A realidade destruindo a narrativa: a Batalha de Khe Sahn (1968)

de

Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral

Introdução

Os historiadores e analistas militares costumam dizer que a primeira vítima da guerra e a verdade. Não faltam exemplos ao longo da História. A Guerra do Vietnã é dos melhores exemplos de como os governos usam mentiras, meias verdades, ocultam ou simplesmente censuram informações sobre o que realmente está acontecendo no campo de batalha, que é pródigo em desmentir os governos.

Entre os dias 21 de janeiro e 9 de julho de 1968, ocorreu o cerco da base de combate norte-americana de Khe Sahn.  A Khe Sanh Combat Base (KSBC) era defendida pelo 26º Regimento de Fuzileiros Navais dos EUA reforçado por elementos do Exército da República do Vietnã (Sul – ERV) e da Força Aérea dos EUA (US Air Force). A batalha durou 77 dias e os postos de combate que defendiam a base estivem sob pressão com constantes ataques de artilharia, morteiros, foguetes e assaltos de infantaria.

Em 1962, a KSBC foi sendo constituída a partir da construção de uma pista de pouso, os seus objetivos originais eram o de proteger a população civil e vigiar as fronteiras. A partir das precárias instalações existentes e de um forte, da época da ocupação francesa, as Forças Especiais dos EUA (boinas verdes) realizaram uma série de operações de coleta de informações no Laos.

Em 1967, os US Marines se instalam ao lado da pista de pouso e usavam com base de apoio para suas operações na região da fronteira. Posteriormente, a KBSC recebeu uma série de postos defensivos. Esses postos faziam parte do sistema defensivo estendido, situado abaixo da Zona Desmilitarizada (DMZ) da costa oriental, passando pela Rota 9, e indo até Khe Sanh.

O cerco

A KSBC começou a ser atacada pelo Exército Popular Vietnamita (EVP) no fim de 1967, por patrulhas de combates e fogos de artilharia, aos poucos o EVP foram aumentando o escalão das frações engajadas no combate a base. Os EUA responderam com um campanha de bombardeios aéreos e navais. A Operação de defesa da Khe Sanh Combat Base foi chamada de Operação Escócia.

Aparentemente, o objetivo dos norte-vietnamitas na ação contra a KSBC era atrair as forças dos EUA e do Exército do Vietnã do Sul para a região da fronteira, os afastando das planícies costeira e das cidades onde lançaria a Ofensiva do Tet (31/1 a 23/9 de 1968).

No início de 1968, as 304ª, 320ª, 324ª e 325ª Divisões de Infantaria (um regimento de cada divisão), o 270º Regimento de Infantaria independente; cinco regimentos de artilharia (16º, 45º, 84º, 204º e 675º); três regimentos AAA (208º, 214º e 228º); quatro companhias de tanques; um regimento de engenheiros mais um batalhão de engenheiros independente; quatro companhias de tanques; um regimento de engenheiros mais um batalhão de engenheiros independente; um batalhão de sinalização; e um número de unidades de força local (Viet Cong, VC) iniciaram o ataque a KSBC.

O EPV começou atacando os postos de combate dos Marines nas colinas, que estavam localizadas no perímetro, colinas nº 881 e 861 (Sul). O EPV atacaram com morteiros, foguetes e obuses, além de realizarem pequenas incursões para inquietar e buscar fragilidades na estrutura defensiva.

A batalha

A inteligência norte-americana e as patrulhas de reconhecimento e combate dos Marines descobriram que os norte-vietnamitas estavam cerrando suas tropas cercando a KSCB. No dia 20 de janeiro de 1968, os postos avançados, localizados na colina 881 Sul, foram atacados, logo todo o perímetro estava sendo atacado. Com apoio de artilharia, as forças do EPV conseguiram penetrar no perímetro das defesas e só foram expulsas após duros combates.

A KSBC continuou sendo atacada com foguetes, morteiros e artilharia. No entanto, o EPV não lançou um ataque de infantaria. Os Marines retraíram todos os postos avançados, receberam um batalhão Ranger e um Grupo de Forças Especiais para reforçar as defesas da base. Nessa altura dos acontecimentos, a ofensiva do Tet estava em pleno andamento.

Os norte-americanos lançaram uma série de bombardeios aéreos (Operação Niágara) contra o EPV que cercavam a KSCB.

No dia 30 de janeiro, o EPV, lançou vários ataques contra a KSCB, sem sucesso. No dia 7 de fevereiro, os norte-vietnamitas lançaram assaltos de infantaria, reforçado por blindados e apoiado por fogos de morteiro, foguetes e artilharia. Os Marines, os Rangers, os FE e elementos do ERV resistiam e não cederam terreno, apesar da enorme pressão que sofriam.

Muitos acontecimentos dramáticos se sucederam nesses dias, como a queda de Lang Vei, base dos Boinas Verdes, cujos sobreviventes foram resgatados pelos forças especiais e pelos Marines, patrulhas de combate foram emboscadas e tentativas de incursões por parte do EPV.

Os norte-vietnamitas continuaram pressionando as defesas da base, principalmente, os postos avançados de combate localizados fora do perímetro da base. A KSBC era bombardeada constantemente por fogos de artilharia, morteiros e foguetes, além de sofrer ataques das patrulhas de combate norte-vietnamitas testando as defesas da base. As patrulhas de combate norte-americanas, invariavelmente, entravam em contato com os norte vietnamitas, sofriam emboscadas ou eram repelidas com baixas. Os norte-americanos respondiam com ataques aéreos e fogos de artilharia e morteiros.

Na noite de 28 de fevereiro de 1968, a KSCB foi alvo de ondas de ataque liderados pela 304ª Divisão do EPV, apoiados por artilharia e morteiros. Os norte-vietnamitas só foram barrados a poucos metros das trincheiras norte-americanas. Os ataques do EPV continuaram ao longo da primeira quinzena do mês de março, com graus variados de intensidade, idem para os bombardeios. Os norte-americanos mantiveram a agressividade lançando patrulhas de combate e responde ao fogo com a artilharia da base.

Na segunda quinzena de março de 1968, as patrulhas do Marines identificaram que algumas unidades do EPV haviam se retirado, os ataques de artilharia a base passaram a ser intermitentes, até cessarem completamente.

Em 30 de março, a Operação Escócia foi oficialmente encerrada e o controle da KSCB foi passada para a 1ª Divisão de Cavalaria Aerotransportada do Exército dos EUA, que lançaria uma ofensiva contra o EPV, dentro do contexto da Operação Pegasus.

A Operação Pegasus foi lançada em 1º de abril de 1968, com o objetivo de romper o cerco a KSBC. A ação era liderada pela 1ª Divisão de Cavalaria Aerotransportada, pelos US Marines e elementos do VER, e foi executada com sucesso. O General Westmoreland determinou que a base continuasse ocupada, apesar de todas as fragilidades estratégicas que a KSBC exibia.

Em 11 de junho de 1968, Westmoreland foi substituído pelo General Creighton W. Abrams que ordenou a destruição e evacuação da KSCB, que foi completada em 6 de julho.

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Algumas considerações

O cerco da KSCB representou um desafio logístico, cujas condições meteorológicas eram muito desfavoráveis e o uso da pista de pouso era praticamente inviável, para os aviões, devido ao fogo antiaéreo norte-vietnamita. A solução foi o lançamento de paraquedas e dos helicópteros dos Marines, mas ainda havia o abastecimento, envio de reforços e retirada de feridos/mortos dos postos de combate localizados nas colinas em redor da base e que faziam parte do perímetro de defesa. Nessas missões foram empregados o helicóptero UH-1H Iroquois (Huey), que sofreram perdas consideráveis, mas não deixaram de cumprir sua missão

Os fuzileiros navais encontraram uma solução para o problema do abastecimento. Eles usaram caças-bombardeiros A-4 Skyhawk para suprimir o fogo antiaéreo norte-vietnamita para que os helicópteros pudessem reabastecer, simultaneamente, as posições defensivas localizadas nas colinas. A adoção dessa tática no fim de fevereiro foi decisiva para o reabastecimento desses postos de combate mais distantes. Os helicópteros dos Marines entregaram cerca de 465 toneladas de suprimentos durante fevereiro. Quando o tempo limpou mais em março o valor foi aumentado para 40 toneladas por dia. Apesar de todas as dificuldades a Força Aérea entregou 14.356 toneladas de suprimentos, sendo 8.120 toneladas por paraquedas.

O apoio de fogo pelo ar (por aviões e helicópteros) se mostrou um desafio tecnológico, a fim de localizar as forças inimigas, que cerravam suas posições juto à base, e ataca-las com precisão, sem destruir o perímetro defensivo e as tropas amigas.

Ao final da batalha de Khe Sanh, a USAF realizou 9.691 missões e tinham lançado 14.223 toneladas de bombas conta objetivos dentro da áreas de Khe Sanh. Os pilotos dos Marines tinham voado 7.098 missões e tinham lançado 17.015 toneladas. As tripulações da Marinha dos EUA, muitas das quais redirecionadas da Operação Rolling Thunder contra o Vietnã do Norte, fizeram 5.337 ataques e lançaram 7.941 toneladas na área.

No meio da Batalha, o general William Westmoreland, comandante do Teatro de Operações no Vietnã do Sul, foi aconselhado pelo General Earle G. Wheele, chefe do Estado-Maior dos EUA, que passasse a considerar a possibilidade do uso de armas nucleares táticas, caso a situação se tornasse desesperadora. Westmoreland concluiu que não seria necessário e que conseguiria ganhar a batalha.

Existe uma discussão entre os analistas e historiadores militares se a ofensiva do Tet teria sido uma ação diversionária para facilitar as preparações inimigas para a batalha de Khe Sanh, ou se a batalha de Khe Sanh era uma diversão para atrair a atenção do comando norte-americano das preparações para o lançamento da ofensiva do Tet.

A questão é complexa, pois está ligada aos objetivos dos norte-vietnamitas em relação as duas operações Khe Sanh e o Tet, O fato é que os EPV nunca empenhou a totalidade de suas forças disponíveis na área para tomar a base, já que a maior parte estava comprometida com o Tet, ainda que cerca de 50% das forças empenhadas fossem unidades do Viet Cong.

Westmoreland considerava o ataque a Khe Sanh uma armadilha, no estilo Dien Bien Phu, e agiu de modo a impedir que os norte-vietnamitas tirassem vantagens de uma possível conquista de KSCB, como na negação de empenhar muitas tropas, limitando o envio de reforços e empregando a artilharia e ataques aéreos para destruir o inimigo, que havia concentrado parte seus recursos ao redor da base, tornando um alvo mais fácil. Esta estratégia foi mantida, mesmo em meio a Ofensiva do Tet.

A teoria mais aceita é que o cerco a KSBC e a batalha que se seguiu foi uma ação diversionária dos norte-vietnamitas com o objetivo de atrair a atenção dos norte-americanos para a fronteira, enquanto preparavam e, posteriormente, lançaram a Ofensiva do Tet. Essa ofensiva desmoralizou os norte-americanos e demonstrou que estes não estavam vencendo a guerra, diferente do que Westmoreland e o governo em Washington afirmavam, ou seja, as narrativas são destruídas pela ação no campo de batalha e os norte-vietnamitas provaram isso.

Conclusão

O número de baixas na Batalha de Khe Sahn foram: 205 mortos, 1.668 feridos e 25 desaparecidos. Esses números não incluem as baixas entre as Forças Especiais (principalmente na evacuação de Lang Vei), as tripulações de aviões e helicópteros mortas ou perdidas na área ou as substituições dos Marines mortos ou feridos, enquanto chegavam ou eram retirados da base a bordo das aeronaves. Segundo dados norte-americanos, os norte-vietnamitas tiveram 1.602 mortos, foram feitos sete prisioneiros, e dois inimigo desertaram para o lado dos EUA. A inteligência norte-americana estimou que os norte-vietnamitas sofrearam de 10.000 a 15.000 baixas durante batalha.

As vitórias dos norte-americanos em Khe Sahn e no Tet foram táticas, mas estrategicamente foram derrotados. A Batalha de Khe Sahn, a Ofensiva do Tet, a substituição de Westmoreland e o posterior fechamento da KSBC, demonstram que a liderança política e militar norte-americanos chegaram à conclusão que não poderiam ganhar a guerra por meio convencionais e não cogitavam o uso de armas nucleares. Tanto assim que em 1969, começaram a realizar uma retirada gradual de suas tropas e a adoção da política de vietnamização, indicando claramente que a participação dos norte-americanos no conflito seria cada vez menor a partir de então.

Imagem de Destaque: https://www.aa.com.tr/en/asia-pacific/vietnam-allows-subdued-ceremony-for-vietnam-war-battle/630865

Bibliografia

BRADLEY, Mark Philip. Vietnam at War. New York: Oxford University Press, 2009.

WIEST, Andrew; McNAB, Chris. A História da Guerra do Vietnã. São Paulo: M. Books do Brasil Editora Ltda, 2016.

Links consultados

https://www.tropasearmas.com/A-Batalha-de-Khe-Sanh.html

https://periodicos.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/18536

http://www.militarypower.com.br/frame4-warVietna.htm

http://www.ebrevistas.eb.mil.br/ADN/article/download/5379/4640

https://www.theatlantic.com/politics/archive/2018/01/the-battle-of-khe-sanh-and-its-retellings/551315/

https://www.aa.com.tr/en/asia-pacific/vietnam-allows-subdued-ceremony-for-vietnam-war-battle/630865

https://warfarehistorynetwork.com/2016/01/22/con-thien-hell-on-the-hill-of-angels/

https://dpaa-mil.sites.crmforce.mil/dpaaFamWebInKheSanh

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

7 comentários em “A realidade destruindo a narrativa: a Batalha de Khe Sahn (1968)”

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