ANÁLISE TÁTICO-OPERACIONAL DOS FRONTS DE KHARKIV, KHERSON E VUHLEDAR

de

Rodolfo Queiroz Laterza¹ e Ricardo Cabral²

O conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia, deflagrado em 24 de fevereiro deste ano a partir de um ataque maciço por parte das Forças Armadas Russas em diversas infraestruturas críticas da Ucrânia e em diferentes eixos, uma série de problemas táticos e logísticos os fizeram abandonar os eixos norte e leste, em favor dos eixos sudeste e sul. Após esse ajuste, teve início a segunda fase, no começo de maio, em batalhas desenvolvidas em Donbass, dentro da estratégia russa de consolidação de seus objetivos de domínio e controle das áreas e assentamentos não ocupados das Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk (não reconhecidas pela ONU).

Apesar do foco predominantemente do conflito se situar em uma cadeia de eventos sucedida em Donbass, há uma dinâmica beligerante de significativa relevância em outros eixos, principalmente em Kharkiv, Vuhledar e na frente inteira da região de Kherson, com batalhas diárias que repercutem em toda perspectiva de desenvolvimento do conflito.

Faremos uma análise sobre tais eixos, a fim de fazer algumas considerações sobre os possíveis cenários para a continuidade das operações na Ucrânia, durante o verão de 2022.

https://twitter.com/JominiW/status/1541582909177470976/photo/1

1. A FRENTE DE KHARKIV: UMA NOVA OFENSIVA RUSSA? OU O FORTALECIMENTO DAS POSIÇÕES DEFENSIVAS NO PERÍMETRO OPERACIONAL?

Diversas fontes de analise, tal como o Institute for Study of War, think tank norte -americano (ISW), especializado em assuntos militares, citando uma fonte do Estado-Maior ucraniano, corroborou em vários ensaios, que as tropas russas concentraram novos BTGs (Batalhões Tático-Operacionais, entre 600-800 soldados, com capacidade independente e atuação tático-operacional descentralizada) do Distrito Militar Ocidental russo, em torno da cidade de Kharkov. A razão também é mencionada: supostamente para proteger posições anteriormente ocupadas e manter fogo de artilharia sistemático sobre posições ucranianas retomadas em contraofensiva desenvolvida na primeira quinzena de maio, que empurrou forças russas até próximo à fronteira e estabeleceu um perímetro de segurança de 40 km dos limites da cidade de Kharkiv. A contra ofensiva ucraniana da primeira quinzena de maio aproveitou os vários flancos vulneráveis das unidades russas presentes neste fronte, diversos assentamentos da área norte de Kharkiv eram fracamente defendidos por reservistas locais, mobilizados nas áreas dominadas, por forças russas e da República Popular de Luhansk. Estas tropas eram mal treinadas e concentradas em posições de observação. Essa vulnerabilidade, à época, foi duramente criticada por diversos analistas militares russos, pelo que chamaram de negligência do Ministério da Defesa em um eixo estrategicamente tão importante.

https://www.metropoles.com/mundo/russia-comeca-batalha-de-donbass-com-grande-ofensiva-na-ucrania

Na segunda quinzena de maio, a partir de Belgorod, os russos se viram diante da ameaça de tropas ucranianas atacarem mais cidades fronteiriças e prejudicarem o abastecimento de suprimentos até Izium. A fim eliminar essas ameaças, aproximadamente, 5 BTGs das forças russas foram reagrupados e uma contraofensiva foi lançada, permitindo a retomada de diversos assentamentos e cidades (tal como ocorreu na segunda quinzena de junho, quando as tropas russas recapturaram Ternovaya e Izbitskoye) diminuindo a distância em 10 km dos limites de Kharkiv, do perímetro operacional e afastando as forças ucranianas das cidades russas próximas a fronteira.

Diversos ataques aéreos e de mísseis de cruzeiro realizados, recentemente, contra centros de comando e controle em Kharkiv, prejudicaram a operacionalidade de algumas unidades. O Batalhão Nacionalista Kharken teve sua sede destruída em ataque por mísseis de cruzeiro supostamente lançados de TU-22, resultando em mais de 100 mortos. Além disso, especialistas americanos da Stratfor, com base em dados de satélite, relataram que “os russos concluíram a construção de uma ponte sobre o rio Oskol, perto da vila de Kupyansk-Uzlovaya, perto da ponte ferroviária destruída, e agora podem usá-la para transferir quaisquer forças.

A batalha para tomar Kharkiv levará meses de pesados e encarniçados combates, pois além de ser uma grande cidade, densamente povoada e com muitas indústrias, as forças ucranianas estão concentradas em áreas taticamente difíceis de serem atacadas, como arranha-céus, centros governamentais, universidades, shoppings entre outras edificações.

Além disso, em Kharkiv as forças ucranianas posicionaram unidades veteranas e poderosas, incluindo a 4ª brigada de tanques separada, a 92ª brigada mecanizada separada, o 22º batalhão nacional formado, em 2014, com cerca de 450 combatentes, a 81ª brigada aeromóvel separada, que participou ao lado dos Estados Unidos da guerra contra o Iraque, da 3ª Brigada Operacional, a 5ª Brigada da Guarda Nacional Separada e a 113ª Brigada de Defesa Territorial. São cerca de 30 mil combatentes, que têm experiência em combate, inclusive junto com forças da OTAN, e que passaram por exercícios especiais, no campo de treinamento de Yavorovsky, sob a instrução de militares da OTAN.

https://www.forte.jor.br/2022/06/12/russia-dispara-ate-50-mil-tiros-de-artilharia-por-dia-ucrania-so-pode-revidar-com-cerca-de-5-mil/

Na direção de Kharkiv, ressalte-se, que as Forças Armadas da Ucrânia ainda mantêm a linha Udy-Prudyanka- Tishki-Verkhny Saltov, com posições fortemente defensivas e com emprego de reforços consideráveis no início de julho. Em Odnorobovka e Oleksandrivka, está ocorrendo um recrutamento forçado de cidadãos para as Forças Armadas da Ucrânia, enviados para campos de treinamento ao norte de Kharkov.

No momento, os principais esforços das tropas ucranianas estão focados em abrir brechas nas posições das Forças Armadas Russas, ao longo da linha de contato e realizar ataques pontuais em alvos pré-identificados.

Quanto às forças russas, de acordo com a ISW, as unidades do 1º Exército Blindado de Guardas, os 6º e 20º Exércitos de armas combinadas, bem como a 200ª brigada de fuzileiros motorizados separados, estão concentradas na direção de Kharkov. Estamos falando de 17 grupos táticos de batalhão com um número total de 13 a 14 mil soldados, novamente ocorrendo um grande desnivelamento em efetivo mobilizado entre as forças beligerantes, com grande desvantagem numérica de forças russas, que focalizam sua tática na superioridade de poder de fogo em sistemas de artilharia, ataques de mísseis de cruzeiro e aviação tática de combate.

2. AS MAL-SUCEDIDAS CONTRA -OFENSIVAS UCRANIANAS NA ÁREA DE VUHLEDAR

Entre 23-25 de junho, as forças ucranianas desdobradas em Vuhledar, no eixo sul de Donetsk, realizaram uma contraofensiva para retomar alguns assentamentos ao sul daquela cidade. As FAU atacaram Pavlivka, Schevchenko e Ivanovikha. Aproveitando-se da baixa quantidade de defesas russas na área, as forças ucranianas ocuparam, por alguns dias, tais assentamentos, que estavam em ruínas, devido aos inúmeros bombardeios de artilharia. Após essa ação, os ucranianos permitiram o reagrupamento de forças russas em linhas de defesa em segundo nível. Nos dias 28-29 de junho, os russos realizaram sucessivas concentrações de fogos de artilharia e ataques aéreos, que levaram a enormes perdas ucranianas, cujas forças remanescentes recuaram para suas posições originais em Vuhledar. Essa cidade, amplamente fortificada, resistiu a inúmeros ataques frontais das forças separatistas de Donetsk e russas, em batalhas posicionais de desgaste e atrito, que resultaram em grandes perdas humanas e materiais para os russos.

https://exame.com/mundo/russia-intensifica-bombardeios-na-ucrania/

A tática ucraniana de realizar contraofensivas diversionistas neste eixo, se revelou inócua quanto aos resultados obtidos, pois não tinham forças suficientes para ocupar tais assentamentos e estabelecer posições fortificadas. Além disso, as unidades empenhadas se expunham a retaliação russa. Verificamos nesse episódio, a mesma abordagem ocorrida em Severodonetsk, cuja contraofensiva resultou em retomada de poucos quarteirões do centro da cidade e expôs unidades ucranianas e mercenárias bem treinadas a pesadas perdas.

3. OS QUESTIONÁVEIS RESULTADOS DAS SUCESSIVAS CONTRA -OFENSIVAS UCRANIANAS EM KHERSON

Em 29 de maio, às 22h30, as Forças Armadas da Ucrânia decidiram lançar um novo ataque na direção de Beryslav. Este ataque ocorreu no dia seguinte, no mesmo local, onde um batalhão inteiro entrou em emboscada de artilharia e foi destruído, no contexto de uma espécie de operação de reconhecimento em força com um triste resultado para as Forças Armadas da Ucrânia.

Nesta mesma data, o vice-chefe da administração militar-civil da região de Kherson, Kirill Stremousov, anunciou que as tentativas dos ucranianos de romper a linha de defesa na região de Kherson, afirmando que as tropas ucranianas tentaram duas vezes romper a linha de defesa na região de Kherson, perto da vila de Davydov Brod foram mal sucedidas. As FAU tentaram invadir os assentamento, tomar a cabeça de ponte e cortar as ligações entre as regiões de Kherson e Zaporozhye, mas foram derrotados e sofreram perdas muito pesadas, com cerca de 70 mortos e dezenas de equipamentos destruídos, dentre MBTs e APCs.

Essas contraofensivas ucranianas parecem se destinar a elevar a moral política de sua resistência, mas os resultados não são compensadores, em relação as perdas sofridas e que poderiam ser evitadas.

O comando das FAU pretende realizar uma nova contraofensiva, em determinados setores da frente de Kherson, utilizando ataques frontais nas primeiras linhas de defesa russas. A fim de avaliar a situação na área de Blagodatnoye e Shesternya, dois grupos de inteligência eletrônica manobráveis ​​foram enviados em 07-08 de julho.  Na direção de Nikolaev, as unidades ucranianas pretendiam realizar vários ataques de sabotagem à noite nas posições das Forças Armadas da Rússia nas direções de Posad-Pokrovskoye-Stepovaya Dolina.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/01/entenda-a-crise-entre-a-russia-de-putin-a-ucrania-e-as-forcas-da-otan.shtml

No entanto, as tropas russas detectaram os planos das FAU e realizaram um bombardeio NAS posições ucranianas em Posad-Pokrovsky, Stepova Dolina, Novogrigorovka. Em decorrência da força de tais ataques, o 28° Batalhão de Defesa Territorial e o 59° Batalhão sofreram inúmeras perdas de acordo com fontes até ocidentais. Várias dezenas de soldados ucranianos feridos foram enviados para Nikolaev. Os militares das FAU em Posad-Pokrovsky deixaram o assentamento sem permissão, recusando-se a realizar contra-ataques frontais. Atualmente, a guarnição de Posad-Pokrovsky está muito reduzida, a vila está localizada na “zona cinzenta”, assim como inúmeras áreas ao norte da primeira linha de defesa russa da frente de Kherson.

Uma situação semelhante ocorreu no final de junho em Stepovaya Dolina, onde o pessoal do 2º batalhão do 28º Ombre teve mais de 20 baixas em dois dias.

Na direção de Krivoy Rog, confrontos de baixa intensidade ocorreram na linha Lozovoye-Zarechnoye. Grupos de assalto ucranianos, apoiados por aeronaves táticas, tentaram se firmar na zona cinzenta deste setor da frente.

Na direção de Yuzhnobugsky, os russos estão concentrando seus principais esforços a fim de manter as linhas ocupadas e exercer influência, pelo fogo, sobre unidades ucranianas, visando impedir o reagrupamento de tropas. Além disso, os russos estão empenhando novos meios nas posições avançadas, construindo pontos de tiro de longo prazo, em linhas de defesa em três níveis. Como resultado do bombardeio de morteiros e artilharia por unidades das Forças Armadas Russas, as forças ucranianas que avançam na área de Davydov Brod, neste caso o 63º Batalhão de Defesa, sofreu perdas e o pessoal recuou para as suas próprias linhas.

Na data de 08-09 de julho, o Comando das Forças Armadas da Ucrânia “Sul” lançou unidades da 28ª brigada de infantaria motorizada separada e da 59ª brigada de infantaria motorizada, bem como várias unidades de apoio, na ofensiva contra Posad-Pokrovskoye e Stepovaya Dolina. Toda essa força, taticamente relevante, foi atacada pela artilharia russa e sofreu perdas consideráveis, situação agravada pela característica do terreno na frente de Kherson, formada por grandes monoculturas de trigo, centeio e girassol poucas florestas e campo muito aberto, o que dificulta ataques frontais.

A situação na direção de Kherson, englobando a linha Nikolaev-Krivoy Rog, permanece tensa e com escaramuças diárias. As FAU estão tentando romper a linha de defesa das Forças Armadas Russas em diferentes setores desta frente, conforme exemplificado. Apesar das declarações barulhentas de mídias propagandistas ucranianos e russas sobre vitórias pontuais em um ou outro assentamento, as tentativas ucranianas terminam em pesadas perdas e recuam para as linhas anteriores. Esse fato gerou uma crise entre o Comando das Forças Armadas da Ucrânia e o gabinete do Presidente Zelenski, favorável a contraofensivas diversionistas.

https://jovempan.com.br/noticias/mundo/ucrania-coloca-destino-de-severodonetsk-nas-maos-do-ocidente-batalha-acaba-em-ate-tres-dias-se-enviarem-armas.html

Isso pode explicar uma nova abordagem tático-operacional ucraniana de dias atrás com melhores resultados:  ataques a alvos estáticos de interesse militar na região de Kherson usando sistemas de mísseis Tochka-U OTRK e do sistema HIMARS MLRS, que resultaram em destruição de alguns depósitos de armas e munições.  As táticas ucranianas de ataques de longo alcance, demonstram o objetivo de infligir o máximo de dano possível nas áreas sob controle das Forças Armadas Russas, evitando-se tentativas fracassadas de rompimento de linhas de defesa por motivos mais políticos do que militar e que geraram perdas evitáveis.

Considerações Parciais

Em nosso entendimento, as forças russas ainda não possuem efetivo suficiente para expandir na frente de Kherson, nem tomar Mikolayev, cidade fluvial densamente povoada e cujo cerco russo em março não resultou em êxito. Ao que parece os russos estão concentrando seus esforços em dominar inteiramente o Donbass, mas tendo as outras frentes estabilizadas em fortes posições defensivas.

A FAU até o momento não conseguiram deter o avanço russo na região de Donbass, mesmo tendo recebido inúmeros meios de combate e treinamento da OTAN.

Kiev espera que a partir de agosto, quando pretende realizar uma contraofensiva no Donbass, a maré mude a seu favor.

Vamos continuar acompanhando o conflito, para manter, Você, nosso leitor muito bem informado!!!

Imagem de Destaque: https://jovempan.com.br/noticias/mundo/ucrania-coloca-destino-de-severodonetsk-nas-maos-do-ocidente-batalha-acaba-em-ate-tres-dias-se-enviarem-armas.html

4. Fontes consultadas:

https://www.understandingwar.org

https://jamestown.org/

https://www.criticalthreats.org/

https://www.foreignaffairs.com/articles/russian-federation/2022-06-14/ukraine-war-russia-why-fails

https://babel.ua/en/news/79147-institute-for-the-study-of-war-counterattack-of-the-armed-forces-of-ukraine-in-kherson-oblast-breaks-russian-plans-for-occupation-of-the-region

https://svpressa.ru/war21/

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Autores:

¹ Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública

² Mestre e Doutor em História Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ, professor-colaborador e do Programa de Pós-Graduação em História Militar Brasileira (PPGHMB – lato sensu), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO e Editor-chefe do site História Militar em Debate e da Revista Brasileira de História Militar. Website: https://historiamilitaremdebate.com.br

Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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