A Batalha Naval de Matapan

de

Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral

A Batalha Naval de Matapan foi travada em 19 de julho de 1717 entre uma esquadra aliada cristã (Portugal, Veneza, Malta e os Estados Papais) contra uma esquadra do Império Otomano. A batalha foi travada a cerca de vinte milhas náuticas (37 km) do cabo de matapan, no extremo sul da Grécia.

A esquadra turca, comandada por Ibrahim Paxá era constituída por 34 naus, 21 fragatas, 9 galé e uma bombarda.

A esquadra cristã era constituída por 22 naus, 21 fragatas e 9 galés. O comando geral foi do veneziano Ludovico Diedo. Os venenzianos contribuíram com 24 naus, 4 galeaças e 13 galés, e estavam dividos em 3 esquadras, a saber: a Vermelha com 10 naus, a Amarela com 8 naus e a Azul com 10 naus.  Malta com 5 galés, os Estados Papais com 4 galés e Toscana com 2.

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A esquadra portuguesa, comandada por Lopo Furtado de Mendonça, conde do Rio grande, era composta pelas naus: Nossa Senhora da Conceição (capitânea, 80 canhões), Nossa Senhora de Assunção (66 canhões), Santa Rosa (66 canhões) Rainha dos Anjos (56 canhões), 1 fragata e 4 navios auxiliares.

O contexto

Após uma série de derrotas na Europa, o sultão deu início a uma campanha militar visando recuperar os territórios perdidos invadindo a Moreia (1715).

Veneza pediu auxílio contra os turcos, Áustria e o papa Clemente XI responderam ao pedido. A Áustria forneceria o exército, enquanto o papa convocou os Estados cristão para conter os otomanos. Portugal respondeu ao chamado e se comprometeu a enviar uma esquadra.

As manobras

Os venezianos tinham perdido duas naus e seu almirante em chefe Flangini na Batalha de Imbros (8 de junho) e ficariam sob o comando do almirante Pisani.

Em 3 de julho, foi feita a junção das várias esquadras cristãs. A armada de vela aliada foi então dividida em três esquadras, como era costume: a vanguarda, o centro, e a retaguarda (ver infra) sob o comando geral do almirante Pisani. A vanguarda era composta pela esquadra vermelha veneziana, sob o comando do capitão Diedo; o centro era formado pelas outras duas esquadras de Veneza, ficou ao comando do almirante Correr e a retaguarda era composta pela esquadra portuguesa, as duas naus da Ordem de Malta, e uma nau veneziana.

No dia 10 de julho sob um temporal enquanto a armada cristã se dirigia para o sul, a esquadra turca entrou no Golfo da Lacônia navegando com cuidado dobrou o cabo Matapão e dirigiu-se a Coron, no golfo da Messênia.  Tinha assim passado para leste da armada cristã e devido aos ventos predominantes tinha ganho o barlavento, fator de suma importância na guerra naval à vela.

De 11 de julho até 18 de julho, turcos e cristão fizeram várias manobras, as galera sob o comando de Pisani voltaram para sua posição no Matapão. Os turcos estavam ancorado em Coron, no golfo da Messênia. Nesse período turcos e cristão estavam tentando localizar o inimigo para o combate.

No dia 17 de julho, a corveta cristã que vigiava os turcos, sinalizou que estes haviam suspendido e estavam a caminho para dar combate aos cristão. O dia 18 de julho foi utilizado pela esquadra cristã para preparativos e exercícios de tiro.

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A batalha

Logo ao alvorecer do dia 19 de Julho, avistou-se ao longe a armada otomana dobrando o Cabo Matapão e navegava de vento em popa em direção à armada cristã a nordeste.

A armada cristã aprontou-se para combate, tendo assumido a linha de batalha combinada nos dias anteriores. A esquadra portuguesa formava a retaguarda. Soprava então apenas uma brisa de sudoeste e as embarcações de remo tiveram que auxiliar a armada a vela cristã a formar a linha de batalha. Por fim, as naus de guerra posicionaram-se numa linha de talvez duas milhas de comprimento, com a proa a noroeste, quase fechava totalmente a entrada da enseada onde se encontrava a armada de remo. Esta também assumiu uma linha de batalha, com proa a sudoeste Assim preparados, e como a armada turca tinha o pouco vento que soprava inteiramente em seu favor, esperaram os aliados cristãos a chegada da armada otomana.

A Armada turca que se aproximava navegava numa formação em largura, isto é, com as embarcações ao lado umas das outras. Por volta da sete horas, os primeiros navios otomanos chegaram ao alcance de tiro das naus cristãs: tratava-se de algumas fragatas da ala esquerda turca, que iniciaram uma troca de tiros a longa distância com a vanguarda da linha veneziana. Esta troca de tiros demoraria cerca de hora e meia.

Por volta das oito e meia, as fragatas na ala esquerda turca, embarcações menores de Tunes e Argel, que pelo seu pequeno tamanho eram muito mais veleiras que as naus cristãs em condições de pouco vento, tentaram contornar a vanguarda da linha veneziana, como que para atacar a esquadra de remo no interior da enseada. Para evitar essa manobra e manter os navios inimigos dentro do alcance dos canhões, a nau veneziana na frente da linha, a Madonna dell’Arsenale (70 canhões), começou a guinar para estibordo. Seguiram-se algumas salvas a curta distância, após as quais a divisão de fragatas desistiu do intento e regressou à formação turca.

No entanto, ao guinar para estibordo e colocar-se de vento em popa, a nau veneziana (aparentemente) não teve outra opção senão continuar a manobra, e assim realizou uma viragem de bordo ― uma viragem em roda, em que o navio inverte o rumo ―, acabando assim por ficar com a proa a sudoeste, e naturalmente descaída uma centena de metros, o espaço necessário para a manobra, da coluna cristã.

Isto foi determinante para o seguimento da batalha, pois a Costanza Guerriera (78 canhões) que seguia no seu encalço, ao ver a nau à sua frente virar em roda ― sem ter recebido ordem de Pisani ou qualquer outro dos almirantes para tal ― fez o mesmo, virando em roda de maneira a se colocar à frente da Madonna dell’Arsenale, igualmente descaída da coluna cristã. A próxima nau, a Trionfo (70 canhões) com o almirante Diedo a bordo, fez o mesmo, e assim sucessivamente.

Deste modo, e sem terem sido dadas ordens para tal manobra, toda a vanguarda e centro da armada cristã virou em roda, estando a nova coluna, agora em ordem invertida, com proas a sudoeste e naturalmente descaída da linha original.

No entanto, a nau portuguesa São Lourenço (58 canhões), a primeira nau da retaguarda, ao ver a nau veneziana à sua frente virar em roda não seguiu a manobra, visto não ter recebido ordens nesse sentido. Toda a esquadra portuguesa, as duas naus da Ordem de Malta e a veneziana Fortuna Guerriera (70 canhões) mantiveram-se na linha de batalha.

Como resultado de todas estas manobras, a retaguarda cristã ― a esquadra dos aliados de Veneza, incluindo a portuguesa ― encontrava-se agora numa posição avançada, mais perto dos otomanos, enquanto a armada de alto bordo de Veneza, à exceção da Fortuna Guerriera, se encontrava numa coluna mais a sotaveno, descaída da linha original.

Enquanto a vanguarda e o centro venezianos viravam em roda, a armada otomana orçou também a fim de formar uma linha com proa a sudoeste, paralela à antiga coluna cristã. Então o vento caiu por completo.

Nas horas seguintes, a batalha seria travada entre a retaguarda cristã ― basicamente a esquadra portuguesa ― e a vanguarda de quinze naus otomanas. As naus venezianas, e o centro e retaguarda otomanos, ficaram reduzidos a meros espectadores.

Óleo sobre a tela, pintado por António José Ramos em 1956, cópia do original feito
por João Dantas em 1812. – Museu Naval, Lisboa, Portugal
https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Matap%C3%A3o#/media/
Ficheiro:Batalha_naval_de_Cabo_Matap%C3%A3o.jpg

Esta situação, uma troca de tiros à distância, em que as naus da retaguarda cristã e vanguarda otomana provavelmente tiveram que usar os batéis para se posicionar e orientar as baterias, persistiu até cerca das duas horas da tarde. Nessa altura o vento começou a soprar novamente, mas agora uma aragem de su-sudoeste.

Aproveitando o vento, os venezianos tentaram então um audacioso ataque com um brulote contra a armada otomana. Navegando à bolina cerrada ― um raríssimo caso de ataques com brulotes ―, conseguiram atingir uma das naus turcas, que no entanto não teve dificuldade em se desembaraçar do brulote, que acabou por ser consumida pelas chamas ao largo, à vista de ambas as armadas. A tripulação do brulote, escapou num batel.

Aproveitando ainda o vento, o almirante Bellefontaine, comandante da esquadra dos aliados de Veneza, possivelmente deu ordem à esquadra de virar em roda, de modo a alinhar com a coluna veneziana a sotavento. Para isto terá talvez contribuído o fato de que os seus pequenos navios estavam pior estado que as maiores naus portuguesas e a veneziana na esquadra. De qualquer forma, ao regressar o vento, a São Lourenço, primeira da retaguarda, começou a virar em roda, e assumir uma posição agora na vanguarda da coluna cristã, com a proa a sudeste. Nesta manobra foi a nau portuguesa seguida pela San Raimondo (46 canhões) da Ordem de Malta, as portuguesas Rainha dos Anjos (56 canhões) e a Nossa Senhora das Necessidades (66 canhões) e por fim a Santa Caterina (56 canhões), a nau capitânia de Bellefontaine.

Quem não seguiu as manobras de Bellefointaine foi o Conde de São Vicente, o vice-almirante português que lhe seguia a bordo da almirante Nossa Senhora do Pilar (80 canhões) se manteve na linha, juntamente com as três naus que o seguiam, a Santa Rosa (66 canhões), a capitânia Nossa Senhora da Conceição (80 canhões) do Conde do Rio Grande e a Nossa Senhora da Assunção (66 canhões). A nau veneziana Fortuna Guerriera (70 canhões) ao ver as naus portuguesas manterem a linha, optou por se juntar as quatro naus portuguesas contra os turcos.

O que teria levado o Conde de São Vicente a não seguir o comando de Bellefontaine nunca foi esclarecido. Nessa altura da batalha, a linha otomana virou em roda, acabando por ficar com as proas a noroeste mais próxima das colunas cristãs. Nesse momento, o combate ganhou intensidade, tendo as naus venezianas também entrado em ação. As quatro naus portuguesas e a veneziana se encontravam mais perto da armada turca e foi ali que os combates mais violentos aconteceram.

As naus portuguesas e a Fortuna Guerriera ainda mantinham a linha original, com a proa a noroeste, enquanto as restantes naus venezianas navegam mais a sotavento com a proa a sudeste, isto é, na direção oposta. As naus venezianas Gran Alessandro (74 canhões) e Columba d’Oro (78 canhões) ficaram a coberto das naus portuguesas e sem possibilidade de disparar os seus canhões. Nesta altura, em que todas as naus turcas tentavam principalmente atingir a Nossa Senhora do Pilar na vanguarda da linha de batalha portuguesa, a nau veneziana San Pio V (70 canhões), que era agora a mais próxima à portuguesa na linha de batalha veneziana, foi severamente atingida, tendo perdido todos os mastros como consequência do combate A própria Nossa Senhora do Pilar sofreu avarias e foi a nau portuguesa que sofreu as maiores baixas.

A batalha continuou por cerca de três horas, com uma troca de tiros a média distância entre as duas armadas. As quatro naus portuguesas e a veneziana em posição de destaque nas linhas cristãs. Durante todo o combate, as naus turcas mantiveram a distância às naus portuguesas, de modo a estar sempre fora do alcance dos tiros de mosquete dos fuzileiros e granadeiros das companhias dos Regimentos da Armada que estavam a bordo.

 A certa altura, pareceu que o Conde de São Vicente tentou orçar, para se aproximar mais da vanguarda turca; isto no entanto pareceu excessivo ao Conde do Rio Grande, que logo fez sinal para manter a formação.

No entanto, por volta das cinco horas da tarde, toda a armada otomana fez à orça de forma súbita e fazendo força de vela retirou-se à bolina cerrada para sul.

Esta manobra súbita foi logo interpretada pelos aliados cristãos como uma vitória: a armada cristã tinha posto o inimigo em fuga ― e parte principal desta vitória tinha sido a ação das quatro naus portuguesas e da solitária Fortuna Guerriera veneziana.

Após a longa Batalha de Imbros no mês anterior, e do longo combate com a vanguarda cristã em Matapão desde a manhã, a esquadra turca, provavelmente, estaria já com muito pouca pólvora ao fim da tarde, então para evitar ser derrotada pelas naus portuguesas, que com suas cargas à queima-roupa poderiam devastar totalmente a vanguarda turca, a retirada da armada otomana faz todo o sentido.

A batalha não teve grande relevância estratégica para a guerra contra os turcos. Talvez o efeito mais sensível foi a limitação da liberdade de ação da marinha turca. Ressalte-se que o protagonismo da armada portuguesa na batalha elevou o prestígio de Portugal na Europa.

Imagem de Destaque: Aquarela de Arthur Guimarães, 1955 – https://www.facebook.com/pintorarturguimaraes/posts/batalha-do-cabo-de-matapan-1717esquadra-do-conde-de-rio-grandeaguarela-de-artur-/1119307628089091/?paipv=0&eav=AfZHCuPc8KK8XyseU–Czap9bpTTyIh10GLdPNJOXo1ZoEA3whXFf83i0TVV8mSSHY4&_rdr

Bibliografia

https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Matap%C3%A3o

https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Matapan

https://academia.marinha.pt/pt/multimedia/sessoesculturais/Paginas/Batalha-Naval-do-Cabo-Matap%C3%A3o-(julho-1717.aspx

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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