A Operação Nasr: a maior batalha de blindados da Guerra Irã-Iraque

de

Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral

Em 5 de janeiro de 1981, teve início a Operação Nasr (Vitória), a maior batalha de blindados da Guerra Irã-Iraque (1980-1988).

A Operação Nasr consistia de uma ofensiva blindada surpresa liderada por três brigadas blindadas, 92ª Brigada Ahvaz e 16ª Divisão blindada de Qazvin e a 55ª Brigada Infantaria pára-quedistas As unidades blindadas eram dotadas de MBT M60 norte-americanos e o Chieftain britânico, além de inúmeros APCs e IFVs, totalizando um total de 330 blindados.

As forças iraquianas eram constituídos por duas brigadas blindadas, oriundas da 6ª e da 9ª Divisão Blindada, dotadas de blindados soviéticos T-62, e a 10ª Brigada Blindada Independente com MBTs T-72, com um total de 350 blindados.

A operação seria realizada na província de Khuzestan com o objetivo de romper o cerco dos iraquianos à cidade Abadan. A Operação previa a realização de ataques diversionários em Qasr-e-Shirin e Mehran perto  da fronteira com o Iraque.

O ataque principal seria desferido por três brigadas blindadas. Essas unidades cruzariam o rio Karkheh em vários pontos, na parte nordeste da província, passando pelas cidades de Susangerd e Ahvaz, descendo a margem oeste do rio Karun. Ao mesmo tempo, as forças iraniana dentro de Abadan sairiam de suas posições e deveriam se unir à coluna blindada que chegava do norte. O reconhecimento iraniano havia identificado a presença de uma brigada blindada iraquiana na área de operações.

O Planejamento

O plano dependia da surpresa e da capacidade das unidades blindadas de executarem uma operação de armas combinadas, liderada pelas unidades blindadas. As manobras exigiam um Estado-Maior competente em coordenar as unidades, na liderança do comandantes de campo e na logística para manter o impulso do ataque.

Limitações iranianas

O problema era que o exército do aitolás não era composto por profissionais qualificados, pois  grande parte da oficialidade do antigo exército do Xá haviam sido executados, presos ou haviam fugido para o exterior.

A logística era sofrível, a infantaria mal treinada e a artilharia insuficiente. Não havia forças aeromóveis, helicópteros suficientes ou forças mecanizadas para realizar a proteção da coluna blindada e o necessário reconhecimento das posições inimigas.

O terreno

O terreno onde o ataque havia sido planejado era no mínimo inadequado. O terreno ao redor de Susangerd era lamacento e sujeito a inundações sazonais e a chuva transformou o solo em um pântano. Resumindo, a área era, em muitos aspectos, inadequada para manobras blindadas. Os iranianos conheciam a característica do terreno e mesmo assim não ajustaram o plano, insistindo em um ataque que afrontava em vários aspectos a doutrina de emprego de blidados.

Contrariando o espírito do plano que era surpreender os iraquianos. As unidades blindadas iranianos teriam que avançar em coluna usando as estradas a fim de evitar o terreno lancamento. O comando iraniano cometeu um erro primário, eles posicionaram a infantaria no final da coluna blindada. Isso significava que os tanques avançariam desprotegidos e com os flancos expostos. Pior ainda, o avanço iraniano poderia ser (como foi) facilmente detectado pelos helicópteros e a aviação iraquiana em ações de reconhecimento. A distância que as forças iranianas tiveram que percorrer foi extremamente longa, facilitando aos iraquianos contra-atacar e reforçar suas tropas.

M60A1 Iraniano
https://www.flickr.com/photos/bronpancerna/29515581712

Os ataques diversionários

Os iranianos realizaram três ataques no período de 4 a 6 de janeiro de 1981, mas o que era para ser um diversão e provocar a dispersão das forças iraquianas, resultou em um envolvimento maior e um sucesso apenas parcial, já que os iraquianos conseguiram controlar a situação empenhando poucas tropas.

Em 4 de janeiro de 1981, uma brigada de montanha iraniana se inflltrou nas posições iraquianas, nas proximidades de Qasr-e-Shirin. Os iranianos conseguiram bloquear a principal rodovia entre Teerã e Bagdá. Esse tipo de infiltração, se tornaria um procedimento padrão durante a guerra, os iranianos se infiltravam nas posições iraquianas e muitas das vezes destruiam unidades inimigas na retaguarda e ocupavam suas posições. Mas o que era para ser uma ataque diversionário, logo se transformou em uma batalha por cada colina e nas montanhas, pois os iraquianos enviaram reforços para deter o avanço inimigo. Apesar dos iranianos terem conseguido recuperar cerca de 8 km, eles não obtiveram nenhuma vantagem tática devido as limitações impostas pelo terreno montanhoso.

O segundo ataque envolveu outras unidades de montanha iranianas desta vez se infiltrando na região de  Mehran. O objetivo principal era libertar a cidade. O resultado foi mais um fracasso.

O terceiro ataque envolveu o emprego de uma divisão mecanizada iraniana atacando as forças iraquianas a oeste do rio Karun, nas proximidades de Ahvaz. O objetivo era expulsar os iraquianos e fazê-los recuar para além da proteção da artilharia. O terreno era mais adequado para os blindados sobre rodas e a rede rodoviária era boa. Os iranianos conseguiram surpreender e fizeram os iraquianos recuarem por vários quilômetros. No entanto, os iraquianos permaneceram dentro do alcance da cobertura da sua artilharia  e os iranianos sofreram perdas pesadas, levando a mais um fracasso.

O ataque principal

Em 5 de janeiro de 1981, os iraquianos deram início ao seu ataque principal com uma concentração de artilharia. As forças iranianas cruzaram o rio Karkheh usando pontes flutuantes e levaram para outra a outra margem cerca de usaram 300 tanques. Devido ao terreno lamacento, eles tiveram que se deslocar pela estrada asfaltada. Por causa disso, os iranianos reuniram suas forças em uma longa coluna de marcha blindada ocupando a mesma estrada separadas poucos quilômetros uma da outra. As três primeiras colunas consistiam em brigadas blindadas e a coluna final era a infantaria. Portanto a infantaria estava atrás dos tanques e as colunas  se deslocavam ao longo da estrada completamente expostas. Além disso, ao que parece, não haviam unidade mecanizadas ou mesmo infantaria a pé fazendo o reconhecimento a frente e nem cobertura aérea. Tinha tudo para dar errado.

As forças iranianas começaram a se mover pela estrada pavimentada entre Ahvaz e Susangerd. Eles se moviam muito lentamente e cada coluna se movia separadamente, teoricamente, prontas para serem desdobradas assim que o terreno permitisse. Nessa altura, aeronaves iraquianas avistaram a coluna movendo-se para o oeste em direção a Susangerd. O ataque que devia ser uma surpresa, havia sido descoberto pelo inimigo.

T-72 Iraquian
https://en.topwar.ru/67993-t-72-byli-luchshimi-tankami-irano-irakskoy-voyny.html

Os iraquianos imediatamente começaram a montar uma armadilha. Os iraquianos moveram a 10ª Brigada Blindada e os posicionaram no eixo de progressão dos blindados iranianos na estrada. Os iraquianos cavaram espaldões para seus tanques, o que significa que foram enterrados na lama e os usaram como peças estáticas. Embora os iraquianos muitas vezes não tivessem habilidade e a coordenação necessária para manobrar, ao colocarem seus MBTs em posições cavadas, tinham uma vantagem: revelavam uma silhueta menor e mais baixa. Neste caso, essa medida provaria sua utilidade, porque as condições do terreno, devido ao lamaçal dificultariam a manobra dos blindados. Os T-62s e T-72s soviéticos iraquianos foram posicionados tanto na frente, quanto no flanco do eixo de progressão ao lado da linha de avanço iraniana. Os iraquianos também foram apoiados por helicópteros de ataque como Mi-8s, BO-105s, Alouette IIIs e Sa-341/342 Gazelles.

Em 6 de janeiro,  as forças iranianas entraram em contato com a 10ª Brigada Blindada iraquiana aferrada no terreno. A falta de reconhecimento do Irã provou ser desastrosa, pois eles não conseguiram ver a armadilha que se aproximava. Os iraquianos começaram a atirar nos tanques iranianos pela frente e de ambos os flancos (o que é um erro, mas que deu certo). Os iranianos tentaram atravessar as forças iraquianas em uma ponta de lança blindada, mas sofreram pesadas perdas. Eles então tentaram manobrar. Mas isso envolvia tirar seus tanques da estrada pavimentada e manobrar pelo terreno lamacento. Os tanques iranianos ficaram presos na lama. A primeira brigada iraniana foi dizimada e muitos tanques foram destruídos ou abandonados na lama. Mesmo diante do desastre, os iranianos se recusaram a abortar o ataque.

A segunda brigada iraniana avançou e os resultados foram semelhantes. Helicópteros iranianos vieram em apoio a brigada blindada e se juntaram à batalha, destruíram vários tanques iraquianos estavam enterrados, mas seus esforços não foram suficientes para aliviar a pressão sobre as forças blindadas iranianas que continuou sofrendo pesadas perdas. Além disso, os iraquianos também tinham armas antiaéreas e vários helicópteros iranianos foram abatidos. Para piorar ainda mais a situação, a infantaria mecanizada iraquiana dotada armas antitanque juntou-se a eles, transformando a batalha em uma carnificina para os iranianos. A luta se transformou em um corpo a corpo e foi brutal. Com os blindados presos na zona de matar, aeronaves iraquianas bombardearam as pontes flutuantes sobre o rio Kharkeh, prendendo os tanques iranianos na outra margem e impedindo sua retirada. A infantaria iraniana também estava presa na margem oposta e na retaguarda (eles ainda não haviam entrado em ação) e impedida de entrar na batalha. Helicópteros iranianos tentaram revidar, mas foram atacados por caças iraquianos, que destruíram ou danificaram vários helicópteros.

No dia 7 de janeiro de 1981, em meio a batalha com o Irã, Israel lançou a Operação Opera, um ataque surpresa contra um reator nuclear em construção no Iraque, matando vários iraquianos e um civil francês que estava ajudando na construção da usina nuclear.

Em 8 de janeiro, o ataque iraniano tinha sido derrotado. Muitos tanques das duas primeiras brigadas foram perdidos, destruídos ou atolados na lama e abandonados. A terceira brigada iraniana tentou continuar o ataque, mas pouco avançou e teve que bater em retirada.

A Operação Nasr foi abortada e os iranianos recuaram. A infantaria iraniana, preparou posições defensivas para evitar um contra-ataque iraquiano. A engenharia iraniana no último momento conseguiram reconstruir as pontes flutuantes sobre o rio Karkheh, e a terceira brigada de tanques iraniana conseguiu escapar do combate e recuar de volta pelo rio Karkheh.

Enquanto isso, durante a derrocada em Susangerd, as forças iranianas sitiadas em Abadan tentaram romper o cerco, a fim de se unir à coluna blindada. Mesmo que as 16ª e 92ª Divisões Blindadas não tivessem sido derrotadas em batalha, era improvável que fossem capazes de alcançá-las. A infantaria iraniana sofreu pesadas perdas e foi forçada a recuar para Abadan.

Consequências

Como vimos, devido a falhas de planejamento e de execução, os iraquianos derrotaram facilmente os iranianos. Embora os iranianos fossem uma força poderosa antes da Revolução Islâmica, suas forças armadas estavam completamente desorganizadas. Faltavam comandantes, oficiais de Estado-Maior, a cadeia logística estava uma bagunça, havia muito voluntarismo, mas pouca competência.

Por outro lado, o comando iraquiano era centralizado e inflexível,o  Estados-Maior e a liderança eram de baixo nível. Estes fatores impediram os iraquianos de aproveitar o êxito. Resumindo: os iraquiano falharam em capitalizar sua vitória, o que salvou os iranianos de uma derrota total.

Esse emprego inusitado dos blindados enterrados para atuar como artilharia estática era e é totalmente contrário a doutrina de emprego dos blindados. Se por um lado essa tática tivesse funcionado na luta em torno de Dezful e Susangerd, por outro lado significava que eles eram incapazes de perseguir o inimigo no aproveitamento do êxito e se tornavam alvos fáceis para a artilharia iraniana.

Um limitado ataque iraquiano com helicópteros e alguns blindados foi repelido com certa facilidade pelas forças iranianas perto da cidade de Shush, que ficava logo atrás do rio Karkheh no eixo de progressão para Dezful. A derrota custou ao Irã 214 MBTs, pelo menos 100 outros veículos blindados, alguma artilharia pesada, em torno de 300 baixas e uma grande parte dos blindados das 16ª e 92ª Divisões.

Muitos veículos blindados foram capturados intactos após terem sido abandonados ou por terem atolados na lama e foram expostos no Iraque, posteriormente alguns foram vendidos para a Jordânia, enquanto outros permaneceram armazenados até a invasão de 2003. A perda teria sido absolutamente completa, se os iranianos não tivessem conseguido remontar sua ponte flutuante.

Antes da Revolução Islâmica, o Irã tinha 1.700 tanques (que diminuíram para 1.000 utilizáveis após a revolução) e o apoio do Ocidente para manter um dos exércitos mais poderosos do Oriente Médio. Com a derrota em Susangerd, aproximadamente 17% de toda aquela força foi destruída, um grande enfraquecimento do poderio militar iraniano. Para piorar a situação, com as sanções impostas pelos EUA e outras potênias ocidentais ao Irã, esses tanques não poderiam ser substituídos, enquanto os iraquianos poderiam ser facilmente substituídos, já que não estavam sob embargo e contavam com o apoio do Ocidente e da URSS.

A derrota demosntrou para a liderança religiosa que precisam reorganizar profundamente as forças armadas, pelo risco que uma derrota militar poderia significar o fim do regime.

Apesar de sua vitória, o Iraque perdeu 45 MBT, e 50 APC/IFV, 3 helicópteros e 15 lançadores múltiplos de foguetes foram estruídos, as baixas assumidas foram 45 combatentes.

A guerra só estava começando e o Iraque logo perceberia que apesar da vantagem material, os iranianos seriam um adversário duro.

Imagens de Destaque: https://iran-iraq.weebly.com/time-line-of-the-war.html

Fontes

https://www.realcleardefense.com/articles/2015/03/09/karbala_5the_bloodiest_battle_of_the_iran-iraq_war_107715.html

Iran and Iraq Fought a War for 8 Years, Killed Millions and Achieved Nothing

https://www.globalsecurity.org/military/library/report/1985/SRE.htm

https://csis-website-prod.s3.amazonaws.com/s3fs-public/legacy_files/files/media/csis/pubs/9005lessonsiraniraqii-chap03.pdf

https://iran-iraq.weebly.com/time-line-of-the-war.html

https://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Nasr

HIRO, Dilip. The Longest War. The Iran-Iraq Military Conflict. Routledge (NYC), 1991.

MURRAY, Williamson. WOODS, Kevian M. The Iran-Iraq War. A Military and Strategy History. Cambridge University Press: Cambridge (UK), 2014.

RAZOUK, Pierre. The Iran-Irak War. The Belknap Press of Harverd University Press. Cambridge (MA), 2015.

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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