As transformações geopolíticas na Europa e o conflito no Leste Europeu

de

Profº. Dr. Ricardo Pereira Cabral

Em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia. A principal justificativa russa era impedir a adesão da Ucrânia a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), há outras alegações como desnazificação do país, proteger as regiões separatistas de Donetsk e Lugansk, forçar Kiev a aceitar a anexação da Crimeia.

Neste pequeno ensaio vamos fazer uma breve análise das consequências geopolíticas atuais da invasão da Ucrânia.

A OTAN está se expandindo em direção ao Leste, desde 1997, em termos geopolíticos, isso significa que Bruxelas considerava a Rússia, no mínimo, uma ameaça. Nós já abordamos em outros ensaios aqui no site, os acordos que os Estados Unidos e a OTAN quebraram com os russos, ao realizarem essas expansão, bem como a percepção de ameaça que essa expansão representava para os russos. Podemos afirmar, que em termos estratégicos, apesar da desintegração da URSS, o pensamento estratégico norte-americano mantinha suas suas bases vinda da Guerra Fria.

No entanto, havia uma dicotomia entre a questão da segurança e a economia. Neste sentido podemos afirmar que a expansão da OTAN ocorria mais pelos interesses estratégicos e econômicos norte-americanos, do que que os imperativos de segurança europeia. Assim a incorporação de cada antiga república soviética ou estado-satélite da URSS representava um aumento do capital político norte-americanos, de prestígio e a abertura de um novo mercado para as indústrias, principalmente, a de armamentos fabricados pelos Estados Unidos.

No entanto, as ligações econômicas existentes entre os antigos membros do sistema soviético foram sendo expandidas para o restante da Europa, principalmente, em relação as commodities (gás, petróleo, carvão, trigo, cevada, centeio, girassol entre outros produtos). A consequência foi a criação de laços de dependência europeia em relação a esses produtos russos.

A percepção de que a Rússia não era um ameaça à segurança europeia pode ser observada pelos baixos gastos militares que os membros do continente da OTAN faziam. Desde George W Bush, passando por Barak Obama e chegando a Donald Trump, os presidentes norte-americanos estimulavam os países membros a gastarem pelo menos 2% do PIB em defesa, algo que não ocorria devido ao baixo nível de percepção de ameaça. Observem que esses números são posteriores a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014. Observem o gráfico abaixo:

Como vemos acima, os antigos estados satélites soviéticos estavam com gastos militares acima de 2% do PIB por estarem adaptando suas estruturas militares a Aliança e estavam renovando o seu arsenal militar. Os Estados bálticos (Polônia, Estônia, Letônia e Lituânia) tiveram e tem uma série de atritos com os russos nos últimos anos. Tais Estados tem Moscou como uma ameaça real à sua segurança e demandaram da OTAN uma presença maior nos seus territórios. O caso da Grécia é específico, o seu orçamento é maior devido as suas disputas territoriais com a Turquia. O Reino Unido tem gasto em torno de 2,2% do PIB e é o maior orçamento europeu. Lembro, que a política externa de Londres e completamente alinhada e subordinada à Washington.

Desde o início de seu mandato a administração Joe Biden tem tido relações conturbadas em relação a Rússia, antes mesmo da invasão da Ucrânia, os EUA começaram a impor uma série de sanções contra Moscou. Com a invasão Biden comparou a Rússia a Alemanha nazista e fez uma série de ofensas pessoais ao presidente Vladimir Putin. A estratégia da administração Biden é marginalizar a Rússia do sistema internacional isolando-a nas instituições internacionais, por intermédio das sanções limitar as capacidades russas em “financiar a guerra” e ganhar esses mercados para a economia norte-americana.

Vamos deixar claro que não existe justificativa legal ou moral para a invasão da Ucrânia pelos russos. Estamos diante de disputa geopolítica entre os Estados Unidos e a Rússia. Em que está tomou a decisão estratégica de eliminar, aquilo que considera, mais uma ameaça na sua fronteira, ou seja, a adesão de Kiev à Ucrânia. Neste sentido, ocupar o leste e o sul da Ucrânia, a região mais rica e com o maior número de falantes russos do país, faz todo o sentido para Moscou, ainda que seja ilegal e que pode gerar consequências imprevisíveis. Pior, o efeito gerado, até o momento, é o contrário, vejamos:

– a guerra se arrasta, com grande perdas para os russos desproporcionais aos objetivos atingidos;

– a OTAN que estava em crise, se fortaleceu;

– os estados-membros da OTAN estão aprovando aumentos significativos dos seus orçamentos militares (em que as indústria norte-americanas são as maiores beneficiárias);

– coordenado por Washington foram tomadas uma série de medidas visando reforçar as capacidades militares de Kiev, com envio de grandes quantidades de material bélico e recursos para a contratação de mercenários;

– existem informações que os Estados Unidos e o Reino Unido enviaram várias equipes de operadores de forças espaciais para atuarem junto aos ucranianos;

– Finlândia e Suécia, países tradicionalmente neutros, estão em tratativas para a adesão à OTAN, ampliando as tensões já existentes no Báltico.

Se confirmarem a adesão à OTAN, Suécia e Finlândia vão aumentar as capacidades da OTAN e provocar um reforço das forças russas no Ártico e no Báltico. Os russos já informaram que caso os dois países adiram a OTAN vão implantar armas nucleares em Kaliningrado e no Báltico, como forma de balancear a relação de forças na região.

A Finlândia é a mais exposta a alguma intervenção de Moscou, tem 1.300 km de fronteiras terrestres e sua economia tem forte relações com os russos. Lembro que a União Soviética e a Finlândia já entraram em guerra, em 1939-1940 e em 1941-1944, que foram muito duras e que resultaram em perdas territoriais limitadas para os finlandeses. Já a Suécia não se envolve em guerras há mais de 200 anos. No caso da adesão dos dois países à Aliança Atlântica terão que aumentar significativamente os seus orçamentos militares e passaram a ser alvo dos russo. O preço a ser pago para aumentar a sua percepção de segurança. A grande vantagem para a OTAN é que o Báltico estará sob seu controle, permitindo bloquear a Esquadra do Báltico (russa) no Golfo da Finlândia.

A expansão da OTAN não se resume à região geográfica na qual, teoricamente, deveria operar: o Atlântico Norte. A organização possui uma série de iniciativas para cooptar aliados informais, tais como o Diálogo Mediterrâneo, que inclui países como Israel, Jordânia e Egito, e a Iniciativa de Cooperação de Istanbul, que conta com Bahrein, Kuwait, Catar e Emirados Árabes Unidos. Na América Latina, a Colômbia é o único parceiro extra regional, mas mantém relações próximas com o Brasil. Na África, com a Tunísia e o Marrocos. Na Ásia, a China tem cada vem mais se incomodado com a presença da OTAN na cooptação de novos parceiros, além da Coreia do Sul e Japão (1989) e as Filipinas (2003), além da realização de exercícios militares. Taiwan tem uma parceira informal com a Otan (2003) que Beijing se quer admite reconhecer e não admite interferência nos “assuntos internos” chineses.

Outro efeito da Guerra na Ucrânia é a formação de uma aliança entre Rússia e China com impacto global, pois agregaria vários outros países que não aceitam a “liderança” norte-americana e de seus aliados (União Europeia, Canadá, Coreia do Sul, Japão e Austrália). O novo bloco, não seria tão coeso como o bloco comunista, liderado pela extinta União Soviética, mas reuniria capacidades bélicas e econômicas, no mínimo, muito próximas ao “Ocidente”.

Conclusão  

Em nosso entendimento a Rússia cometeu um erro estratégico grosseiro ao querem impor sua vontade pelas armas, pois a adesão à OTAN é uma questão de soberania e está ligada a percepção de ameaça, neste caso, a representada por Moscou.

A OTAN, instrumento militar euro-norte-americano, mas completamente subordinada à Washington, se comporta como uma força desestabilizadora e na maior parte das vezes de forma ilegal, de acordo com o direito internacional.

Com relação a Guerra na Ucrânia, na hipótese mais favorável aos russos, ou seja, que atinja seus objetivos estratégicos, no fim só aumentará o nível da percepção da ameaça ou de insegurança e os custos de manter uma panóplia militar para fazer frente a uma ameaça militar do calibre da OTAN. Além disso, os russos terão que arcar com uma guerra de baixa intensidade, financiada pelo Ocidente, nos territórios que por ventura ocupar.

Na hipótese da Rússia ser derrotada e aceitar, sem usar armas nucleares, algo que não pode ser descartado, com certeza será obrigada a devolver a Criméia e ver Donetsk e Lugansk serem reincorporarem à Ucrânia, as sanções continuaram por um prazo indeterminado afetando a economia, terá que aumentar os gastos do orçamento militar e formar uma aliança com a China para contrabalançar.

Os Estados Unidos, a União Europeia e seus principais aliados (Canadá, Coreia do Sul, Japão e Austrália) fortaleceram os seus laços políticos, econômicos e militares, lutam uma guerra por procuração, de baixo custo na Ucrânia e vão, no mínimo, independente do resultado, enfraquecer um inimigo estratégico.

Os EUA, até o momento, são os principais beneficiários, pois tiraram um grande concorrente no mercado de commodities, vão expandir suas vendas de material bélico e sua influência na Europa, além de desgastar a Rússia. A Europa é base da disputa de Washington com Beijing.

Na Europa, o apoio as sanções econômicas tem diminuído devido ao aumento da inflação que as sanções e os custos da guerra (para o contribuinte europeu) tem provocado, isso sem falar na perspectiva de uma recessão no horizonte.

As sanções e as dificuldades militares de concluir as operações militares na Ucrânia levou a Rússia a buscar o apoio da China, que se opõe ao padrão de conduta do Ocidente e rejeita qualquer comparação com a situação de Taiwan. A aliança Beijing-Moscou tende a agregar em torno de si, outros Estados descontentes com a ordem internacional, liderada pelos Estados Unidos e dar início a uma nova Guerra Fria.

Imagem de Destaque: https://ocastendo.blogs.sapo.pt/tag/pacto+de+vars%C3%B3via

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https://www.estadao.com.br/internacional/se-putin-nao-for-detido-na-ucrania-paises-balticos-provavelmente-serao-o-proximo-alvo-leia-artigo/

https://br.sputniknews.com/20220415/com-finlandia-e-suecia-na-otan-eua-vao-vender-mais-armas-e-se-fortalecer-no-artico-diz-analista-22275924.html

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50643725

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2020/11/20/reino-unido-alta-de-orcamento-militar-gera-criticas-em-meio-a-crise-economica.htm

https://noticias.r7.com/internacional/joe-biden-diz-que-mundo-responsabilizara-a-russia-por-ataque-a-ucrania-24022022

https://www.poder360.com.br/internacional/biden-anuncia-sancoes-muito-mais-duras-contra-a-russia/

https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2022/03/03/interna_internacional,1349857/tensao-entre-eua-russia-e-china-pode-levar-a-nova-guerra-fria.shtml

https://www.noticiafinal.com.br/2019/06/eua-x-russia-e-china-agitacao-no-front.html

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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