Por Prof.hist.esp Luiz Otavio da Silva
Introdução
Nos anos 1960, um episódio pouco convencional, mas de grande importância diplomática, entrou para a história do Brasil e da França: a chamada **”Guerra da Lagosta”**. Este conflito, embora sem disparos de artilharia pesada, provocou tensões consideráveis entre os dois países, levantando questões sobre soberania, direitos de pesca e jurisdição marítima.
Contexto Histórico
O incidente começou em 1961, quando barcos pesqueiros franceses começaram a operar na costa nordeste do Brasil, especificamente no litoral de Pernambuco, capturando lagostas em grande quantidade. A pesca francesa, que incluía métodos sofisticados e barcos de grande porte, contrastava com as práticas artesanais dos pescadores brasileiros. A presença dos franceses nas águas territoriais brasileiras rapidamente levantou preocupações.
As autoridades brasileiras argumentaram que as lagostas estavam sendo pescadas dentro da sua **zona de pesca exclusiva**, o que à época era delimitado em 12 milhas náuticas da costa, de acordo com o direito marítimo internacional vigente. No entanto, a questão que se colocava não era tão simples: os franceses alegavam que, por se tratar de animais que se locomovem pelo fundo do mar, as lagostas poderiam ser consideradas pertencentes ao **leito marinho**, algo não coberto pela jurisdição brasileira nas águas superficiais. Segundo essa argumentação, as lagostas, ao “caminharem” no fundo do mar, poderiam ser capturadas legalmente.
Em resposta, o Brasil defendeu que as lagostas, assim como os peixes, pertenciam ao espaço marítimo sobre o qual o país tinha jurisdição. O ministro das Relações Exteriores brasileiro à época, Hermes Lima, declarou: **“Se as lagostas estão pulando, elas pertencem ao Brasil; se estão caminhando, pertencem ao leito submarino e, portanto, à França”**.
A Escalada das Tensões
Diante da presença contínua de embarcações francesas na costa brasileira, o governo do presidente João Goulart reagiu. Em 1962, a marinha brasileira foi mobilizada para interceptar e intimidar os pesqueiros franceses, levando ao aumento das tensões. A França, então governada por Charles de Gaulle, respondeu enviando uma força naval ao Atlântico Sul, sugerindo a possibilidade de um confronto armado. A situação, que inicialmente era uma disputa sobre pesca, rapidamente ganhou conotações políticas e nacionalistas.
O episódio ganhou repercussão midiática e foi amplamente coberto pela imprensa de ambos os países. A retórica de que “os franceses estavam roubando as lagostas brasileiras” inflamou o público no Brasil, enquanto na França o incidente foi tratado com certa dose de ceticismo e desdém. Uma frase que se atribui erroneamente a De Gaulle, “O Brasil não é um país sério”, embora desmentida pelo próprio general, sintetiza o tom de ironia com que parte da opinião pública francesa encarou o episódio.
Diplomacia e Resolução
Felizmente, a crise foi resolvida sem que houvesse confrontos armados. Em 1964, após intensas negociações diplomáticas, os dois países chegaram a um acordo: o Brasil teria o direito exclusivo de explorar as águas onde as lagostas estavam sendo capturadas, enquanto a França, por sua vez, reconheceria os limites da zona econômica exclusiva brasileira.
O acordo colocou fim à disputa e evitou que o conflito escalasse, mas o episódio ficou marcado como um exemplo curioso da complexidade das questões territoriais e marítimas, envolvendo não apenas interesses econômicos, mas também questões de soberania nacional.
Consequências e Reflexão
Embora tenha sido uma crise relativamente curta, a “Guerra da Lagosta” teve impactos diplomáticos duradouros. Ela ressaltou a importância do controle sobre os recursos naturais e deu ao Brasil maior atenção à necessidade de proteger suas zonas marítimas. Além disso, o incidente demonstrou como disputas sobre recursos podem facilmente se transformar em crises internacionais, mesmo em questões que, à primeira vista, parecem menores.
Segundo o historiador Luiz Cláudio Villafañe G. Santos, **“o episódio da Guerra da Lagosta é um dos mais emblemáticos sobre a relevância da diplomacia na solução de conflitos territoriais e econômicos entre nações”**.
A diplomacia, nesse caso, evitou que uma escalada militar ocorresse entre dois países com uma relação amistosa.
Por fim, a “Guerra da Lagosta” foi também uma lição de como a diplomacia pode prevalecer em cenários de tensão. Apesar das provocações iniciais e das demonstrações de força, Brasil e França conseguiram resolver o impasse de forma pacífica, por meio do diálogo e da negociação.
Em retrospectiva, o episódio é lembrado mais pelo seu caráter pitoresco e inusitado, mas também destaca a importância das leis marítimas e dos direitos sobre os recursos do oceano, temas que continuam a ser cruciais nas relações internacionais até os dias atuais.
Referências
– Santos, Luiz Cláudio Villafañe G. **A Guerra da Lagosta: um embate diplomático Brasil-França**. Editora Unesp, 2013.
– Lima, Hermes. Entrevista para o jornal *O Globo*, 1962.
– Rebello, Cláudio. **O Brasil e o Direito Internacional do Mar: análise da Guerra da Lagosta**. Revista Brasileira de Política Internacional, 2014. – Franco, Álvaro de Souza. **História Diplomática do Brasil no Século XX**. Editora FG