Breves considerações sobre a Modernização do MBT T-62M para a Guerra da Ucrânia

de

Rodolfo Queiroz Laterza

1. Introdução

Em agosto do ano passado, foi amplamente noticiada pela mídia que a Federação Russa iria retirar o tanque principal de batalha (Main Battle Tank- MBT) T-62M de armazens da reserva para serem submetidos a um extenso overhaul e update, com a corporação de defesa russa Uralvagonzavod tendo lançado tal programa de reparo e modernização em larga escala.

As amplas tarefas programadas estão a cargo da 103ª fábrica de reparos de blindados no assentamento urbano de Atamanovka (distrito de Chitinsky, Território de Transbaikal). A 103ª Planta Blindada foi instruída a fornecer às Forças Armadas de RF cerca de 800 tanques T-62M modernizados em 3 anos. Tais tarifas implicam na entrega de cerca de 22 viaturas por mês.

Em quase 1 ano de guerra, a escala de perdas de tanques por ambas forças beligerantes é muito alta, diante da realidade adversa própria do teatro de operações deste conflito, fortemente baseado no uso amplo de drones para tarefas de designação de alvos e guiagem de disparos efetuados por barragens de artilharia, além do uso amplo de minas antitanque e sistemas de mísseis antitanque (ATGM) de ampla variedade, como os Javelin americanos e o Kornet russo.

https://en.defence-ua.com/weapon_and_tech/
russia_to_prepare_soviet_era_t_62m_tanks_to_replenish_reserves-3033.html

Tal contexto exige um esforço militar muito mais significativo para se manter uma guerra de manobra e avanço sobre território hostil, no qual os tanques são importantes em suporte à infantaria móvel, sendo imperioso manter um nivel elevado de disponibilidade e de reposição de tais sistemas, cuja escala de perdas de atrito e uso em combate é em nível diário.

Dessa forma, se tornou uma solução prática e urgente para o planejamento operacional russo a modernização de tanques antigos, tendo em vista a própria dificuldade do Ocidente em prover a Ucrânia com mais tanques em seu esforço de guerra diante da escala muito continua de perdas.

Este estudo buscará explicar o programa de modernização do T-62M, suas características operacionais, seu possível uso tático e o que pode significar para o esforço militar russo na guerra da Ucrânia.

2. SOBRE O T-62M, VERSÃO MODERNIZADA E PRODUZIDA A PARTIR DE 1983

Inicialmente, importante ressaltar que o programa de modernização será baseado nos T-62M, última versão produzida na antiga União Soviética.

O T-62M foi uma extensa modernização do T-62 com melhorias de proteção e mobilidade e adotando o sistema de controle de incêndio “Volna”. Na prática foi um novo tanque baseado no chassi do clássico T-62.

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Ele é equipado com um pacote de blindagem de apliques BDD, uma placa de blindagem de barriga adicional para proteção anti-minas, além das saias laterais de borracha reforçada de 10 mm de espessura. O pacote de blindagem de apliques BDD traz a blindagem frontal quase equivalente aos primeiros T-64A e T-72 Ural e consiste em uma placa de apliques no talude e dois blocos em forma de ferradura montados na frente da torre. O T-62M foi estruturado com uma blindagem homogênea (NLD e VLD) com espessura de cerca de 100 mm, localizada nos cantos, proporcionando 200 mm de blindagem reduzida quando disparada de frente.

Esta blindagem em tese deveria ser à prova de todas as munições de tanques de 84 mm e 90 mm em todas as faixas e tipos, munições APDS e HEAT de 105 mm, munições HEAT de canhões sem recuo de 84 mm e 106 mm além de ser capaz de resistir a muitos mísseis antitanque de 1ª geração, bem como os sistemas M72A3 LAW e RPG-7.

Os corrimãos ao redor da torre foram removidos para dar espaço para a armadura. Fixações para quatro elos de corrente sobressalentes foram adicionados na lateral da torre. Essa versão nova do T-62 foi equipada com esteiras RhKM do tanque de batalha principal T-72 e dois amortecedores adicionais no primeiro par de rodas de estrada. O sistema de controle de fogo “Volna” foi melhorado ao encaixar o telêmetro a laser KTD-2 (ou KTD-1) em uma caixa blindada sobre o armamento principal.

https://www.armyrecognition.com/russia_russian_army_tank_heavy_armoured_vehicles_u/t-62m_main_battle_tank_technical_data_sheet_specifications_information_
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Foi colocada uma mira mais moderna (à época) para o  artilheiro modelo TShSM-41U, nova mira de comandante, estabilizador “Meteor-M1”, computador balístico BV-62 e unidade de mísseis guiados 9K116-2 “Sheksna” ( nomenclatura NATO: AT-10 Stabber) com mira 1K13-BOM ( usado para visão noturna e uma visão do lançador ATGM).

Esse modelo foi equipado com um sensor térmico, o rádio R-173 em vez de R-123M e um novo motor diesel V-55U desenvolvendo 620 hp (462 kW). A carga de munição foi aumentada. Alguns foram equipados com dois conjuntos de quatro lançadores de granadas de fumaça, cada um na parte traseira direita da torre.

A inteligência dos EUA viu o emprego dos tanques T-62M pela primeira vez durante a Guerra Soviético-Afegã e deram-lhe a designação T-62E , sendo bem avaliado em geral.

Ademais, existem várias sub-variantes do T-62M, dependendo de quanto do pacote de modernização o veículo se submeteu.

Quanto à munição padrão HEAT do T-62, o peso do projétil tem em torno de 18 kg, massa explosiva de 3,1 kg com velocidade inicial situada em 800 m / s, totalizando 42 munições armazenadas.

3. Aspectos principais do programa de modernização

O sistema de controle de tiro atualizado melhora a eficácia do canhão Molot 115-mm 2A20 (U-5TS), que, além da munição convencional, também pode disparar mísseis guiados de longo alcance.

As capacidades do tanque devem ser significativamente aumentadas pelo mastro eletromecânico existente com a instalação de um sistema MGOES (sistema ótico-eletrônico giro-estabilizado multiespectral), que inclui termovisores, uma câmera de televisão e um telêmetro a laser. A presença de tal dispositivo permite que a tripulação detecte um sistema inimigo a qualquer hora do dia, inclusive em condições climáticas adversas. É uma unidade totalmente estabilizada, móvel vertical e horizontalmente, montada em um mastro retrátil na parte traseira da torre. Quando dobrado, a altura do mastro é de 1,3 metros e quando totalmente estendido é de 5 metros. O sistema MGOES combina um telêmetro a laser e três canais: televisão, onda média infravermelha e alcance próximo infravermelho.

MGOES no T-62.
Fonte: https://dzen.ru/a/Yvu_btTTT1s5E6dk

Ao contrário dos termovisores clássicos que reagem à radiação térmica de um alvo, as câmeras de infravermelho próximo são capazes de registrar a radiação infravermelha refletida de um objeto e transmitir uma imagem muito clara e detalhada para a tela. Portanto, onde um termovisor convencional exibirá um ponto borrado luminoso na forma de uma pessoa ou algum tipo de tanque na tela, o sensor de alcance próximo permitirá que se identifiquem padrões de símbolos de identificação, inclusive  em condições realmente difíceis, como por exemplo em neblina, sob poeira, fumaça e outras situações que bloqueiam a visibilidade.

Trabalhando em pares como parte do MGOES, as câmeras de ambas as faixas de infravermelho expandem significativamente a capacidade do T-62M de monitorar a área. E não só no alcance, mas, levando em consideração o mastro estendido, o alcance de detecção pode ser de 4 km.

https://dzen.ru/a/Yvu_btTTT1s5E6dk

A modernização do T-62M também inclui uma nova mira 1PN-96MT-02, que abrange um canal de imagem térmica e um telêmetro. Essa mira, entretanto, tem indicadores um pouco piores do alcance de detecção e identificação de alvos em condições de pouca visibilidade (à noite) do que os mesmos termovisores franceses Thales instalados em tanques T-90A usados pela própria Rússia.

Considerando que o sistema de imagem noturno dos antigos T-62Ms, construídas sobre tubos intensificadores de imagem, fornecem muito menos visibilidade, a instalação do 1PN-96MT-02 ainda assim cria um salto qualitativo. Em combinação com um novo computador balístico eletrônico, a nova mira de imagem térmica expande muito as capacidades de disparo do T-62M em modernização.

https://thedeaddistrict.blogspot.com/2021/08/a-upgraded-t-62m-with-telescopic-mast.html

Quanto à mobilidade do novo T-62M, o fato é que este carro em sua versão original do modelo de 1983 já era muito pesado. Se o próprio T-62 pesasse 37,5 toneladas, os blocos de blindagem adicionais, a proteção contra minas da parte inferior das chapas de aço de 20 mm e outras pequenas alterações elevaram sua massa para 40,5 toneladas. O motor tanque de 620 cavalos suportou essa carga, na época, com dificuldade. Na nova versão, o T-62M ganhou mais peso devido à proteção dinâmica, grades e outros equipamentos. Nesse sentido, o tanque foi equipado com um motor diesel V-46-5 com capacidade de 780 cavalos de potência, para compensar o aumento de peso e garantir uma mobilidade aceitável.

A instalação de um motor diesel com capacidade de 780 CV  afetou as características de velocidade – a velocidade máxima na rodovia agora pode chegar no máximo a  60 km / h. A autonomia de combustível é de 550 km.

No tanque modernizado, foram usados ​​ elementos de aumento da capacidade de sobrevivência, em particular, melhorias da “armadura reativa” do modelo “Kontact” que passa a cobrir as projeções laterais.

A modernização implica o fortalecimento da armadura com a instalação de:

– telas espaçadas adicionais feitas de aço blindado moderno com alta dureza;

– elementos de proteção dinâmica;

– grades de proteção;

– no  lado direito da torre, foi instalado um lançador de granadas de oito canos, projetado para instalar cortinas de aerossol de camuflagem;

– uma cobertura externa de aço de 30 mm de espessura e chapas de aço de 5 mm instaladas atrás, com o espaço entre as quais sendo preenchido com poliuretano. Nesta versão, o tanque é capaz de resistir a impactos de munição HEAT com penetração de até 450 mm, bem como projéteis de subcalibre emplumados com penetração de até 350–380 mm em aço equivalente.

O nível dessa blindagem corresponde às primeiras modificações do T-64, bem como dos tanques T-72M, ativamente utilizados pelo lado ucraniano. Porém essa proteção não é suficiente para realizar tarefas em contato de fogo próximo com unidades inimigas armadas a com armas antitanque modernas, como os sistemas Javelin por exemplo.

As laterais na área do compartimento do motor e na popa receberam telas de treliça como reforço, projetadas para proteção contra granadas antitanque do tipo RPG-7. O princípio de seu funcionamento é amplamente conhecido e baseia-se na destruição/dano do funil cumulativo (revestimento) dessas munições. O Research Institute of Steel em seus dados abertos indica uma probabilidade de 50% de se destruir uma granada sem romper a armadura.

No programa também foi prevista a instalação de um mastro de elevação com dispositivo de observação. Equipar um tanque com tal ferramenta provavelmente significa trabalhar na defensiva em posições fechadas. Nesse caso, a silhueta do tanque fica oculta, mas a observação é difícil. A presença de um mastro de elevação resolve este problema. O tanque se esconde na trincheira, levanta o mastro e faz observação. Tendo encontrado o inimigo, ele vai para a posição de tiro e dispara um tiro e se esconde novamente.

4. Considerações finais

Exatamente quantas unidades T-62 devem ser atualizadas ainda é desconhecida (algumas fontes sugerem que pode haver mais de 500 e possivelmente até mil), mas o tanque tem potencial útil: o rearmamento será barato e será possível implantar em grandes quantidades em um teatro de operações cuja taxa de perdas diárias de MBTs é recorrente e previsível diante da quantidade de uso de minas antitanque, ATGMs e barragens de artilharia guiadas por drones.

Além disso, objetiva -se usar o novo T-62M na função complementar de combate mecanizado de infantaria, uma vez que a Rússia tem um número desproporcional de tanques no contexto da falta de veículos modernos de combate de infantaria (a grande maioria dos milhares de IFVs são antigos BMP-1 e BMP-2). Simplificando, existem muitos tanques com um canhão de 125 mm, mas existem desproporcionalmente poucos BMPs com módulos de combate específicos com poder de fogo majorado, capacidade de resistir a dispositivos antitanque e com cadencia de tiro rápida. 

Essa diferença se tornará ainda mais significativa em uma situação em que a mobilização parcial foi anunciada na Rússia, o que significa que aumentará o número de infantaria que precisará urgentemente de veículos de apoio de fogo. O inventário de BMP-3 e BMD-4 com o mais moderno e caro módulo de combate Bakhcha simplesmente não é suficiente para todas as brigadas e a diferença de poder de fogo entre o BMP / BTR com um canhão de 30 mm e o T-62 modernizado é simplesmente enorme, embora a mobilidade deste último continue muito limitada devido ao peso e estrutura.

Tendo começado a modernizar o T-62, o complexo militar-industrial russo aparentemente sem planejamento próprio, tomou conceitualmente o caminho do país militarmente mais avançado – os Estados Unidos, em soluções rápidas, mais baratas e práticas para uma demanda específica surgida em um conflito militar.

A titulo de exemplo, os militares dos EUA planejam comprar 504 unidades Griffin-2 até 2035. Ao mesmo tempo, os tanques formados em companhias serão entregues às brigadas de infantaria do Exército dos EUA e da Guarda Nacional. Em outras palavras, o conceito é o mesmo – os tanques leves são transferidos para reforçar as unidades de infantaria mecanizada.

Quanto ao equipamento obsoleto, o que está acontecendo na Ucrânia mostrou que sistemas de armas simples e sem alta tecnologia (por exemplo, o uso bem sucedido pelas forças ucranianas de drones civis para filmagem de vídeo e ataques com granadas, os drones kamikaze Geranio -2, os antigos S-60, etc.) também podem ser eficazes. Diante do exposto, podemos concluir que, com o uso adequado e diante da premência, os tanques T-62 modernizados podem se tornar não apenas uma solução razoável, mas um veículo de combate verdadeiramente útil em todo o conceito de uso de fuzis motorizados pelo exército russo.

Apesar de mais de uma década de inatividade desde sua retirada do inventário ativo do Exército russo e mesmo lançado nas versões iniciais em 1961,  a Rússia irá colocar em operação tais tanques com a finalidade de preencher as necessidades operacionais imediatas no teatro de operações da guerra da Ucrânia e evitar desgastar os cerca de 7000 T-72 ainda mantidos em reserva para uso futuro em outros potenciais conflitos, de acordo com diversas análises militares que interpretaram a surpreendente medida.

Embora pelos padrões do século 21, até mesmo os T-62s modernizados estejam desatualizados para enfrentar MBTs ocidentais de terceira geração como os Leclerc ou os M1A2 Abrams americanos, ou ainda em relação aos tanques T-72 e T-90 mais modernos que formam a espinha dorsal das forças blindadas russas, para as necessidades de uso das unidades de combate das repúblicas separatistas de Donetsk e Luhansk, bem como para uso rápido pelos recém mobilizados, o T-62M modernizado pode contribuir para sustentar ofensivas e linhas defensivas bem estruturadas.  Isso explica em parte por que Moscou está investindo em seus reparos, embora tenha um grande número de T-72 de reserva. Reiterando, o T-62 é valorizado pelos requisitos de manutenção e custos operacionais muito menores, bem como pela facilidade de treinamento – o treinamento da tripulação leva muito menos tempo, sendo este um fator crítico de extrema importância na dinâmica do conflito militar em curso. É relatado que foi essa circunstância que levou a Rússia em 2016 a alocar T-62Ms modernizados de suas reservas para equipar novas unidades do exército sírio, tendo logrado bons resultados nas ofensivas de 2017 contra o Estado Islâmico. Posteriormente, esses veículos foram transferidos para o leste da Ucrânia, onde seriam usados ​​pelas milícias Donbass, porém com as modernizações ressaltadas.

Como seu antecessor T-55, o T-62 é adequado tanto para operações montanhosas quanto urbanas. E esta é a principal razão pela qual as modificações aprimoradas do T-62 até recentemente formavam a espinha dorsal das unidades blindadas da Coreia do Norte. Em mais de uma década de operações de contra-insurgência, o Exército Árabe Sírio passou a preferir o T-55 e o T-62 a veículos mais modernos para combate em áreas urbanas. Muitos desses veículos foram atualizados com tecnologia norte-coreana, incluindo telêmetros a laser e supostamente novos tipos de munições anti-pessoal. Com o T-62 atualizado, a Rússia poderá equipar não apenas unidades regulares, mas principalmente as milícias das regiões do leste da Ucrânia e as novas brigadas até a chegada de novos T-90M e T-72 na nova versão B4.

Imagem de Destaque: https://en.defence-ua.com/weapon_and_tech/the_aim_of_the_soviet_t_62m_in_ukraine_revealed-3227.html

Fontes consultadas:

https://armyrecognition.com/ukraine_-_russia_invasion_conflict_war/index.php

https://www.defensenews.com/

https://jamestown.org/

https://news-front.info/

https://rostec.ru/en/

https://smallwarsjournal.com/

https://worldview.stratfor.com/

Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública

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