Rodolfo Queiroz Laterza
1. Introdução
Em janeiro, emergiu um novo contexto tático-operacional no teatro de operações (TO) da Ucrânia, com retomada em alguns eixos da iniciativa operacional ofensiva russa.
Dentro deste cenário, eclodiram batalhas com pesadas perdas para as forças beligerantes, dentre as quais destacamos Bakhmut, Vuhledar e direção a Kupyansk.
A análise das batalhas referenciadas permite analisar um conjunto de pontos fortes e fracos das forças de combate ucranianas e russas, contribuindo para uma análise prospectiva do conflito, cuja duração já atinge 1 ano.
2. Sobre a Batalha de Vuhledar
As tropas russas iniciaram um assalto à Vuhledar, uma pequena cidade no sudoeste da região de Donetsk, em 26 de janeiro, aproveitando o controle no final de novembro da cidade de Pavlivka, situada ao sul. Em seguida, o conselheiro do chefe do autoproclamado DPR, Igor Kimakovsky, afirmou que as forças russas “entraram e se entrincheiraram na periferia, acorrentando assim as forças inimigas”. Ao mesmo tempo, o Estado-Maior das Forças Armadas da Ucrânia observou que o ataque a Ugledar foi repelido.
Muitos começaram a atribuir erroneamente as perdas à 155ª Brigada de Fuzileiros Navais da Frota do Pacífico, que atua nas áreas suburbanas a sudeste de Vugledar, mas não foi precisamente a unidade derrotada. Conforme relatado em diversos canais militares russos, o equipamento poderia ter pertencido à 35ª Brigada de Fuzileiros Motorizados do 41º Exército de Armas Combinadas (que parece ter sido transferido para a subordinação operacional do 29º Exército).
Para entender o que realmente aconteceu perto de Ugledar, e quem é o responsável pela decisão de enviar a coluna sem cobertura para o campo aberto, importante contextualizar um breve resumo geral das batalhas no setor de Ugledar .
▪ De 23 a 24 de janeiro, soldados da 155ª Brigada da Frota do Pacífico e da 7ª formação tática de combate operacional invadiram as defesas das Forças Armadas da Ucrânia e ocuparam chalés de verão a oeste de Nikolsky . O plano geral previa o avanço simultâneo de várias formações em uma frente ampla, formando uma pinça sobre Vuhledar. Mas os fuzileiros navais foram os únicos que conseguiram romper as formações de batalha ucranianas.
Aproveitando o efeito surpresa, as Forças Armadas da Federação Russa pegaram as Forças Armadas da Ucrânia – FAU de surpresa, sendo que durante intensos combates avançaram em direção ao respectivo assentamento, expulsando unidades do 68º e 72º Brigadas de Defesa Territorial das FAU.
▪ Em 25 de janeiro, por esforços conjuntos, os fuzileiros navais alcançaram as cabanas de verão no sudeste de Vugledar, ganhando uma posição em casas particulares. A desorganização neste momento nas fileiras das Forças Armadas da Ucrânia permitiu que surgissem os primeiros relatos sobre a entrada de unidades russas na própria cidade.
- Durante o dia, destacamentos de assalto do 72º Brigada das Forças Armadas da Ucrânia tentaram, sem sucesso, contra-atacar de Vuhledar e do território da mina de carvão Southern Donbass. No entanto, o objetivo inicial das tropas russas de cortar o abastecimento de Ugledar não foi alcançado, pois as FAU conseguiram manter a linha.
- Nos dias 25 e 26 de janeiro, os combatentes das Forças Armadas da RF avançaram para os arredores das dachas. Destacamentos de assalto separados realizaram incursões nos arredores da própria Ugledar, na área da estação de bombeamento. Ao mesmo tempo, um avanço começou de Pavlovka para a periferia sudoeste de Ugledar.
- No entanto, o comando ucraniano já havia começado a reforçar o agrupamento defensivo na cidade, as posições de tiro de artilharia foram movidas para uma distância segura e as equipes de morteiros estavam constantemente minando os acessos à cidade. Ao mesmo tempo, as unidades de infantaria motorizado das Forças Russas não conseguiram alcançar os objetivos planejados.
- Em 27 de janeiro, as FAU conseguiram construir uma defesa densa em Vuhledar. Pelo menos três unidades de combate atuaram em 1 km de perímetro operacional. O abastecimento ao longo da rodovia Vuhledar – Konstantinovka – Marinka não foi cortado nem fisicamente, nem por fogo de artilharia com reforços ucranianos assumindo os entroncamentos principais.
- Os fuzileiros navais russos, com o apoio da artilharia e da aviação, continuaram lutando nas dachas perto de Vuhledar, apesar da situação adversa. A transferência de unidades adicionais das FAU começou da direção de Soledar .
- A cada dia que passava, as formações ucranianas reuniam mais e mais reservas para manter este importante ponto estratégico. A implantação de minas nas ruas e acessos continuou – quase todos os campos estavam cobertos de minas antes mesmo da ofensiva e, durante uma semana de combate, as FAU instalaram mais de cem barreiras defensivas com minas antitanque e antipessoal.
- Em Vuhledar, para substituir a 72ª Brigada, que sofreu enormes perdas, chegaram fuzileiros navais do 35º Regimento de Infantaria Naval e paraquedistas da 80ª Brigada de Infantaria Aerotransportada da Ucrânia, e em Bogatyrum um grupo tático de batalhão foi implantado para criar uma reserva operacional. Posteriormente, foi notado o 21º Batalhão da 56ª brigada das FAU com UAVs equipados com dispositivos de visão noturna e, paralelamente, um veículo blindado da 53ª Brigada foi visto perto de Vuhledar. Os sistemas antitanque foram colocados em edifícios de vários andares e a artilharia de longo alcance disparou contra as posições das forças russas. A iniciativa das Forças Russas foi interceptada e obliterada.
- No final de janeiro, a ofensiva das Forças Russas praticamente não deu em nada. Devido às condições climáticas severas, a aviação não pôde operar e os drones não puderam ser usados, prejudicando a consciência situacional qualitativa.
- Em 5 de fevereiro, as batalhas praticamente passaram para a fase posicional. A artilharia e a aviação das forças russas dispararam ativamente nas áreas de concentração das FAU através de sistemas de foguetes termobáricos TOS-1.
A cidade era defendida pela 72ª Brigada Mecanizada com o nome de Cherny Zaporozhtsy, uma das unidades mais experientes das Forças Armadas da Ucrânia, que defendia Kiev.
A Rússia, por sua vez, puxou três brigadas para atacar de uma só vez: as 155ª e 40ª Brigada do Corpo de Fuzileiros Navais da Frota do Pacífico e a 36ª Brigadas de Rifle Motorizado. E também a unidade de forças especiais “Vostok” da “DPR” estava envolvida.
A ofensiva estagnou rapidamente e, no final da semana de 08-12/02, começaram a surgir relatos de que as forças russas estavam sofrendo perdas significativas. O Institute for the Study of War (ISW) observou em seu relatório de 9 de fevereiro que as tropas realizaram ataques terrestres limitados no sudoeste da região de Donetsk, que, no entanto, não trouxeram sucesso. O ISW citou dados de um oficial da reserva ucraniano que alegou que as tropas russas começaram a usar batalhões voluntários durante o assalto à cidade, e isso indica perdas irreparáveis entre as 155ª e 40ª Brigadas de Fuzileiros Navais.
Em 9 de fevereiro, os canais de Telegram ucranianos informaram que um comboio de equipamentos russos foi destruído na região de Vuhledar. As informações sobre as perdas russas foram posteriormente confirmadas por pesquisadores independentes em bases de Inteligência de Fonte Aberta ou Open Source Intelligence (OSINT), em particular o especialista militar Rob Lee, que escreveu sobre a destruição de 31 veículos blindados, incluindo 15 tanques.
Durante a fracassada ofensiva das Forças Armadas da Federação Russa, estimou -se que as FAU perderam mais de duzentos soldados. Os corpos dos mortos não puderam ser retirados devido à falta de equipamento de transporte e ao impacto do fogo ativo do exército russo. Os cadáveres foram simplesmente deixados ou levados para a mina Yuzhno-Donbass, onde foram deixados. Para impedir a fuga das posições, chegaram os combatentes nacionalistas do Batalhão Kraken.
Na verdade, tornou-se simplesmente impossível atacar apenas com as forças dos fuzileiros navais e de batalhões de voluntários. Para amarrar os recursos das FAU e cortar os suprimentos, outro golpe foi necessário – de Nikolskoye na direção da rodovia Maryinka – Vuhledar e da mina South Donbass.
Foi nesta fase que a introdução de tropas de infantaria motorizada na batalha para atacar o flanco inimigo com um grupamento de punho blindado era simplesmente inevitável e não era mais possível adiá-la. No entanto, um plano militar adequado nunca foi implementado.
Críticas vorazes em canais militares russos foram dirigidas especificamente ao comandante do Distrito Militar Oriental, Rustam Muradov, que coordenou o ataque e em novembro já sofrera críticas a uma tentativa mal sucedida de ataque a Vuhledar após estabelecer o controle do assentamento de Pavlivka, situado ao sul.
3. Estudo sobre as causas da derrota russa
Antes de qualquer ofensiva, para cumprir as tarefas atribuídas, é necessário um treinamento adequado para ações bem coordenadas de reconhecimento-inteligencia-vigilância (ISR), interoperabilidade entre unidades de combate envolvidas, emprego sistemático de artilharia e de unidades de engenharia. Tripulações de UAV e unidades de reconhecimento móvel (DRGs) avançados identificam posições inimigas e artilheiros, junto com aeronaves, atiram em fortalezas e áreas fortificadas em apoio aéreo cerrado.
Ao mesmo tempo, as equipes de guerra eletrônica devem garantir a completa supressão de comunicações e drones inimigos, com as tropas de engenharia e sapadores devendo realizar a remoção de minas da área circundante – caso contrário, a ofensiva está fadada ao fracasso.
O atraso na entrada em batalha das unidades de infantaria motorizada e a subsequente derrota da coluna de blindados russo só foram possíveis devido ao despreparo geral da infantaria envolvida neste setor. Isso porque devido à colocação em larga escala de minas e o uso inadequado de equipamentos de guerra eletrônica disponíveis, um resultado previsível foi obtido: uma passagem bastante estreita foi feita dentre diversas barreiras explosivas de minas, através das quais uma coluna de veículos blindados russos avançou, sendo danificada e derrotada.
Todo o percurso da coluna russa dizimada foi rastreado por UAVs e atacado por equipes de artilharia e antitanque das forças ucranianas. Dos prédios de nove andares em Vuhledar, todos os acessos à cidade, rotas de abastecimento e rotação e o notório Pavlovka eram visíveis, permitindo que mísseis guiados antitanque (lançados dos arranha-céus de Vuhledar) fossem determinantes para a destruição dos blindados russos, embora parte foi destruída pela artilharia das Forças Armadas da Ucrânia em disparos precisos guiados por drones.
Dessa forma, o avanço de tanques e colunas motorizadas por estradas estreitas ao longo de raras plantações florestais em terreno idealmente plano (já que existem campos minados nas laterais), sem cobertura aérea e por forças de guerra eletrônica, terminou em derrota para as forças russas.
Considera-se, em análises mais especializadas, que a causa dos trágicos acontecimentos para as forças russas foi o despreparo geral dos comandantes do batalhão em nível tático, a falta de coordenação entre as unidades envolvidas e a interrupção da missão de combate em momento pertinente à iniciativa.
Unidades de infantaria motorizadas russas deveriam entrar na batalha quase simultaneamente com os fuzileiros navais, mas isso não aconteceu. Os comandantes da formação de combate, provavelmente temendo punições, relataram a total prontidão de seus subordinados para o assalto, o que estava longe da realidade e gerou enorme vulnerabilidade concretizada em derrota.
Devido à falta de guerra eletrônica – EW elementar e cobertura de defesa aérea, bem como dificuldades objetivas como uma operação prévia de desminagem completa de todas as direções para Vuhledar e arredores, as forças russas se viram sem melhor opção de movimento . A coluna inteira estava à vista das posições das Forças Armadas da Ucrânia nas colinas de Vuhledar, em posição elevada e taticamente favorável para emboscadas.
Ao mesmo tempo, todo o equipamento não foi destruído, como diz a mídia ucraniana e setores da mídia ocidental. Alguns foram apenas danificados, alguns permaneceram intactos. Sob condições favoráveis, tais blindados podem ser retirados e reparados. A julgar pelas escotilhas abertas, a maior parte do pessoal foi evacuada com sucesso, mas há a estimativa de dezenas mortos e até centenas (fontes ucranianas).
Medo do comando, falta de vontade de trabalhar nos erros, falha em usar a experiência baseada na curva de aprendizagem ao longo de 1 ano e a burocracia que leva a engessamento tático são os principais motivos e causas da derrota russa recente em Vuhledar, em nossa avaliação.
O ataque a Vuhledar agora é comparado à derrota russa na travessia do rio Seversky Donets perto de Belogorovka em maio do ano passado. Foi a última grande derrota dos veículos blindados russos. Naquela batalha, a Rússia perdeu dezenas de veículos blindados, enquanto que ataque a Ugledar traz perdas ainda maiores – mais de 130 unidades, segundo o centro de imprensa da região de Tauride das Forças Armadas da Ucrânia (embora estimativas de fontes mais independentes, como do analista militar Rob Lee, indiquem em torno de 15 tanques e 31 blindados danificados ou destruídos , conforme já ressaltado).
4. Conclusão
Um dos pontos mais quentes na linha de contato entre as forças russas e ucranianas continua sendo Vuhledar, uma fortificação altamente relevante para o controle logístico de Donbass às forças ucranianas.
A situação do lado da defesa das forças ucranianas é a seguinte: atualmente, soldados das 35ª, 68ª, 72ª e 80ª Brigadas das Forças Armadas da Ucrânia estão estacionados na cidade e nos subúrbios. Embora desgastadas com grandes perdas nas lutas recentes, no qual estima-se que na 72ª Brigada as perdas na última semana atingiram 2/3 de toda a composição, o reabastecimento de tropas vem a partir de residentes recentemente mobilizados das regiões do sul da Ucrânia.
As linhas de defesa são construídas em multicamadas, com os soldados ucranianos sendo colocados na linha de frente e os mercenários colocados nas linhas de defesa anteriores. Podem ser poloneses, alemães, georgianos, americanos e cidadãos de outros países. Os ucranianos são os primeiros a encarar a batalha, mas os mercenários têm a oportunidade de recuar, reagrupar e até permissão para atirar nas forças armadas da Ucrânia em retirada.
Como analisado ao longo do texto, um papel importante na defesa bem-sucedida de Vuhledar pelas forças ucranianas foi desempenhado pela estruturação de campos minados construídos nos caminhos das colunas blindadas russas e o uso combinado de artilharia e drones que anularam o poder do avanço blindado.
Ademais, o uso de drones de combate ainda que improvisados de modelos civis como o chinês MJI permite incutir pânico nas fileiras da infantaria, deixando veículos blindados sem cobertura.
Nesta guerra, a combinação de artilharia poderosa, ainda que não muito precisa e drones adaptados para ataques a trincheiras, mesmo que não muito poderosos, mas precisos em destruir blindados e pelotões inimigos mediante o lançamento de granadas e loitering ammunitions, permite uma derrota significativa ao adversário, quando integrada a uma rede eficaz de ISR.
Apesar da derrota com baixas significativas (reiterando, estimadas em dezenas de baixas para analistas militares Independentes e até cerca de 200-300 mortos e feridos de acordo com fontes ucranianas), as forças russas não desistiram do cerco a Vuhledar e formação de uma saliência para gradativamente estabelecer um cerco operacional a tal assentamento e finalmente tomá-lo das forças ucranianas, pois do ponto de vista tático-operacional permitirá cortar o abastecimento aos assentamentos restantes ainda controlados pelas FAU em Donestsk; travar o abastecimento de armas, munições, combustível e outros suprimentos advindos de Dniepropetrovsky (importante centro logístico para o esforço militar ucraniano); expandir e solidificar a linha de defesa e de contato em todo eixo de Zaporizhzhia, ainda um dos setores da frente do teatro de operações que é prioritário para futura ofensiva ucraniana, a qual será destinada a tomar Melitopol e construir uma cabeça de ponte para isolar as forças russas da margem esquerda do Rio Dnieper e promover ataques com barragem de artilharia à Crimeia.
Imagem de Destaque: https://www.ft.com/content/0bfe39c1-6d68-4e72-9fe2-9f54b7efa2bd
Fontes consultadas:
https://www.criticalthreats.org/locations/ukraine
https://forbes.ua/ru/war-in-ukraine/vugledar-stav-kistkoyu-v-gorli-rosiyan-yak-zsu-vdalosya-rozbiti-ponad-100-odinits-tekhniki-ta-zupiniti-nastup-rf-16022023-11781
https://newsfrol.ru/24/11041/
https://zona.media/article/2023/02/14/ugledar
Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública