Rodolfo Queiroz Laterza
1. Introdução
Nas últimas semanas, houve bastante ênfase na cobertura de notícias da Guerra da Ucrânia sobre uma futura ofensiva russa após o degelo, com emprego dos mais de 200.000 mobilizados por decreto presidencial de outubro, notadamente em Donbass e em probabilidade menor a partir de Belarus, onde mais de 250 mil militares russos estão se agrupando com sistemas de armas dos mais modernos do arsenal do país.
O desenvolvimento de uma ofensiva militar por uma determinada força beligerante não depende apenas de vontade política, mas dá capacidade de projeção de força, quantitativo suficiente de pessoal e de meios, aquisição de consciência situacional qualitativa que permita antecipação de cenários para decisões taticamente adequadas, além de condições logísticas bem sedimentadas e estruturadas. Além disso, coordenação entre unidades, sistema de comando e controle eficaz e ágil, capacidade de reconhecimento, inteligência e vigilância com qualidade para o processo decisório tático-operacional, interoperabilidade entre unidades de combate são fatores críticos para que qualquer ofensiva tenha efetividade no cumprimento de metas e alcance dos objetivos definidos (os quais podem ser conjunturais ou permanentes, dependendo da escala do conflito e da decisão política que influencie a iniciativa operacional).
Em que pese haver tal possibilidade, consideramos igualmente importante e até mais relevante observar a perspectiva de novas ofensivas ucranianas em alguns setores da linha de frente, os quais encaminharemos por tópicos.
I – O setor de Kreminna (Kreminnaya)
Após a queda de Krasny Liman nas ferrenhas batalhas de outubro, as forças russas se viram privadas de uma das mais importantes cabeças de ponte para ataques no setor norte de Donbass e garantia de segurança da região de Lugansk que controlava quase totalmente desde junho.
Após a queda de Krasny Liman, as forças ucranianas tentaram por dezenas de vezes formar uma saliência por três direções, visando cercar Kreminna e estabelecer o controle operacional da estrada que interliga esta cidade a Svatovo, bem como fechando a principal rota suprimento de tropas e equipamentos para as forças russas a partir do Norte.
No final de outubro, as forças ucranianas conseguiram se aproximar a cerca de 3 km de Kreminna, tendo acumulado grande concentração de tropas e de equipamentos a partir de reforços advindos de Kharkiv e da Ucrânia Ocidental, dentre os quais mercenários poloneses. Estima – se que até 40 mil combatentes tenham se agrupado para romper as defesas russas neste eixo de progressão.
Com o envio de reforços urgentes a partir de mobilizados, as forças russas conseguiram impedir a ruptura das linhas de defesa e o cerco a Kreminna acabou não se desenvolvendo. Os ataques concentrados de artilharia e aviação tática por parte das forças russas também infligiram muitas perdas às unidades operacionais ucranianas, que também se viram obrigadas a reforçar outros setores do teatro de operações, como Bahmut e Soledar, além de Ugledar, áreas onde as forças russas desenvolveram fortes ataques e ofensivas setorizadas.
As forças ucranianas passaram a empregar em dezembro com bastante ênfase unidades de reconhecimento e grupos de sabotagem para infiltração nas linhas inimigas no setor de Kreminna, a partir da área de Dibrova (localizada ao sul de Kreminna), aproveitando ao máximo a característica do terreno, pois é umae área densamente arborizada e de difícil reconhecimento e detecção por drones. Grupos Táticos de Reconhecimento (DRGs) ucranianos, compostos por pelotões de 15-20 combatentes, diariamente se envolvem em sangrentas batalhas com forças russas mobilizadas na área do parque nacional situado ao sul da linha de frente.
Ao longo da linha de contato, as formações ucranianas continuam o reconhecimento aéreo ativo com helicópteros, direcionando a artilharia e o fogo de tanques contra as posições russas, com emprego amplo de drones.
Além disso, na direção de Krivosheevka , estão sendo formados dois grupos de assalto das Forças Armadas da Ucrânia (FAU), reforçados com veículos blindados recentemente fornecidos pela OTAN.
É importante também ressaltar que as formações ucranianas usam táticas de incursões noturnas em posições russas perto de Kuzemovka, desgastando o pessoal da linha de defesa ali formada. Diariamente, tanques e sistemas de artilharia das Forças Armadas da Ucrânia estão disparando contra as fortalezas das Forças Armadas da Federação Russa. Os duelos de artilharia continuam no setor de Limansky, onde no momento há bombardeios indiscriminados devido às más condições climáticas.
Portanto, no eixo de Krasny Liman, o comando ucraniano continua a fortalecer o agrupamento com pessoal e equipamentos recentemente incorporados a partir de doações e subvenção de países da OTAN. Por exemplo, o pessoal da 80ª brigada aerotransportada e 2 batalhões da 25ª brigada aerotransportada das Forças Aerotransportadas da Ucrânia receberam câmeras termográficas, munições e equipamentos de proteção individual para incrementar a capacidade de combate e darem continuidade a ataques diários para sondar as linhas de defesa russas e tentar a viabilidade de uma ofensiva que leve a um cerco a Kreminna.
II – Setor de Zaporizhzhia
O exército ucraniano se prepara há tempos para lançar uma quarta contra-ofensiva, na esperança de cortar as linhas de abastecimento da Crimeia e derrubar a frente russa ao longo do Mar de Azov.
Em novembro uma grande concentração de tropas ucranianas se formou para tentar um ataque profundo a Tormak e cortar Melitopol. Além de alguns ataques diversionistas neste setor, a Ucrânia empregou amplamente ao longo da linha de contato deste setor obuses rebocados, principalmente o M-777 americano e o obus autopropulsado FH-70 italiano, sempre com emprego maciço de drones para fins de vigilância e reconhecimento.
Apesar do inverno, do qual se esperavam “congelamentos” desde o décimo mês de conflito em curso, as Forças Armadas da Ucrânia transferiram brigadas mecanizadas perto de Gulyaipole e assumiram posições a 100 km de Melitopol.
Nos novos territórios anexados à Federação Russa após os referendos de setembro, o 291º Regimento de Fuzileiros Motorizados de Guardas, com até dois mil soldados e dezenas de veículos blindados, está lutando do lado russo. No lado ucraniano estão em combate a 106ª brigada de defesa territorial, uma unidade levemente armada com vários milhares de voluntários locais e o 19º batalhão de fuzileiros separado. A artilharia de apoio funciona em ambos os lados.
Perto está a 65ª Brigada Mecanizada, bem como a 1ª Brigada de Tanques da Ucrânia. Mas isso dificilmente é suficiente para seguir em Melitopol. Para a cidade-chave, que fornece o abastecimento do grupo russo, é necessário percorrer uma distância de 300 km, quebrando pelo menos dez formações e unidades russas no processo. Durante as operações anteriores – perto de Kyiv em março, e depois perto de Kharkiv e Kherson seis meses depois – a Ucrânia deslocou pelo menos três vezes mais tropas, vale frisar.
Atualmente, o comando das Forças Armadas da Ucrânia usa táticas semelhantes às empregadas na direção de Kherson para abrir posições da retaguarda russa, com ataques a armazéns e rotas de abastecimento, bem como locais de implantação das Forças Armadas Russas à distância da linha de frente, mediante emprego de MLRS e sistemas de artilharia, bem como ações de sabotagem por DRGs.
Dados precisos sobre a localização de objetos importantes das Forças Armadas da Ucrânia são obtidos de informantes no terreno e de parceiros estrangeiros que transmitem diariamente informações de satélites da OTAN.
Se conseguirem êxitos na desativação das instalações de retaguarda, como pontes e sistemas de defesa aérea, as formações ucranianas poderão partir para a ofensiva para tentar romper o Mar de Azov e acessar a península da Crimeia.
Em Kyiv, acredita-se que para esta campanha militar seja necessário acumular reservas de 200 mil soldados na direção de Zaporizhzhia, através da rotação de unidades em férias, aquelas transferidas da direção de Kherson e outras que completam seu treinamento em acampamentos europeus. Com base na experiência da contra-ofensiva de Kharkov, o quartel-general do General Zaluzhny (comandante em chefe das FAU) pretende usar o potencial industrial de Zaporozhye e do Dnieper para se preparar para o lançamento do ataque, formando reservas em equipamentos pesados que podem ser rapidamente transferidos para o setor desejado da frente. De acordo com estimativas aproximadas e otimistas do Estado-Maior ucraniano, as perdas das Forças Armadas da Ucrânia serão de 30 a 40% de pessoal e equipamentos se efetivarem o planejamento.
Para as FAU é necessário quebrar a logística do agrupamento do sul da Rússia, cortando a ferrovia que interliga o trecho de Ugledar a Volnovakha, bem como a que vai para Tokmak. Se as Forças Armadas da Ucrânia tomarem ações ofensivas contra Melitopol, o agrupamento russo na direção sul da operação especial será dividido ao meio. As unidades das Forças Armadas da Federação Russa na região de Kherson situadas à margem esquerda do Rio Dnieper e todas as forças russas localizadas a oeste da rodovia E105 estarão em um semi-cerco. Nesse caso, a central nuclear de Zaporizhzhya também estará exposta ao perigo de cerco.
A prontidão das Forças Armadas da Ucrânia para continuar as operações contra-ofensivas no leste e no sul foi confirmada inclusive em 11 de dezembro pelo ministro da Defesa ucraniano, Oleksiy Reznikov, em uma reunião conjunta com o ministro da Defesa sueco, Paul Jonsson, no Centro de Mídia Odessa-Ucrânia. Reznikov garante que o exército está esperando por uma onda de frio e congelamento do solo para a promoção em massa de veículos blindados.
Ao mesmo tempo, é impossível excluir a escalada da situação em torno de Zaporozhye e da Crimeia para desviar as tropas russas e chamar a atenção para um setor falso para uma ofensiva em outras direções, como ocorreu em setembro, quando as forças ucranianas atacaram o front de Kherson em 5 direções e se aproveitaram dos buracos e omissões das forças russas no eixo de Izium, que estavam em efetivo muito insuficiente.
Quanto ao lado russo, a ameaça de um possível avanço é compreendida pelo comando do general Surovikin. Estão em curso obras de construção de estruturas defensivas amplas e em volumes significativos. Três linhas de defesa estão sendo construídas ao mesmo tempo neste setor do front, com a tarefa de impedir que as Forças Armadas da Ucrânia entrem no espaço operacional em caso de avanço da primeira linha.
Outro detalhe a complicar a concretude do plano de ofensiva ucraniano neste setor do front está nas recentes transferências de brigadas mecanizadas e outras unidades de combate das FAU para reforçar as linhas de defesa de Marynka, Ugledar, Bahmut e Soledar, onde as forças russas estão promovendo ataques contínuos e avançando, ainda que lentamente. Esse reposicionamento da direção do eixo de Zaporizhzhia para Donbass de unidades de combate relevantes atrasa e prejudica o planejamento da ofensiva ucraniana.
Ataques posicionais de artilharia e drones kamikaze tem também depreciado bastante o potencial de combate das forças ucranianas, cuja demora em atacar acabou por favorecer a formação de poderosas linhas de defesa russas, principalmente em Melitopol e Tokmak.
III – Ofensiva em Kinburn Spit e em setores da margem esquerda do Rio Dnieper
Na direção de Kherson, mesmo diante da retirada completa das forças russas à margem direita do Rio Dnieper, as Forças Armadas da Ucrânia estão reconhecendo ativamente as posições das formações militares russas ao longo da margem esquerda do rio Dnieper. A atividade das formações ucranianas na área da Península de Kinburn aumentou com incursões constantes de grupos táticos de reconhecimento (DRGs).
Equipes de artilharia e drones de ataque kamikaze estão tentando atirar nas instalações de retaguarda das Forças Armadas da Federação Russa na região de Kherson com a intenção de privar o grupo russo de suprimentos e potencial de combate.
As Forças Armadas da Ucrânia usam, pois, uma tática semelhante que foi usada nas direções de Izyum e Krivoy Rog. Provavelmente, após a destruição direcionada de depósitos de munição, sistemas de defesa aérea e posições de tiro, haverá uma tentativa de desembarcar tropas na Península de Kinburn.
Além disso, no setor Primorsky deste setor, por vários dias consecutivos, o drone Bayraktar UAV opera no espaço aéreo sobre Ochakov e o estuário do Dnieper, monitorando a situação na Península de Kinburn e realizando coleta de dados para fins de reconhecimento.
Além disso, intensa inteligência de campo tem ocorrido, com os serviços especiais ucranianos
retomaram a coleta de informações sobre a localização de pessoal, depósitos de suprimentos e quartéis-generais das tropas russas na margem esquerda dos distritos de Golopristansky , Tsyurupinsky e Skadovsky da região de Kherson. Para isso, cidadãos locais, informantes e grupos de inteligência na retaguarda os ajudam na busca de dados.
Além disso, os satélites dos países da OTAN aumentaram o número de sessões de filmagem da superfície nesta área. Apesar dessa perspectiva, em nosso entendimento, consideremos improvável um ataque ucraniano que desaloje com eficácia as forças russas de áreas da margem esquerda do Rio Dnieper, havendo mais chance de derrota das forças russas em ilhas deste rio, que servirão como cabeça de ponte para reconhecimento e ataques às linhas da retaguarda russa.
3. Considerações finais
Definir certezas em análises militares é perigoso e subjetivo, pois variantes de influência determinam conjunturas que alteram todo um planejamento operacional de uma força beligerante e o objetivo político correlacionado.
A Ucrânia teve a partir de junho a reconstrução de quase toda suas Forças Armadas com apoio, assistência técnica e militar ampla da OTAN, permitindo a deflagração de contra ofensivas bem sucedidas em setembro e outubro nos eixos de Kharkiv, Izium e Kherson.
A ampla superioridade de efetivo e o suporte militar direto da OTAN em armas, reconhecimento, instrutores militares, logística e até mercenários permitem à Ucrânia sustentar o conflito militar com a Federação Russa.
Mesmo com perdas humanas muito severas, as Forças Armadas da Ucrânia não abdicarão da vontade de lutar, mesmo com adoção de táticas de guerra assimétrica, como ataques de drones a infraestrutura militar crítica da Rússia. A única certeza é que este conflito, o mais violento e destrutivo da Europa após a Segunda Guerra Mundial, irá se prolongar.
Imagem de Destaque: https://en.topwar.ru/196217-soobschaetsja-o-nachavshihsja-bojah-v-gorodskoj-cherte-krasnogo-limana-i-severodonecka.html
Autor: Delegado de Polícia, Mestre em Segurança Pública, historiador, pesquisador em geopolítica e conflitos armados
Fontes consultadas:
www.focus.ua
https://www.fpri.org/
https://jamestown.org/
https://news-front.info/
https://rusi.org/
https://southfront.org/
https://www.washingtonpost.com/world/ukraine-russia/
Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública