A primeira vitória de Cochrane

de

Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral

O primeiro comando do então commander Thomas Cochrane foi o brigue HMS Speedy, de 14 canhões de 4 libras, de 159 ton, com uma tripulação de 90 homens. Cochrane tentou melhorar o poder de fogo, mas não foi possível devido as limitações do navio.

No início de maio, Cochrane estava escoltando um comboio de Cagliari para Leghorn. Em 11 de maio, um navio do comboio abordado pelo corsário francês Intrepide, de 6 canhões. Cochrane o flagou e o perseguiu, forçando a se render. Três dias depois, quando o comboio passou pela ilha de Montecristo, cinco barcos a remo emergiram de uma das enseadas da ilha e capturaram dois dos navios mercantes mais recuados. Cochrane imediatamente os perseguiu e os recapturou na manhã seguinte.

O sucesso dessas ações, levou o Vice-Almirante George Keith Elphistone, a lhe dar a missão de assediar o comércio espanhol na área. Cochrane capturou sete ou oito navios em junho e julho. Em 25 de junho, capturou o corsário Asuncion, de 10 canhões, em Bastia. Em 19 de julho, capturou o corsário Constitution, em Caprea. Em 22 de setembro, ele capturou um grande navio napolitano e, ao trazê-lo para Port Mahon, descobriu que os espanhóis haviam notado suas capturas e estavam preparando uma fragata para capturar a HMS Speedy. Conseguiu escapar de navios mais poderosos recorrendo a estratagemas e a uma conduta audaciosa.

Na madrugada de 6 de maio de 1801, ao largo de Barcelona, Cochrane avistou ​​um navio, a fragata xebec El Gamo, de 32 canhões, tripulação de 319 homens, armada com 22 canhões de 12 libras, 8 canhões de 8 libras e 2 carronadas de 24 libras, e deslocando 600 ton. A Cochrane Speedy apenas 14 canhões de 4 libras e sua tripulação estava limitada a apenas 54 homens, pois tinha enviado vários homens como tripulações para navios capturados anteriormente.

Em vez de fugir da fragata espanhola, Cochrane foi ousado e se aproximou dela. Às 9h30, a Gamo disparou um tiro de advertência e içou a bandeira espanhola. Em resposta, Cochrane ergueu a bandeira norte-americana. Os espanhóis hesitaram, permitindo que a Speedy se aproximasse. Quando chegou bem perto, Cochrane mandou então que baixassem a bandeira dos Estados Unidos, içasse a bandeira britânica, manobrou rápido o suficiente para escapar do primeiro ataque. A Gamo estão realizou outro ataque, que Cochrane novamente evitou, e segurou seus canhões até que a Speedy emparelhasse com seu adversário. A Gamo tentou atirar na Speedy, mas era um barco bem menor, seus canhões não puderam ser inclinados o suficiente de seu convés, especialmente enquanto o navio estava inclinando a sotavento, fazendo com que seu tiro passasse pelas velas e cordames da Speedy em vez de seu casco.

Cochrane, por outro lado, havia montado, a frente de suas armas, blocos para que pudessem disparar para cima através das laterais da Gamo. Cochrane então abriu fogo com seus canhões de 4 libras disparados em duplas e trios na elevação máxima, seus tiros passando pelas laterais e decks da Gamo. O primeiro ataque de Cochrane matou o capitão espanhol e o seu contra-mestre, entre vários tripulantes. O segundo em comando do navio espanhol reuniu um grupo de ataque, observar essa tentativa de abordagem Cochrane recuou e atingiu os espanhóis com tiros de canhão e mosquetes, antes de se aproximar novamente. Depois de três tentativas de abordagem frustradas, os espanhóis voltaram aos seus canhões.

Cochrane então decidiu que já era hora de abordar a El Gamo e reuniu toda a sua tripulação, a dividindo-a em duas partes, deixando apenas o médico do navio no comando da Speedy. Os britânicos então apressaram a Gamo, abordando pela proa e a meia nau (o espaço no convés central entre o castelo de proa e o tombadilho ou descrito de outra forma o espaço entre o mastro de traquete e o de mezena); os marinheiros que atacaram a proa tinham seus rostos enegrecidos para parecerem piratas ou demônios. Os espanhóis vacilaram com isso e foram atacados pelo grupo que havia abordado a meia-nau.

Houve uma dura batalha entre as duas tripulações, até que Cochrane chamou o médico (a única pessoa à bordo da Speedy) e ordenou-lhe que mandasse avançar os fuzileiros (inexistentes a bordo, mais um engodo). Ao mesmo tempo, ordenou a um de seus homens que cortasse a corda que levava a bandeira espanhola. A tripulação espanhola muito mais numerosa, ao ver isso, parou de lutar, assumindo que seu navio havia se rendido

As perdas da El Gamo foram 15 mortos, incluindo seu capitão, e 41 feridos. Já a Speedy teve apenas 3 mortos e 18 feridos. Os britânicos então prenderam os prisioneiros espanhóis no convés e se preparam para voltar para sua base. Aliás, essa foi outra grande dificuldade de Cochrane, levar os dois navios, vigiar 263 prisioneiros, contando com uma tripulação mínima para a base britânica, no Porto Mahon, na ilha  Minorca.

Um acontecimento interessante, o oficial espanhol, envergonhado por ter sido derrotado por um inimigo com capacidades tão inferiores, solicitou a Cochrane que fizesse uma carta afirmando que o referido oficial tinha feito tudo ao seu alcance para defender o navio. No final da carta, Cochrane afirmou que ele havia se comportado com um verdadeiro espanhol, uma ironia. Mais tarde Cochrane se divertiu ao saber que o oficial espanhol foi promovido devido a carta.

Um outro evento da carreira da HMS Speedy, sob o comando de Cochrane, muito citado é  uma longa perseguição anterior que sofreu por outra fragata espanhola, que depois de escurecer continuou perseguindo o que pensava ser a Speedy, quando na verdade era um ardil criado por Cochrane, uma lâmpada fixada em um barril que flutuava ao sabor das ondas, em vez da lanterna de popa da Speedy. Enquanto isso o brigue britânico havia alterado o curso e escapado da perseguição da fragata espanhola.

A vitória teve grande repercussão na imprensa inglesa, mas devido a uma série de desencontros e acontecimentos fortuitos que levaram a atritos com o 1º Lorde do Almirantado, John Jervis, o Lord St. Vincent, Cochrane não teve os seus méritos reconhecidos pela Royal Navy. Somente em 1847, o Almirantado concedeu a Medalha de Serviço Geral Naval com fecho “Speedy 6 de maio de 1801” a todos os sobreviventes do combate.

Essa foi uma das maiores vitórias de toda a Era da Vela, esta ação e outras aventuras de Cochrane inspiraram autores de romances navais como Frederick Marryat, Arthur Conan Doyle, C S Forrester, Patrick O’brian e Dudley Pope, poetas como Pablo Neruda, além de filmes como Mestre dos Mares (2003) e Captain Horatio Hornblower (1951), séries sobre o personagem Hornblower (1963 e 1998-2003). Alguns de nossos leitores, sem dúvida reconhecerão na ficção vários acontecimentos reais das ações de Cochrane.

Imagem de Destaque: A pintura é de Montague Dawson sobre a batalha entre o El Gamo e o HMS Speedy – https://www.artsy.net/artwork/montague-dawson-the-heroic-speedy-and-gamo

Bibliografia

 MARTINS, Hélio Leôncio. Almirante Lorde Cochrane. Uma figura polêmica. Rio de Janeiro: Clube Naval, 1977.

COCHRANE, Thomas. The autobiogaphy of a seamen. Kidle Edition. London: Endeavour Press, 2015.

ERMAKOFF, George. Lorde Thomas Cochrane: um guerreiro escocês a serviço da Independência do Brasil. Curitiba: Casa Editorial, 2021.

Sites consultados

https://www.thenational.scot/news/16587770.back-day-thomas-cochrane—real-master-commander/

https://www.facebook.com/groups/1081906135635891

https://en.wikipedia.org/wiki/HMS_Speedy_(1782)

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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