A primavera europeia: a ofensiva russa e o contra-ataque ucraniano

de

Prof. Dr. Ricardo Cabral

A Guerra na Ucrânia guarda algumas semelhanças com a Primeira Guerra Mundial: tropas reunidas, barragens de artilharia, trincheiras, ataques limitados que buscam explorar fragilidades do dispositivo defensivo e desgastar o inimigo. Mas com relação a esperada ofensiva de primavera da Rússia, provavelmente ocorrerá sem ser anunciada, de várias direções e provavelmente usando táticas diferentes das que a Rússia empregou até o momento. Para alguns analistas, a ofensiva já começou limitada a Kupyansk (no oblast de Kharkiv), em determinados pontos de Donetsk, Lyman, Vuhledar e Kremnina. Avanços também nas direções de Avdeevsky, Maryinsky e Marinka. Dessa vez, os russos estão tendo o cuidado de não estender suas linhas logísitcas e da frente de batalha, atacando pontos da linha de frente ucraniana onde que foram identificados fragilidades. O avanço russo é lento, mas ao que parece bem seguro, até pela resistência das FAU.

Nesta fase atual da guerra verificamos uma participação maior da SVR em ações de ataque ao solo, apesar do uso cada vez mais intensivo de loitering munition (drones kamicases). A tendência é que a liberdade de ação que até o momento a VKS desfrute seja limitada pelo recebimendo de novos sistemas anti-aéreos da OTAN pelos ucranianos.

As forças russas montaram ataques de sondagem no norte no torno de Kreminna e no sul em torno de Vuhledar e está envolvida em uma batalha feroz pelo controle do restante de Bakhmut e avançando também em direção de Bogdanovka e Grigorovka. Os ataques da artilharia russa também estão em seu ritmo mais intenso desde o verão passado, com até 100 ataques por dia. Enquanto os drones russos continuam destruindo alvos compensadores além da linha de frente.

Situação em 17 de abril de 2023.
https://twitter.com/DefenceHQ/status/1647964780827688960/photo/1

Por enquanto, não há sinal de que a Rússia já tenha desdobrado todos os meios necessários para um ataque coordenado em larga escala na Ucrânia.  De acordo com a inteligência ocidental (que tem errado bastante…pelo menos nos dados que fornece para a mídia), a Rússia está posicionando tropas, blindados, artilharia, caças, bombardeiros e helicópteros para fornecer apoio aéreo para uma ofensiva terrestre. Moscou também estabeleceu novos centros de reunião do exército em Voronezh e Kursk. Localidades próximas a fronteira nordeste da Ucrânia, exatamente onde posicionou as tropas um ano antes da invasão.

Segundo os analistas ocidentais, o objetivo final do presidente russo, Vladimir Putin, era fazer com que tropas russas se desdobrassem a partir do norte, em ataque coordenado com outras forças russas pressionando do sul e tomassem o restante da região de Donbass, mais especificamente Donetsk, no leste da Ucrânia.

Até agora, a Ucrânia vem mantendo a linha de defesa e rechaçando os ataques russos com relativo sucesso, como foi em Vuhledar, um importante centro logístico que Moscou deseja capturar porque ajudaria a proteger o território que liga a Crimeia à Rússia, ou retardando ao máximo o avanço como em Bakhmut.

Em Bakhmut, unidades do Grupo Wagner juntamente com tropas de elite das Forças Armadas russas já tomaram a maior parte da cidade. A resistência ucraniana tem custado a destruição de muitas unidades das FAU bem treinadas que seriam utilizadas na aguardada contra-ofensiva ucraniana de primavera. O rimo de baixas ucranianas tem sido elevado, apesar das notícias em contrário que saem na mídia ocidental.

Com relação, a esta questão das baixas, em um raro momento de franqueza, o candidato à presidência dos EUA, Robert Kennedy Jr., falou francamente sobre os acontecimentos na Ucrânia no programa Carlson Tucker, da Fox News. Em particular, ele reconheceu que 300 mil militares ucranianos morreram no país. “Ninguém fala sobre isso, mas 14 mil civis ucranianos, 300 mil militares morreram. Os russos matam os ucranianos na proporção de 7 para 1 ou 8 para 1″, disse o político, (disponível em https://www.youtube.com/watch?v=t9eN19qkZRk.) Não custa lembrar que os documentos vazados recentemente por Jack Teixeira, expõe a situação das FAU bem pior do que aquilo que é divulgado pela mídia ocidental ou por autoridades ligadas a OTAN.

Após a intervenção direta do Kremlin e o apoio dos governos locais, as tropas russas recentemente mobilizadas estão sendo melhor preparadas e equipadas em melhores condições que no ano passado. Equipamentos de última geração tem sido disponibilizados em maior quantidade e a logística tem melhorado.

Por enquanto, o clima no leste da Ucrânia não está propício para uma ofensiva em grande escala. A previsão é as temperaturas continem subindo acima de zero, mais lentamente, e com a chuva transformando os campos em grandes lamaçais. Quando a rasputitsa tiver passado, provavelmente a partir de meados de maio, ambos os lados já estarão prontos para realizarem ataques. Quando? Ainda não sabemos, mas o certo é que ambos os lados se preparam para uma luta longa, dura e sangrenta.

Yevgeny Prigozhin, chefe do Grupo Wagner, disse recentemente que levaria “um ano e meio a dois anos” para a Rússia tomar Donbass. “Haverá algumas semanas muito difíceis e às vezes a Ucrânia retrocederá e outras vezes avançará”, disse o primeiro oficial. “Este pode ser um ano longo e muito difícil para os ucranianos.”

https://www.moneytimes.com.br/ucrania-reforca-defesas-no-leste-enquanto-russia-envia-ondas-de-ataques/

E a ofensiva ucraniana?

Lloyd Austin, o secretário de Defesa norte-americano, disse recentemente que os tanques norte-americanos chegarão à Alemanha nas próximas semanas. Segundo ele, os países ocidentais já entregaram à Ucrânia mais de 230 tanques e 1.500 outros veículos blindados de combate, além de suprimentos diversos. O equipamento recebido poderia armar nove brigadas blindadas. Além desse equipamentos, chegaram da Alemanha sistemas de defesa antiaérea e anti-mísseis (Iris-T SLM, MIM-104 Patriot e NASAMS). Todos esses novos equipamentos vão ampliar as capacidades de combate das FAU de forma significativa.

A Polônia e a Eslováquia enviaram cerca de 30 caças MIG-29 e outros mais estão sendo esperados. Esses novos meios vão limitar a liberdade de ação que a VKS (Forças Aeroespacias Russa) tem, atualmente, no espaço aéreo ucraniano.  

Os sistemas fornecidos pela OTAN e a incorporação de novos recrutas permitiram a Kiev formar 9 novas brigadas mecanizadas muito parecidas com as brigadas stryker norte-americanas.

A linha de contato entre os dois exércitos se estende por mais de mil quilômetros, o que abre um leque de oportunidades para os ucranianos repetirem a ofensiva de “surpresa” de setembro de 2022 em que se aproveitando da fragilidade do dispositivo defensivo russo recuperaram vastas áreas na região nordeste de Kharkiv e no sul em Kherson.

As novas brigadas ucranianas estão aumentando suas capacidades e treinamento para a guerra de armas combinadas no estilo OTAN, abandonando de vez o modus operandi híbrido soviético-OTAN que até então estava sendo adotado. Esse treinamento leva tempo, custa muito caro e está sendo realizado em vários países. As operações de guerra de armas combinadas vai exigir ainda mais da OTAN no fornecimento de capacidades C4ISR de alta qualidade.

https://www.economist.com/europe/2023/04/16/ukraines-counter-offensive-is-drawing-near

Mas nem tudo está bem, existe fragilidades quanto a qualidade da liderança e do comando ucraniano, outra seria a cadeia logística não só pelo volume de suprimentos necessários para lançar a ofensiva e sustenta-la no tempo, mas também pela diversidade dos vários tipos de equipamentos recebidos.

Kiev sabe que a planejada ofensiva de primavera tem que ser bem sucedida se quiser continuar recebendo as generosas doações em armas e recursos financeiros. Os Estados Unidos e a OTAN tem se empenhado em grande quantidade de meios materiais, pessoal (oficiais de estado-maior, forças especiais e mercenários), inteligência e treinamento para que as FAU sejam bem-sucedidas e atinjam todos os objetivos políticos e militares.

No entanto, as FAU não tem se limitado a preparação para o contra-ataque ou a defesa, muito pelo contrário, tem sido agressiva na defesa e procurado retomar a iniciativa com operações visando os centros logísticos, bases e depósitos de munição bem atrás das linhas de frente russas, tanto com armas ocidentais de longo alcance, como o M142 HIMARS e o M270 MLRS, quanto com operações de incursão de DSRG na retaguarda russa e/ou ao logo do rio Dnieper e ataques com drones (bem menos eficazes). Já houve um aumento desses incursões em Kherson, Zaporizhzhia e na Crimeia. Estas operações ucranianas estão exigindo que as forças russas empenhem mais unidades e redobrem as ações de patrulhamento com unidades mais bem armadas e equipadas, mesmo que sejam unidades paramilitares de Luhansk e Donetsk ou a Rosgvardyia chechena.

Em termos estratégicos, uma ofensiva ucraniana no sul apresenta a possibilidade de dividir o corredor terrestre russo para a Crimeia e recuperar algumas das melhores terras agrícolas da Ucrânia. Além da cidade de Mariupol, grande parte do sul sofreu menos destruição, do que as cidades do leste da Ucrânia. Um ataque bem-sucedido ao sul tornaria a defesa do lado leste de Kherson ocupado pelos russos insustentável. Também poderia abrir caminho para a Ucrânia recuperar o controle da usina nuclear de Zaporizhzhia e do canal que fornece água potável para a Crimeia.

É muito provável que os ucranianos lancem ofensivas ao leste e ao sul a fim de dificultar a defesa dos russos e iludi-los com relação ao ataque principal.

Várias operações de inteligência estão em curso visando ocultar os objetivos da contra-ofensiva e quando será lançada. Os ucranianos tem feito simulacros de blindados, tem colocados bonecos imitando soldados, simulado rede de comunicações, feito concentrações desses equipamentos para iludir os russos, quanto as suas intenções e até mesmo para atrair a atenção da vigilância russo. Esses ardis só não conseguem iludir por muito tempo os satélites e os espiões…

https://www.newsweek.com/russia-building-defensive-fortifications-zaporizhzhia-ukraine-counteroffensive-1795285

E os russos como estão se preparando?

Bem, as contra-ofensivas ucranianas estão sendo vinculadas na imprensa ocidental, pelo menos desde dezembro e desde então os russos tem se preparado pra detê-los.  O Exército russo preparou uma série de linhas defensivas escalonadas em profundidades que se estendem por mais de 800 km, lançando uma série de obstáculos (dentes de dragão) e fossos antitanque, linhas de trincheiras interligadas, lançado campos de minas, ajustado a artilharia e mantido as áreas sobre constante vigilância, todos esses obstáculos são defendidos também por posições fortificadas dotadas de metralhadoras e ATGMs. Este dispositivo defensivo compõe apenas a primeira linha de defesa. A segunda linha, é composta por fortificações e trincheiras. A terceira linha é composta por reservas móveis (blindados e tropas aeromóveis) prontos para o contra-ataque. Novas unidades estão sendo desdobradas e a pressão contra os ucranianos tem sido mantidas como exposto acima.

Conclusão

Ao que parece russos e ucranianos estão aguardando o fim da rasputitsa para se lançarem ao ataque. Os russos tem pela frente um novo Exército ucraniano, as FAU 3.0, mais bem equipadas, treinadas e experientes do que as forças que enfrentaram anteriormente. A OTAN está cada vez mais empenhada na guerra, se expondo estratégicamente. Do outro lado, os russos tem recebido apoio material de chineses (principalmente) e iranianos, que estão lhe permitindo mantar o esforço de guerra sem grandes sofrimentos, isso sem falar de apoio político (muitas vezes velado) de países tradicionalmente aliados do Ocidente.

Nenhum dos dois lados pode sofrer um grave derrota, já que as consequências políticas podem ser desastrosas tanto para Kiev, quanto para  Moscou.

A estratégia ucraniana de resistir ao máximo ao avanço, sacrificando homens e material mesmo em situações que retrair seria o mais recomendável, tem o objetivo político de garantir os vultuosos recursos que Kiev tem recebido do Ocidente.

Por outro lado, a insistência russa em conquistar porções do território ucraniano, mesmo que isso leve muito tempo, sacrificando suas reservas estratégicas, um melhor desempenho sócio-econômico e a própria segurança não tem lógica. Na verdade, mesmo que derrote os ucranianos no campo de batalha, os russos aumentaram o número de ameaças ao longo de suas fronteiras.

Bibliografia

https://www.ft.com/content/164360c3-1b37-46c9-b26a-4444d2045eef

https://www.tribuneindia.com/news/comment/russias-spring-offensive-is-the-key-482257

https://unherd.com/2023/02/will-ukraine-survive-russias-spring-offensive/

https://unherd.com/thepost/in-ukraine-the-spring-offensive-could-take-years/

The potential directions of the Ukraine War in spring 2023

Ucrânia se organiza para contra-atacar a Rússia. E o timing será fundamental 

https://cnnportugal.iol.pt/guerra/ucrania/porque-tarda-a-ucrania-em-iniciar-a-contraofensiva-menos-secreta-do-mundo/20230419/644060e90cf2dce741b5753b

https://www.dw.com/en/ukraine-updates-germany-says-patriots-delivered-to-kyiv/a-65367387

https://www.ft.com/content/01a819c0-82f5-4eb3-b012-9dc97d93cde6

https://english.elpais.com/international/2023-04-17/russia-constructs-800-km-of-defensive-lines-to-head-off-ukrainian-counteroffensive.html

Possíveis Cenários sobre a Ofensiva de Primavera Ucraniana

O que se sabe sobre os documentos vazados dos EUA

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Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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