Rodolfo Queiroz Laterza
1. Introdução
Desde dezembro de 2022, intensificaram-se imagens de ataques de drones kamikaze identificados como Lancet 3, usados pelas forças russas, destruindo inúmeros sistemas de armas ucranianos, dentre os quais obuses rebocados como o americano M-777, D-20, D-30, obuses autopropulsados como M-109A3 e versão A6, o sistema polonês Krab, FH-70, 2S1 e 2S9 (ambos de origem soviética) e sistemas MLRS diversos usados pelas Forças Armadas da Ucrânia – FAU.
O uso do referido sistema teria sido detectado no teatro de operações da Ucrânia, pela primeira vez, em 15 de julho, quando fontes ucranianas compartilharam uma foto mostrando os destroços de uma munição vagante (loitering ammunition) identificado como Lancet, que supostamente foi abatido perto de uma das linhas de frente na oblast de Zaporizhzhia.
A munição vagante (loitering ammunition) apareceu relativamente de forma recente nos conflitos militares, tendo se difundido nas principais forças armadas apenas na década de 2010. Todos esses dispositivos são na verdade UAVs que possuem uma ogiva integrada de vários tamanhos. Esses drones podem fazer voos longos sobre uma determinada área ou campo de batalha, detectando independentemente um alvo e, em seguida, atingindo-o em um mergulho como mísseis guiados. A capacidade de tais UAVs permanecerem no ar por muito tempo, em busca de um alvo ou momento para atacar, levou ao surgimento do nome loitering ammunition (munição vagante).
Este ensaio irá verificar uma análise da eficácia e táticas principais do uso de “munições vadias” do modelo “Lancet-3” na guerra da Ucrânia, além de se avaliar o nível de ameaça que emana deles.
2. Origem e características principais
A loitering ammunition Lancet foi desenvolvida pelo ZALA Aero Group, uma subsidiária da gigante de defesa russa Kalashnikov Concern.
Atualmente, a família Lancet de sistemas de loitering ammunition possui duas versões de ataque, consistentes nas munições “Lancet-1” e “Lancet-3”, que têm a mesma fuselagem e são semelhantes no uso de alguns sistemas internos. A principal diferença entre os aparelhos é o tamanho, que afeta diretamente a capacidade de combate e o desempenho de voo.
Importante ressaltar que esta é uma família de dispositivos escaláveis em modernização ao longo do processo de uso e de curva de aprendizagem, feito de acordo com o mesmo esquema de design. Ambos os modelos – “Lancet-1” e “Lancet-3” são construídos de acordo com o design aerodinâmico em forma de X duplo.
A munição Lancet voa em direção à área designada com um sistema de navegação inercial auxiliado pelo GLONASS. Depois de chegar à área, o operador utiliza um sistema eletro-óptico a bordo por meio de um link de dados bidirecional para detectar, rastrear e bloquear o alvo.
Além disso, o Lancet possui um módulo de reconhecimento integrado com um mapa inteligente da área e tem uma proteção anti-laser que distorce a mira das armas de mão anti-drone.
A pequena seção transversal do radar e a assinatura infravermelha mínima do drone, além do fato de ser movida a energia elétrica, tornam muito difícil a interceptação por sistemas de defesa aérea.
O uso do design em forma de X oferece vantagens à munição de vadiagem Lancet ao mergulhar em um alvo e realizar manobras, o que é facilitado pela redução do tamanho do produto. Os aparelhos produzidos pela ZALA são bastante compactos, pois o peso do modelo Lancet-1 é de 5 kg, ao passo que peso máximo de decolagem do modelo Lancet-3 chega a somente 12 kg. A redução de peso também é facilitada pelo uso generalizado de materiais compósitos e plásticos na construção.
O Lancet 3 é lançado por meio de uma catapulta que pode ser operada por um único combatente qualificado para seu uso, bem como pode ser colocado tanto em uma caminhonete como em um pequeno barco. A velocidade inicial é alcançada rapidamente e, em seguida, o motor elétrico é ligado. O drone sobe a uma altura de 5 km até atingir o alvo programado.
O Lancet-3 recebeu vários sistemas de direcionamento e coordenação, com o auxílio de meios optoeletrônicos e combinados. Ao mesmo tempo, o drone possui um canal de comunicação que transmite uma imagem em tempo real do alvo e permite confirmar o sucesso do acerto de um determinado alvo.
Ambos os dispositivos Lancet-1 e Lancet-3 são equipados com motores elétricos, sendo esta a solução padrão para drones da marca ZALA. O uso de um motor elétrico, neste caso, não é tanto por supostas mitigações ambientais, mas uma garantia do uso discreto e com pouco ruído. Os motores elétricos são menores e mais leves do que seus equivalentes tradicionais e também menos impactantes em termos de detecção acústica.
Como pontos fortes dos sistemas Lancet, em avaliações diversas, a inteligência ucraniana destacou nos referidos equipamentos a presença de modernos sistemas de orientação multifuncionais e a possibilidade de seu uso contra objetos em movimento a uma distância de até 60 km.
Além disso, o tamanho pequeno, o silêncio relativo e a construção composta dos drones os tornam alvos extremamente difíceis para detecção de radar dos sistemas de defesa aérea. Uma munição de pequeno porte como a Lancet 3 feita de materiais compósitos poliméricos reduz seriamente a possibilidade de ser detectada pelo radar adversário.
Entre as deficiências relatadas, nota-se uma baixa velocidade de voo (até 100 km/h) e uma ogiva não muito grande (de um a cinco quilos), o que os torna ineficazes contra alvos blindados com armadura mais espessa.
Já com o início das hostilidades do exército russo na Ucrânia, ficou claro que o sistema Lancet-3 poderia atingir alvos móveis, como veículos de combate de infantaria e tanques. Além disso, a munição Lancet pode desativar um tanque de guerra principalmente se entrar no compartimento do motor, dado o pequeno porte.
As FAU acreditam que o fornecimento em massa de drones kamikaze desse tipo criou sérios problemas para as suas unidades de combate de linha de frente, pois desde o início de seu uso em massa, mais de 200 peças de artilharia foram destruídas ou danificadas, principalmente os obuses americanos M777, conforme inúmeras imagens documentadas.
Ao mesmo tempo, a duração do voo de 30 a 40 minutos foi reconhecida como suficiente para apoiar as unidades terrestres das Forças Armadas da Federação Russa no nível tático. No entanto, o comando ucraniano acredita que no momento eles são usados apenas por militares das forças especiais (SOF) e grupos de reconhecimento móvel, o que limita as capacidades das forças de infantaria das Forças Armadas da Federação Russa.
O período mais perigoso do emprego da loitering ammunition Lancet é à noite, no horário das 23h00 às 06h00, devido à dificuldade de controle visual da situação aérea e determinação da quantidade exata de munição voadora.
Um detalhe interessante foi observado nas táticas russas: os sistemas Lancet são geralmente usados em conjunto com os UAVs de reconhecimento Orlan-10 e Orlan-30, bem como os UAVs iranianos de reconhecimento e ataque Mohajer-4 e Mohajer-6 , possivelmente para saturar as defesas aéreas ucranianas e confundir sua identificação.
Na Ucrânia, o emprego cada vez maior de drones continua – seu número cresce dia a dia e milhares são usados por ambas forças beligerantes para missões de reconhecimento, ataques a forças inimigas, veículos blindados, sistemas de defesa aérea, sistemas de artilharia e fortificações.
Militares ucranianos acreditam que os drones russos representam uma séria ameaça para as Forças Armadas da Ucrânia. As tropas russas fizeram uma mudança nas táticas de uso de drones de ataque, que consiste em usá-los à noite e após um ataque de míssil
O fato é que é muito difícil estabelecer meios de defesa perante tais sistemas. Uma das principais táticas adotadas é a sobrecarga da defesa aérea adversária com o emprego de enxame de drones para ataque e reconhecimento, o que torna muito difícil de interceptar com baterias antiaéreas, ainda que modernas e com sensores avançados. Nesta tática de “enxame de drones”, quando há muitos alvos pode não haver mísseis suficientes para abatê-los. Vale lembrar também que os drones são sistemas baratos, ao contrário dos mísseis antiaéreos.
Outra vantagem tática de pequenos drones kamikaze como o sistema Lancet 3 é que eles podem ser lançados literalmente à mão em qualquer terreno por uma equipe de dois combatentes ou mesmo um com experiência. Isso os torna um meio de ataque ideal para um batedor que permanece invisível perante sistemas de reconhecimento. O raio de ação dos LANCET 3 pode ultrapassar cem quilômetros, então tais drones kamikaze podem aparecer nos lugares mais inesperados para a força inimiga, sendo de detecção muito difícil já que voam em baixa altitude.
3. Considerações finais
Drones-kamikaze “Lancet” realmente demonstraram sua alta eficiência na derrota de pontos de tiro de artilharia ucraniana. Em combinação com equipamentos de reconhecimento com bons sistemas ópticos, a munição de vadiagem Lancet 3 torna-se um meio eficaz de supressão de barragens de artilharia, depreciando seu uso tático-operacional pelas Forças Armadas da Ucrânia, que empregaram com bastante ênfase nas batalhas posicionais avançadas anteriores às ofensivas de setembro -outubro nos eixos de Kharkiv e Kherson.
Munições vagantes (também popularmente chamadas de drones kamikaze), como os sistemas Lancet e o KUB-BLA, permitem que os militares russos atinjam alvos de alto relevo atrás da linha de visão com alta precisão e em um curto espaço de tempo. Essas loitering ammunitions são baratas e fáceis de fabricar, o que facilita seu emprego em alta escala no teatro de operações.
Portanto, as forças russas irão maximizar todos os esforços para fornecer complexos de reconhecimento e ataque na modalidade de loitering ammunitions a todas as unidades da linha de frente. O uso massivo de “Lancets” na frente poderá reduzir significativamente as capacidades de combate das Forças Armadas da Ucrânia, afetando o potencial de sua futura ofensiva se assim continuar.
Hoje, além de Israel, os Estados Unidos, a Turquia, a China e vários exércitos europeus possuem sistemas de armas semelhantes. A eles foi adicionada a Rússia, que cria sua própria linha de tais sistemas, como o sistema Lancet. Todos esses modelos existem para desferir ataques de precisão contra o inimigo através de meios simplificados e baratos.
A gama de alvos atingidos por esses tipos de UAVs é enorme. As munições vagantes, que Israel inicialmente desenvolveu como uma forma de destruir elementos de sistemas de defesa aérea inimigos, podem ser usadas para atingir uma ampla variedade de alvos terrestres, tanto estacionários – por exemplo, peças de artilharia, postos de tiro, concentrações de tropas – e alvos móveis – por exemplo, veículos blindados.
Especificamente, observa-se que o potencial dos drones kamikaze na guerra moderna é enorme e seu baixo custo costuma ser uma ordem de grandeza muito menor do que o dos alvos que estão sendo atacados – normalmente blindados, obuses autopropulsados e MLRS.
Imagem de Destaque: https://twitter.com/ChuckPfarrer/status/1636032284594675713/photo/1
4. Fontes consultadas
https://www.armyrecognition.com/russia_russian_unmanned_aerial_ground_systems_uk/lancet-3_loitering_munition_kamikaze_drone_russia_data_fact_sheet.html
New Russian LANCET – no cruciform wings, new warhead, and guiding
British Stormer ‘Stormed’ By Russian Lancet-3 Kamikaze Drone In Donetsk; RuMoD Shares Video Of The Kill
DRONE SWARM TECHNOLOGY AND ITS IMPACT ON FUTURE WARFARE
https://www.aljundi.ae/en/profile/the-hunter-2-s-halcon-develops-ai-powered-swarming-drones/
Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública
Excelente artigo!
Uma coisa que já pesquisei e nunca achei é o valor médio de cada unidade dos Lancet-3, caso tenha pudesse compartilhar, ficaria agradecido!
O site HMD agradece o comentário.