Equipe HMD
Após uma década de operações de contra-insurgência, os projetos de força do Exército Frances estão mudando rapidamente para fazer frente aos desafios do novo ambiente de segurança europeu advindos da Guerra da Ucrânia.
Ao mesmo tempo a operação especial russa na Ucrânia está possibilitando a todos os exército tirarem suas próprias conclusões sobre as transformações táticas e tecnológicas, além dos impactos na estratégia e no design das forças armadas.
O novo cenário é o de operações de armas combinadas e em múltiplos domínios, guerra de alta intensidade por longo período de tempo, leva a necessidade de se fortalecer a logística, reformular a tática, de aumentar o efetivos dos exércitos, do número de blindados, da artilharia autopropulsada e de mísseis, de drones, de unidades de guerra eletrônica e cibernética.
O desenvolvimento das capacidades de C4ISR (Command, Control, Communications, Computers, Intelligence, Surveillance, and Reconnaissance), I2CEWS (Intelligence, Information, Cyber, Electronic Warfare and Space) e ISTAR (intelligence, surveillance, target acquisition, and reconnaissance) a fim de ampliaram a consciência situacional no campo batalha e a eficácia dos vários sistemas de armas. A reunião dessas capacidades visando realizar operações de alta intensidade de armas combinadas, centradas em rede e em múltiplos domínios, por longos períodos de tempo tornou-se premente.
O texto abaixo publicado pela The Economist aborda as mudanças mais imediatas que o Exército Francês está fazendo para neste momento e as necessidade para travar a próxima guerra. Aumentar o orçamento só não basta, o desafio é escolher em que tecnologias investir e em que sistemas de combate. Tais escolhas levarão necessariamente a reformular o design da Força em unidades de manobra, que deves ser móveis, flexíveis, dotadas de alto grau de letalidade e eficácia. Para se lutar essa guerra e, principalmente, a próxima, será necessário reformular o processo de formação dos combatentes de modo geral e aperfeiçoar a liderança.
As forças armadas francesas estão planejando uma guerra de alta intensidade
https://www.economist.com/europe/2021/03/31/the-french-armed-forces-are-planning-for-high-intensity-war
Nas florestas e planícies da região de Champagne-Ardenne, onde uma vez as grandes potências entraram em batalha, as forças armadas francesas começam a se preparar para o retorno de um grande conflito. Planejado para o ano de 2023, o Exercício Orion é um exercício divisionário, em grande escala que durará vários dias, baseado provavelmente nos campos de Suippes, Mailly e Mourmelon. Envolverá toda a capacidade militar francesa em uma escala não testada há décadas. O exercício incluirá exercícios de posto de comando, cenários híbridos, simulação e tiro real. Cerca de 12.000 soldados participarão, além da unidades da força aérea e, em uma manobra naval que empenhará um grupo de batalha composto pelo porta-avião francês Charles de Gaulle, navios anfíbios, destroyers, fragatas e submarinos. Forças belgas, britânicas e americanas devem participar. Há outros sinais de que as forças armadas francesas estão passando por uma transformação geracional.
Em janeiro de 2023, o estado-maior estabeleceu dez grupos de trabalho para examinar a prontidão do país para uma guerra de alta intensidade. Os generais franceses consideram que têm cerca de uma década para se preparar para isso. Os grupos de trabalho cobrem tudo, desde a escassez de munição até a resiliência da sociedade, incluindo se os cidadãos estão “prontos para aceitar o nível de baixas que nunca vimos desde a segunda guerra mundial”, disse um participante.
O espectro da guerra de ponta está agora tão difundido no pensamento militar francês que o cenário tem seu próprio acrônimo: HEM, ou hypothèse d’engagement majeur (hipótese de engajamento maior). Os supostos oponentes não são identificados, mas os analistas apontam não apenas para a Rússia, mas também para a Turquia ou um país do norte da África. Isso representa uma mudança sísmica para as forças francesas. Trinta anos atrás, eles faziam principalmente operações de manutenção da paz.
Na última década, os militares franceses se voltaram para a operções contrainsurgência e contraterrorismo, seja no exterior (Operação Barkhane, no Sahel) ou em casa (Opération Sentinelle). Mas em sua visão estratégica para 2030 publicada no ano passado, o general Thierry Burkhard, chefe do Estado-Maior de Defesa francês, pediu a preparação para um conflito de estado contra estado de alta intensidade. “Temos absolutamente que nos preparar para um mundo mais perigoso”, disse recentemente o general Burkhard ao The Economist. Isso requer o que ele chama de “endurecimento” do exército terrestre. Atualmente a França mantém 5.100 soldados no Sahel como parte de Operação Barkhane. Operações futuras “poderiam envolver brigadas ou uma divisão”, significando o desdobramento de 8.000 a 25.000 soldados. A necessidade de mudança de escala na próxima década, diz o general, exigirá um misto de reformas: recrutamento mais exigente; investimento em equipamentos modernos; estruturas organizacionais mais simples para tornar o exército mais ágil; e treinamento reforçado para um grande conflito. “Seremos testados cada vez mais brutalmente”, diz ele. “Precisamos perceber isso.”
Aqui percebemos que os franceses vão reformular sua ordem de batalha, voltando a desdobrar brigadas e divisões, em vez de forças-tarefas nucleadas em batalhão, a exemplo do BTG russo. Essas forças serão um misto de unidade blindadas e mecanizadas de grande mobilidade e letalidade. (Comentário HMD)
Quando Emmanuel Macron foi eleito presidente em 2017, as forças armadas inicialmente duvidaram de seu compromisso com os gastos militares. Depois de impor uma rodada de cortes de curto prazo, ele discutiu publicamente com o general Pierre de Villiers, então chefe do Estado-Maior Conjunto, levando o general a renunciar.
Os europeus passaram anos investindo nas capacidade C4ISR (Command, Control, Communications, Computers, Intelligence, Surveillance, and Reconnaissance), I2CEWS (Intelligence, Information, Cyber, Electronic Warfare and Space) e ISTAR (intelligence, surveillance, target acquisition, and reconnaissance) a fim de ampliaram a consciência situacional no campo batalha e a eficácia dos vários sistemas de armas. No entanto, negligenciaram o investimento em redes de inteligência humana e investindo em . A guerra da Ucrânia também está levando a uma reformulação da área de inteligência. (Comentário HMD)
Para um melhor entendimento dessa parte do texto que trata do orçamento, sugerimos que leia o artigo https://historiamilitaremdebate.com.br/a-transformacao-do-exercito-frances-sob-o-impacto-da-guerra-da-ucrania-parte-1/
Desde então, porém, Macron manteve a promessa de campanha de investir pesadamente nos soldados da França. O orçamento de defesa para 2019-25 teve um grande impulso, elevando os gastos anuais para € 50 bilhões (R$ 268 bilhões) até o final do período, quando estará 46% acima do nível de 2018. Ponderado para os anos posteriores, o orçamento permite que os planejadores militares pensem no futuro, comprem equipamentos e se reorganizem. “É a primeira vez na memória que temos um ajuste razoável entre os documentos de planejamento e o orçamento alocado”, diz François Heisbourg, da Fundação de Pesquisa Estratégica de Paris. Isso também significa que a França agora cumpre seu compromisso da OTAN de gastar pelo menos 2% de seu PIB em defesa.
O núcleo da modernização militar francesa é o programa Scorpion, um projeto de US$ 6,8 bilhões (R$ 34 bilhões) para substituir praticamente todos os veículos motorizados e blindados da linha de frente do exército, atualizar o tanque Leclerc da década de 1990 e conectar todos eles em uma nova rede digital. A ideia é que uma primeira brigada Scorpion totalmente equipada esteja pronta até 2023. Rémy Hémez, oficial e pesquisador francês, diz que nos 15 anos entre 2010 e 2025 o equipamento do exército terá mudado mais do que nas quatro décadas entre 1970 e 2010.
Marchas, Marchas
Em muitos aspectos, a abordagem da França para a guerra futura difere da visão de alta tecnologia recentemente revelada pela Grã-Bretanha. Enquanto a Grã-Bretanha está cortando tropas e blindados, a França está mantendo 60% a mais de soldados do que a Grã-Bretanha planeja ter 50% a mais de tanques. Tem sido relativamente lenta em adquirir e armar drones. “Há um grande risco de ficar para trás à medida que a automação no campo de batalha se acelera”, alertou um relatório do think-tank Institut Montaigne. De fato, os oficiais franceses tendem a ser mais céticos do que os britânicos ou norte-americanos de que a tecnologia transformará o campo de batalha. “A tecnologia nunca é 100% eficaz”, adverte o general Burkhard. “Os soldados devem sempre poder lutar de forma degradada… quando a tecnologia não funcionar mais.”
Isso não significa que a França esteja ignorando novos domínios de guerra, o espaço, em particular, é uma prioridade. Em setembro do ano passado, a Força Aérea da França (Armée de l’air) tornou-se a Força Aérea e Espacial (Armée de l’air et de l’espace), tendo anteriormente estabelecido um novo comando espacial militar em Toulouse. As forças armadas francesas também estão expandindo sua guerra de informações e capacidades cibernéticas.
Em dezembro de 2020, o Facebook e o Instagram removeram uma rede de 100 contas falsas vinculadas às forças armadas francesas depois que elas brigaram com outras apoiadas pela Rússia na República Centro-Africana e no Mali, entre outros campos de batalha africanos onde os dois países disputam influência.
À medida que a França começa a preparar suas forças armadas para todas essas novas formas de guerra, porém, há uma série de sérios desafios. A experiência no Sahel, diz o general Burkhard, é “inegavelmente uma força real”. Em uma vasta área de matagal semi-árido, soldados e forças especiais participam de operações de combate de alto risco, desafiadora técnica e taticamente. O exército francês registrou 57 mortes desde 2013. No entanto, Barkhane é um conflito altamente assimétrico, no qual os franceses desfrutam da supremacia aérea, sem interferência nas comunicações ou ameaça de drones, mísseis ou ataques cibernéticos.
O outro problema é que as forças francesas estão sendo puxadas em várias direções ao mesmo tempo. Em meados de março, uma dezena de tanques franceses, 160 veículos blindados e 300 soldados chegaram a Tapa, na Estônia. Eles foram a última contribuição francesa para os grupos de batalha da OTAN estacionados na Polônia e nos estados bálticos para impedir um (possível) ataque russo. De fato, o pessoal militar supõe que futuros engajamentos seriam ao lado de aliados – se não a OTAN, pelo menos com os Estados Unidos ou em uma coalizão. Esses esforços de modernização são consistentes tanto com as prioridades da OTAN, quanto com o desejo de Macron de que a Europa reforce suas defesas nativas, embora a França e outros continuem dependendo do apoio americano para ativos essenciais, como transporte aéreo e defesa aérea.
Além da Europa Oriental, a França está cada vez mais preocupada com o sul. No Mediterrâneo Oriental, a França e a Turquia brigaram por causa da Líbia, Síria e Chipre, levando Macron a enviar dois aviões de guerra e uma fragata para as águas gregas em agosto passado. A França também está profundamente envolvida no Indo-Pacífico, onde seus territórios ultramarinos contêm 1,6 milhão de cidadãos franceses e 7.000 soldados. A França mantém uma presença naval constante na área. O problema é que a marinha tem apenas 15 grandes navios de superfície para lidar com todas essas questões, aponta o almirante Pierre Vandier, chefe do estado-maior naval da França.
“Todos nós, europeus, estamos em gelo fino. Podemos estender nossas forças entre ir bem no Atlântico, ir bem no Mediterrâneo, ir bem no Golfo e ir bem no Indo-Pacífico.” Priorizar entre eles não é mais um trabalho para as forças armadas”, diz ele, mas “uma decisão política” para Macron, ou para seu sucessor. “Teremos escolhas a fazer, com certeza.”
Macron da França propõe grande aumento no orçamento de defesa
O presidente francês, Emmanuel Macron, detalhou planos para um grande reforço das forças armadas, para enfrentar ameaças modernas, incluindo a guerra da Rússia na Ucrânia. O próximo orçamento de sete anos aumentaria para € 413 bilhões (£ 360 bilhões) de 2024 a 2030, acima dos € 295 bilhões, disse ele. Primeiro, a França teve que reparar e reabastecer suas forças armadas, depois transformá-las, disse ele, aos soldados na base aérea de Mont-de-Marsan, no sudoeste da França. “Não devemos fazer o mesmo com mais, temos que fazer melhor e diferente.”
A invasão da Ucrânia pela Rússia levou os países ocidentais a rever os gastos militares – e, em muitos casos, aumentá-los significativamente. Enquanto isso, o Kremlin delineou planos para aumentar o número de soldados de 1,15 milhão para 1,5 milhão. O presidente Vladimir Putin disse esta semana que a poderosa indústria de defesa da Rússia não deixou dúvidas de que a vitória na Ucrânia estava garantida. O presidente Macron reconheceu na sexta-feira que não havia mais “dividendos de paz” pós-Guerra Fria agora que a Rússia invadiu a Ucrânia, então o objetivo era renovar um exército que protegesse a liberdade, segurança, prosperidade e lugar da França no mundo. A chave para suas reformas é um aumento de 60% no orçamento de inteligência militar, adaptando-se a conflitos de “alta intensidade” com investimentos em drones, defesa cibernética e defesas aéreas aprimoradas. “Precisamos estar uma guerra à frente”, alertou.
O fracasso da França em prever a invasão russa em fevereiro passado custou o cargo ao chefe da inteligência militar, general Eric Vidaud. O chefe das forças armadas admitiu na época que a inteligência dos EUA e do Reino Unido havia lido a situação corretamente. A França intensificou sua ajuda militar para a Ucrânia nas últimas semanas, com planos de enviar “tanques leves de combate” AMX-10 RC, mas seu fornecimento de armas para Kiev é visto como ficando atrás, em relação a outros aliados europeus. No ano passado, a França encerrou uma operação antijihadista de oito anos na região do Sahel, na África, que foi amplamente vista como um fracasso. O presidente Macron disse que a França teria que repensar suas alianças, mantendo-se como líder na Europa e um aliado confiável da OTAN, e aprofundando suas relações com Alemanha, Reino Unido, Itália e Espanha. A guerra russa mudou as prioridades de defesa em toda a Europa, com a Suécia e a Finlândia anunciando aumentos acentuados em seus orçamentos militares como parte de sua tentativa de ingressar na Otan. Os membros da aliança militar ocidental concordaram em gastar pelo menos 2% da produção econômica em defesa a partir de 2024. Dias após a invasão em fevereiro de 2022, a Alemanha prometeu € 100 bilhões extras do orçamento para as forças armadas. Em junho de 2022, o Reino Unido prometeu, sob o primeiro-ministro anterior, Boris Johnson, aumentar os gastos para 2,5% do PIB. No mês passado, o Japão anunciou um aumento dramático em seu orçamento de defesa, por causa do que o primeiro-ministro Kishida Fumio alertou ser o “ambiente de segurança mais severo e complexo desde a Segunda Guerra Mundial”. Ele citou ameaças da China e da Coreia do Norte.
Comentário HMD
A França como a maioria dos estados europeus negligenciou o setor de defesa nos último 30 anos. A UE/OTAN se acomodou devido à presença militar norte-americana, não observaram que a Rússia, de Vladimir Putin, desde 1999, se reforçava militarmente, ao mesmo tempo em que aprofundava laços de econômicos, criava dependência dos europeus em relação a várias commodities. Nem mesmo a invasão da Criméia (2014) os tirou da letargia ou mudou esse quadro.
Atualmente, a França tem a maior e mais bem equipada Força Armada da Europa. Sua estratégia de defesa é baseada na dissuasão nuclear e na luta junto com a OTAN contra a Rússia. Tem um capacidade expedicionária muito boa, mas no momento está sobrecarregada, devido à falta de meios e efetivos diante de tantos compromissos. Tem presença e vantagens comparativas contra inimigos de menor capacidade de combate, além de dispor de algum nível de capacidade de dissuasão convencional na maioria dos TO em que atua. No entanto, não tem capacidade de lutar contra um estado de igual capacidade, sem os seus aliados da OTAN, na maioria dos TO onde atua.
A maioria dos estados europeus está no nível inferior ao francês, por exemplo o Reino Unido, a segunda maior Força Armada da Europa, apesar de gastar mais do que a França (£48.4 bilhões de libras ou R$ 298 bilhões), o Exército e a Força Aérea britânica tem capacidades inferiores.
Imagem de Destaque: https://www.armadainternational.com/2023/04/french-army-pursues-loitering-munitions/
Referências Bibliográficas
https://www.economist.com/europe/2021/03/31/the-french-armed-forces-are-planning-for-high-intensity-war
https://www.lemonde.fr/en/international/article/2023/02/24/massive-military-exercise-in-southern-france-prepares-soldiers-for-high-intensity-warfare_6017191_4.html
French Army at a Turning Point
https://www.lemonde.fr/en/politics/article/2023/01/20/macron-presents-significant-increase-in-military-spending-until-2030_6012339_5.html
https://www.army-technology.com/comment/french-army-scorpion-defense-consortiums/
Tradução, adaptação, comentários e inserção de imagens: Prof. Dr. Ricardo Cabral
