaturas. Isso incluía a camuflagem das posições de armas e dos estacionamentos, a construção de aeródromos e depósitos fictícios, a geração de tráfego de rádio falso e a disseminação de rumores entre as tropas soviéticas da linha de frente e a população civil nas áreas controladas pelos alemães. O movimento de forças e suprimentos de e para o saliente ocorria apenas à noite eos soviéticos depois “limpavam” o terreno. Os depósitos de munição foram cuidadosamente ocultados e camuflados para se misturar com a paisagem. As comunicações via rádio eram restritas, fogueiras e a circulação de veículos dentro e entorno dos ocultos postos de comando foi proibido. Apesar de todos esses cuidados, o reconhecimento alemão descobriu os preparativos soviéticos e parte de seu dispositivo defensivo, mas mesmo assim insistiram no ataque sem fazer ajustes nos planos.

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O combate

Em 11 de julho de 1943, as forças dos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá lançaram a Operação Husky contra a Sicília obrigando o OKW a reformular seus planos. A Operação Husky foi desencadeada em coordenação com os soviéticos com o propósito de enfraquecer a ofensiva alemã pela necessidade de reorganizar seu dispositivo, enviando tropas que estavam sendo treinadas na França e que poderiam ser empregadas no Leste para a Sicília. Algumas unidades alemãs partiram imediatamente para a Itália e somente ataques limitados continuaram no sul do TO de Kursk, para se livrarem de uma força soviética espremida entre dois exércitos alemães.

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Front Sul (ou Estepe russo)

Na manhã de 4 de julho de 1942, as divisões blindadas, lideradas pelo II Corpo Panzer SS, lançam seu ataque contra o Fronte Sul soviético e rapidamente conquistam posições na primeira linha de defesa, só interrompido à noite por intensas barragens da artilharia do Exército Vermelho.

No dia seguinte, após uma concentração de artilharia o IV Exército Panzer, de Hoth, organizado em pontas de lança blindadas densamente concentradas deu início ao ataque principal planejado por Manstein. Os soviéticos haviam construíram três linhas defensivas fortificados para retardar e enfraquecer as forças blindadas de ataque, com o VI Exército de Guardas guarnecendo as posições.

O esforço principal foi feito pelo XLVII Corpo Panzer, composto duas divisões panzer, uma divisão de infantaria e uma divisão panzergrenadier (infantaria blindada). Nos flancos o ataque era apoiado por duas divisões panzer, uma de cada lado. Os tanques foram desdobrados em uma formação Panzerkeil (cunha de tanques) para minimizar os efeitos da defesa soviética Pakfront (frente compacta), com os Tigers, Panzer III e IV, canhões de assalto se espalhando pelos flancos e pela retaguarda. Na esteira dos blindados seguia a infantaria e engenharia alemã.

O ataque foi paralisado quando as divisões panzer se depararam com um campo de minas, os soviéticos então lançaram uma concentração de artilharia e a infantaria soviética avançou com suas armas anticarro provocando baixas pesadas entre os alemães, que além da resistência soviética tinham que lidar com as avarias mecânicas de seus blindados. É importante ressaltar que o campo de batalha estava um lamaçal prejudicando a movimentação. Apesar de todos os contratempos, no fim do dia os alemães, conseguiram abrir uma cunha nas posições defensivas soviéticas.

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Mais a leste, o II Corpo SS panzer (3 divisões panzer de eliite: Adolf Hitler, Das Reich e Totenkopf, mais uma divisão de infantaria blindada). Durante a noite de 4 para 5, os engenheiros SS limparam um faixa de 12 km do campo de minas. O dispositivo era a centro  II Divisão SS Panzer das Reich (forte em blindados), a Divisão SS Adolf Hitler e a Totenkopf pela direita e a I Divisão SS Panzergrenadier (infantaria blindada) pela esquerda. O ataque principal foi liderado por uma ponta de lança constituída  de 494 tanques e canhões de assalto atacando em uma frente de 12 km. Na esteira dos tanques vinham a infantaria e a engenheiros (para desarmar minas, demolir obstáculos e abrir trincheiras).

O avanço contou com o apoio de fogo coordenado entre a Luftwaffe e a artilharia alemã, destruindo as fortificações soviéticas e as posições de artilharia. Por volta das 9 h, as unidades SS conseguiram romper a primeira linha de defesa e tiveram que lidar com um contrata-ataque liderado pelo I Exército Blindado de Guardas e logo em seguida com o 23º Corpo de Fuzileiros da Guarda que guarnecia a segunda linha de defesa. A noite, a Divisão Panzer SS Das Reich atingiu o campo de minas que protegia a segunda linha de defesa. As Divisões Panzer SS Adolf Hitler e a Totenkopf, no flanco direito, progrediram muito lentamente, comprometendo o avanço do Corpo. Apesar do Corpo blindado de elite ter sido reforçado com mais tanques, a resistência soviética estava impedindo um avanço maior e cobrando um alto preço.

https://www.heeve.com/modern-history/the-battle-of-kursk.html

A noite, o VI Exército de Guardas soviético foi reforçado pelo I Exército de Tanques, do II Corpo de Tanques de Guardas e do V Corpo de Tanques de Guardas. Os soviéticos também trouxeram mais três divisões de guardas reforçando as posições na segunda linha de defesa.

O Destacamento do Exército Kempf, composto pelo III Corpo Panzer e Corpo Raus (comandado pelo general Erhard Raus e composto por duas divisões de infantaria), estava  enfrentando o VII Exército de Guardas soviético, entrincheirado no terreno elevado na margem leste do rio Donets. Os dois corpos alemães foram encarregados de cruzar o rio, rompendo o VII Exército de Guardas e cobrindo o flanco direito do IV Exército Panzer. Apenas parte da VI Divisão Panzer conseguiu cruzar o rio Donets. A XIX Divisão Panzer também cruzou o rio, mas foi atrasada a cerca de 8 km, por um campo de minas. Parte da VII Divisão Panzer conseguiu atravessar o rio. Os engenheiros conseguiram lançar uma ponte sobre o rio Donets permitindo a passagem dos blindados. A VII Divisão Panzer conseguiu atingir a primeira linha de defesa soviética.

O Corpo Raus atacou em um frente ampla, 32 km,  e apesar da falta de blindados, conseguiu avançar rápido, atravessou o rio donets e atravessou a primeira linha de defesa soviética, nem um contra-ataque soviético apoiado por blindados conseguiu detê-los. A noite o Corpo fez uma parada para reajustar o dispositivo e evacuar seus feridos. O atraso na progressão do Corpo Raus permitiu aos soviéticos reforçar o VII Exército de Guardas  com duas divisões de rifles (infantaria). A XV Divisão de Fuzileiros de Guardas foi desdobrada para deter o III Corpo Panzer na segunda linha de defesa.

No dia 6 de julho de 1943, o general Nikolai Vatutin só tinha três divisões de infantaria na reserva.  As unidades panzer estavam assediando a segunda linha de defesa e a terceira estava praticamente desguarnecida. O Stavka começou a deslocar suas reservas estratégicas (1 exército blindado + 1 exército de guardas + 1 corpo de tanques) para ocupar a 3ª linha e reforçar a 2ª linha. As unidades foram retiradas da frente norte e centro. O XVII Exército Aéreo recebeu a missão de apoiar o II Exército Aéreo.

https://www.rbth.com/history/328785-battle-kursk-history-wwii

Na noite do dia 7 de julho de 1943, o grosso dos reforços soviéticos ocuparam suas posições nas alturas de Prokhorovka, a noite, e já se preparam para o contra-ataque.

No dia 8 de julho, o general Vatutin, comandante do Front Sul, ordenou um contra-ataque com o que tinha disponível dois corpos de guardas e dois corpos de tanques. Os soviéticos reuniram 593 tanques e todo o apoio aéreo disponível para destruir o II Corpo SS Panzer e o XLVIII Corpo Panzer, em um ataque coordenado e simultâneo, o que não ocorreu dando aos alemães uma vantagem tática inestimável, pois puderam enfrentar as unidades blindadas e de infantaria de forma fragmentada. O II Corpo de Tanques que atacava o copo blindado SS foi destruído por ataques da Luftwaffe, foi a primeira vez na história que uma força blindada foi derrotada pelo poder aéreo. Apesar da destruição da força blindada soviética, o avanço alemão foi retardado.

Neste mesmo dia o II Corpo SS Panzer avançou cerca de 29 km e rompeu a primeira e a segunda linha de defesa. O XLVIII Corpo avançava lentamente em seu flanco. Em 10 de julho, todo o VI Exército Panzer avançava em direção a Prokhorovka (posição que havia sido reforçada pelo Exército Vermelho).

O avanço alemão no sul foi mais lento do que o planejado por Manstein, mas foi mais rápido do que os soviéticos esperavam. Em 9 de julho, as primeiras unidades alemãs chegaram ao rio Psel. No dia seguinte, a primeira unidade infantaria alemã cruzou o rio. Apesar do profundo sistema defensivo e dos campos minados, as perdas de tanques alemães permaneceram menores do que as soviéticas. A principal preocupação de Manstein era a dificuldade do Destacamento Kempf de avançar e proteger o flanco oriental do II Corpo SS Panzer.

Em 11 de julho, o Destacamento do Exército Kempf finalmente conseguiu avançar com um ataque de surpresa noturno e a VI Divisão Panzer capturou uma ponte sobre rio Donets.

Neste mesmo dia o Destacamento Kempf finalmente conseguiu um avanço, em um ataque de surpresa noturno, a VI Divisão Panzer capturou uma ponte sobre rio Donets. Uma vez cruzado o rio, o III Corpo Panzer fez todos os esforços para avançar sobre Prokhorovka pelo sul. Uma ligação com o II SS Panzer Corps resultaria no cerco do LXIX Exército soviético.

https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Kursk#/media/
File:Prokhorovka,_Battle_of_Kursk,_night_11_July.png
Posições alemães e soviéticas em 12 de julho de 1943.

No dia 11, ocorreu a Batalha de Prokhorovka, que teve início com um contra-ataque  soviético, liderado pelo V Exército Blindado de Guardas. Às 8 h, a artilharia e os regimentos Katyusha soviéticos laçaram seus fogos de preparação, cinco brigadas de tanques do XVIII e XXIX Corpo de Tanques Soviéticos do V Exército Blindado de Guardas e mais a IX Divisão Aerotransportada de Guardas (infantaria). O II Corpo SS Panzer rechaçou a maioria dos ataques com grandes perdas para os soviéticos e continuou a avançar chegando a 3 km Prokhorovka, mas os campos de minas e posições com canhões anti-carro cobravam um preço cada vez maior do corpo blindado SS. Apesar da massa de blindados, o contra-ataque soviético falhou, as perdas eram enormes e tiveram que recuar para a linha de defesa, mas o ataque alemão perdera o impulso. A superioridade aérea local da Luftwaffe sobre o campo de batalha também contribuiu para as perdas soviéticas, em parte devido ao VVS ser dirigido contra as unidades alemãs nos flancos do II SS Panzer Corps.

Front Norte

Na madrugada de 5 de julho, o marechal Zhukov resolveu se antecipar ao ataque nazista bombardeando as áreas de concentração das unidades alemães. Ao alvorecer do dia, a artilharia do IX Exército Panzer, de Model fez uma barragem de artilharia ao norte e ao sul, logo em seguida a infantaria e os blindados avançaram sob a cobertura da Luftwaffe. O IX Exército Panzer, de Model, reforçado por duas divisão de infantaria, atacava o Front Central soviético. No entanto, o número de blindados era insuficiente para romper as linhas defensivas soviética, dispostas em três fortes cinturões defensivos, com unidades blindadas e de guardas à retaguarda prontas para o contra-ataque.

Em termos operacionais, Model optou por fazer seus ataques iniciais usando suas divisões de infantaria, as reforçou com canhões de assalto e tanques, apoiadas pela artilharia e pela Luftwaffe, o objetivo inicial era abrir uma brecha nas defesa soviéticas que pudessem ser exploradas pelas unidades blindadas. O conceito operacional da operação implicava que as divisões panzer permaneceriam em uma reserva aproximada a fim de explorar o rompimento das linhas defensivas do Exército Vermelho. Assim que se rompesse as linhas de defesa e as unidades panzer ultrapassariam a infantaria e avançariam em direção a Kursk. A demora no rompimento do dispositivo defensivo soviético, daria tempo para o Exército Vermelho mover suas reservas e fechar as brechas, então a iniciativa em explorar as oportunidades e a agressividade na condução da operação eram fundamentais para o sucesso do ataque.

As 5:30 h do dia 5 de julho de 1943, o IX Exército Panzer iniciou seu ataque, ultrapassou os campos de minas e rompeu a primeira linha de defesa. O Exército Vermelho contra-atacou com um corpo de exército de tanques e dois corpos de infantaria. Os alemães derrotaram o contra-ataque e os soviéticos tiveram pesadas perdas, mas os atrasaram o suficiente, para que as reservas cobrissem as brechas e a artilharia soviética batesse os campo minados. O avanço alemão se tornou mais lento, difícil e com pesadas perdas ocorreram. O avanço variou em torno de 10 km e alcançou a segunda linha de defesa soviética onde estavam as vias de acesso rodoviária e ferroviária em direção a Kursk, mas as defesas soviéticas eram poderosas e detiveram o avanço alemão.

Um dado interessante foi a relação de perdas de blindados entre alemães e soviéticos de 1:6, já a perda de combatentes foi de 1:4,6. Outro ponto interessante, o serviço de resgate e reparo dos blindados alemães colocou de volta no campo de batalha a maioria dos tanques danificados e os feridos foram evacuados rapidamente.

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No dia 6 de julho, o general Rossokovsky, comandante do Front Central, ordenou um contra-ataque contra o IX Exército Panzer, para tanto empenhou dois corpos de infantaria de guardas e dois corpos de tanques, a poiados pela artilharia e VVS. Os alemães os derrotaram, principalmente, devido à falta de coordenação entre as unidades soviéticas. Rossokovsky recuou suas forças, reajustou seu dispositivo e montou uma forte posição defensiva num terreno elevado com trincheiras e espaldões para os seu blindados a fim de reduzir sua exposição aos tanques alemães.

No período de 7 a 10 de julho de 1943, Model movimentou suas forças e reservas para tentar romper a linha soviética. Era um perde e ganha, sem que os alemães conseguissem manter o terreno conquistado. Rossokovsky movia suas reservas, reajustava o dispositivo e contra-atacava não dando oportunidade aos alemães consolidarem o terreno conquistado ou trazer suas reservas. Ao analisar a situação, Model chegou à conclusão que não tinha forças suficientes para romper as linhas soviéticas. Os alemães estavam sofrendo pesadas perdas, os soviéticos piores ainda, mas tinham reservas que lhes permitiam contra-atacar sempre que cediam terreno. O ritmo de perdas não sustentável para o IX Exército Panzer.

Em 12 de junho, a situação dos alemães piorou, os soviéticos lançaram a Operação Kutuzov, uma contra-ofensiva no saliente Orel, que ameaçava o flanco e a retaguarda IX Exército. As reservas, 1 divisão panzer e 1 divisão de infantaria motorizada tiveram que ser empenhadas, outras duas divisoes panzer foram redistribuídas para fazer frente ao ataque soviético.

O IX Exército Panzer fora detido e agora estava em vias de ser flanqueado e atacado pela retaguarda pelas forças de Rossokovsky, um Exército de Guardas e dois Corpos de Tanques, apoiados pela artilharia e a VVS.

A Força Aérea Soviética (VVS) respondeu atacando os aeródromos alemães, sem muito efeito. A Luftwaffe manteve a superioridade aérea, mas a partir de 7 de julho os alemães começaram a sentir o peso dos números da VVS d o combate ficou com mais igual. A partir de 12 de julho, a VVS impôs sua superioridade. A massa e a indiferença as perdas fizeram a batalha aérea pender para a VVS.

https://www.forces.net/news/battle-kursk-clash-tanks

O fim da Operação Cidadela

O avanço das unidades alemães era lento, mas progressivo. Os soviéticos estavam empenhando suas reservas blindadas estratégicas para conter a Wehrmacht. A Luftwaffe estava em uma dura luta contra VVS pela superioridade aérea perdida.

No entanto, a situação estratégia geral mudara, os Aliados invadiram a Sicília, abrindo um novo front e a inteligência alemã informara da possibilidade de novos desembarques na própria Itália e na França. Diante do novo cenário estratégico, Hitler chamou Manstein e o marechal Günter Klute, comando geral das forças alemães no Oeste (Oberbefehlshaber West) ao seu QG em Ratenburg, na Prússia Oriental, para discutir a Operação Cidadela. A ideia de Hitler era mover parte das forças de Manstein para a Itália. Kluge concordou, pois sabia dos preparativos soviéticos de uma grande contra-ofensiva (a Operação Kutusov). Mansteins argumentou que as suas forças estavam prestes a romper a última linha defensiva e com isso teriam um terreno mais aberto, o que lhe permitiria enfrentar e destruir as reservas blindadas soviéticas em uma batalha móvel. Hitler concordou temporariamente em permitir a continuação da ofensiva na parte sul do saliente, mas no dia seguinte ordenou que a reserva de Manstein, o XXIV Corpo Panzer se movesse para o sul para apoiar o I Exército Panzer, uma decisão equivocada.

O ataque proseguiu até o dia 14 de julho, quando o II Corpo SS Panzer foi desmembrado: uma divisão foi transferida para a Itália e as outras duas foram enviadas para o sul para enfrentar as novas ofensivas soviéticas. Outras unidades do Heers e da Luftwaffe foram deslocadas para a Itália e França para deter as ofensivas dos Aliados no Oeste Europeu.

Mesmo que o ataque prosseguisse com essas tropas a vitória alemã era no mínimo discutível, pois os soviéticos tinham ainda reservas bem robustas na retaguarda.

https://www.wired.com/2011/07/0705panzer-defeat-kursk/

As baixas

A Luftwaffe fez 27.221 surtidas em apoio ao Heers, teve 193 baixas em combate (uma taxa de perda de 0,709% por surtida). As unidades soviéticas de 5 a 8 de julho conduziram 11.235 surtidas com perdas de combate de 556 aeronaves (4,95% por surtida). Os alemães estavam destruindo blindados e aeronaves soviéticas na proporção de 1:6. Apesar do desempenho da Wehrmacht, após a batalha o OKW (Oberkommando der Wehrmacht ) carecia de reservas estratégicas. No outono de 1943, apenas 25% dos caças diurnos da Luftwaffe estavam na Frente Oriental, devido aos ataques aéreos britânicos e americanos na Itália e na Alemanha.

O número de baixas é motivo de controvérsia entre os pesquisadores. As perdas soviéticas durante a ofensiva alemã foram de 177.877. A Frente Central sofreu 15.336 mortos e 18.561 feridos, num total de 33.897. A Frente Voronezh sofreu 27.542 mortos e 46.350 feridos, totalizando 73.892. A Frente Estepe sofreu 27.452 mortos e 42.606 feridos, num total de 70.085. As perdas de equipamentos soviéticos durante a ofensiva alemã chegaram a 1.614 tanques e canhões autopropulsados destruídos ou danificados. A VVS perdeu 677 aeronaves no flanco norte e 439 no flanco sul, em um total de 1.116 aeronaves.

A Wehrmacht durante a Operação Cidadela teve um total de 54.182 baixas, sendo 9.036 mortos, 1.960 desaparecidos e 43.159 feridos. O IX Exército sofreu 23.345 baixas, enquanto o Grupo de Exércitos Sul tiveram 30.837 baixas. Em termos materiais os alemães perderam 252 tanques e canhões autopropulsados.

Conclusão

A Batalha de Kursk foi um sucesso estratégico soviético. Pela primeira vez, uma grande ofensiva alemã foi interrompida antes de alcançar um avanço significativo. Apesar da Wehrmacht usar blindados (Elephant, Panther e Tiger) tecnologicamente mais avançadas do que nos anos anteriores, estes não conseguiram romper as profundas defesas soviéticas e foram pegos de surpresa pelo grande número de reservas operacionais do Exército Vermelho. Este resultado mudou o padrão de operações na Frente Oriental, a partir de Kursk a União Soviética ganhou a iniciativa operacional. A vitória soviética custou caro, com o Exército Vermelho perdendo consideravelmente mais homens e material do que a Wehrmacht.

Imagem de Destaque: https://warfarehistorynetwork.com/article/the-kursk-battle-the-eastern-fronts-turning-point/

Fontes

https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Kursk

https://www.britannica.com/event/Battle-of-Kursk

The Kursk Battle: The Eastern Front’s Turning Point

https://nationalinterest.org/blog/reboot/super-tank-battle-kursk-was-it-really-stuff-legends-163948

https://www.forces.net/news/battle-kursk-clash-tanks

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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