HORATIO LORDE NELSON, O HERÓI  POLÊMICO, SEGUNDO ALFRED THAYER MAHAN E SIR JOHN KNOX LAUGHTON

de

A CONSAGRAÇÃO DO HERÓI BRITÂNICO

Parte VI

Francisco Eduardo Alves de Almeida[1]

A idéia original do ataque a Santa Cruz de Tenerife nas Ilhas Canárias era desembarcar mil homens liderados pelo amigo de Nelson, capitão Troubridge, em Santa Cruz, no entanto esperava-se que as defesas espanholas locais fossem superiores. Dessa forma, Jervis e Nelson tentaram arregimentar o apoio das forças do exército de De Burgh que escusou-se, alegando que suas ordens eram para ir a Lisboa e lá permanecer. O governador de Gibraltar o general O´Hara também declinou qualquer apoio a empreitada, por não acreditar no sucesso do ataque[2]. O número de mil combatentes incluía os fuzileiros reais e os marinheiros do esquadrão de Nelson, que seria o comandante mais antigo presente na área. Sem essa cooperação entre marinha e exército, as chances de sucesso realmente diminuiriam, no entanto Nelson estava confiante, pois acreditava que a ousadia ligada a surpresa provocaria o sucesso. Esperava-se agregar cerca de seis ou sete milhões de sterlings aos cofres britânicos com esse butim espanhol.[3] Nelson chegou a mencionar a Jervis que em dez horas a operação estaria terminada e que estava “confiante do sucesso”.[4] Essa confiança exagerada contaminou Jervis que deu sinal verde para a incursão.

A força naval designada a Nelson incluía três navios de linha de 74 canhões, um de 50 canhões, três fragatas e um brigue. Na noite do dia 24 de julho de 1797, essa força se aproximou da costa inimiga. A escuridão, agregada à intensa maré reinante, fortes ventos e grandes ondas fizeram com que o grupo de desembarque de Troubridge não conseguisse chegar ao local determinado para a invasão. As fragatas foram as unidades responsáveis por essa aproximação perigosa da costa em virtude de seu baixo calado. Os navios de linha ficariam à distância e utilizariam seus canhões com apoio de fogo naval, no entanto, em razão da baixa profundidade reinante, eles não puderam realizar essa ação e ficaram afastados a mais de três milhas, impossibilitados de apoiar eficazmente a operação[5]. Com isso a surpresa foi perdida e os espanhóis iniciaram forte resposta com tiros de mosquete e de caronadas. Nelson resolveu investir em um escaler com tropas de desembarque, acompanhado de seu filho adotivo Josiah Nisbet, já um jovem tenente com apenas 17 anos de idade, uma incorreção notada por muitos na esquadra em razão da proteção explícita de Nelson para com ele.

Mahan acreditou que Nelson deveria liderar o ataque inicial, em razão de sua impetuosidade e não Troubridge, no entanto as circunstâncias estavam contra tal ação. Disse Mahan que a diferença entre Nelson, um grande comandante e Troubridge, apenas um galante oficial era flagrante.[6] Uma injustiça certamente com Troubridge, que era um brilhante comandante de navio e extremamente valente. Laughton, por sua vez, mais comedido nada mencionou sobre esse fato.

A situação tornou-se tensa e perigosa. Uma das embarcações virou nas grandes ondas e a maioria dos homens a bordo morreu afogada. Para Mahan, Nelson não estava mais considerando a vitória, mas a possibilidade de ter que recuar, em detrimento da honra para a GB o que, para ele, era inaceitável. Diria Nelson depois da ação que “ele nunca esperaria recuar”.[7] Em determinado momento, Nelson recebeu um tiro de caronada no seu ombro direito que quase o decepou por completo. Caiu ferido, então, em cima de Josiah, que imediatamente pressentindo seu padrasto falecer por hemorragia, aplicou rapidamente um torniquete e estancou temporariamente o sangue que jorrava. Logo depois, Nelson foi rapidamente evacuado para o Theseus. Enquanto isso ocorria, Troubridge foi cercado por cerca de oito mil espanhóis e então solicitou uma trégua para discutir os termos de rendição ou retirada. Ao final da ação, haviam morrido 148 homens e 115 estavam feridos.[8] O capitão Richard Bowen do HMS Terpsichore estava morto, Fremantle do Seahorse estava gravemente ferido e Thompson do Leander ferido, uma derrota flagrante para a RN.

Na trégua, aceita pelo comandante espanhol, foi estabelecido que os feridos seriam atendidos e os prisioneiros de ambos os lados seriam devolvidos, com a garantia de que os britânicos evacuassem a ilha e não mais tentassem qualquer ataque a Tenerife. Troubridge concordou e suas forças foram evacuadas. As conversações para esse acordo foram feitas por Troubridge e Don Juan Gutierrez, comandante espanhol local, com o concurso de Samuel Hood, fluente em castelhano e capitão do HMS Zealous. Interessante notar que Mahan elogiou o desempenho de Troubridge durante as negociações de trégua com os espanhóis, afirmando que “Troubridge naquela noite se mostrou valioso como subordinado”,[9]

Enquanto isso ocorria, Nelson foi levado às pressas para o Seahorse, no entanto declinou de lá ser atendido, alegando que não queria impressionar a esposa recém-casada do capitão Fremantle que se encontrava a bordo, com seu braço pendurado e que não tinha boas notícias sobre seu marido que estava gravemente ferido em terra.[10] Seguiu, então, para o Theseus, onde declinou qualquer auxílio para subir a bordo, fazendo-o sozinho. Um dos midshipman a bordo, William Hoste lembrou-se do fato que muito o impressionou[11] dizendo que “seu braço direito estava pendurado, enquanto com o braço esquerdo ele subiu a bordo e com um bom humor que surpreendeu a todos, pediu ao cirurgião que preparasse os seus instrumentos, pois sabia que perderia o braço e quanto mais cedo isso ocorresse melhor”[12].  Em poucos minutos seu braço direito foi amputado, um pouco abaixo do ombro.Tanto Mahan quanto Laughton enalteceram o sangue frio e a coragem desse ato de Nelson.

Os navios de Nelson, após o fracasso dessa operação, se agregaram ao conde St Vincent em frente a Cadiz. As primeiras palavras de Nelson para St Vincent, quando se encontraram, foi “tornei-me um fardo para os meus amigos e inútil para o meu país. Quando deixar de ser subordinado a V.Exa, tornar-me-ei morto para o mundo; a partir daí não serei mais visto”[13]. Jervis o contestou dizendo que o seu heroísmo e perseverança não seriam esquecidos.

Sua primeira carta para St Vincent utilizando o braço esquerdo e em garranchos foi intrigante e comprometedora. Pedia ao conde que promovesse Josiah Nisbet a mestre e comandante, pois ele havia salvado sua vida em Tenerife, substituindo a vaga aberta com a morte do capitão Bowen do Terpsichore. Laughton, ao analisar esse ato de Nelson, não viu nenhuma impropriedade com esse pedido, apesar de Josiah só ter 17 anos de idade, pois as instruções possuíam “elasticidades práticas” em sua execução.[14] Mahan, por outro lado, mais rígido, criticou esse ato, mencionando a observação de um companheiro de Josiah, o mesmo midshipman William Hoste, que se admirara do sangue frio de Nelson, que disse que fora “uma rápida promoção” para um oficial que não possuía as qualidades necessárias para avançar na carreira e que no futuro isso iria se mostrar verdadeiro.[15]

St Vincent não poderia discordar de seu subordinado e promoveu Josiah a mestre e comandante e o designou para comandar o HMS Dolphin, um navio-hospital.[16] Ao mesmo tempo, determinou que, tanto Nelson quanto Fremantle, fossem transportados no Seahorse para a Inglaterra para se recuperarem. Antes de partir, Nelson disse que “um almirante com apenas o braço esquerdo nunca será útil novamente, assim quão mais cedo eu for para minha humilde casa, mais cedo abrirei uma vaga para um homem melhor servir ao país”.[17]

Em uma de suas cartas para Frances, disse Nelson o seguinte sobre sua condição física e mental:

Quanto a minha saúde ela não poderia estar melhor e desejo em breve me juntar a você e meu país no qual confio, não me permitirá demora na necessidade daquela assistência pecuniária que tenho lutado durante a guerra para preservá-la. Não ficarei surpreso se for negligenciado e esquecido uma vez que provavelmente não serei considerado mais útil. Entretanto me considerarei rico se continuar a desfrutar de sua afeição[18].  

Em setembro de 1797 Nelson aportou em Spithead e depois se dirigiu a Bath, junto com sua esposa Frances para convalescer de sua amputação, onde permaneceu por um período, regressando a Londres logo depois. Durante esse período ele sentiu dores tremendas, aplacadas pelo láudano. O motivo principal dessa dor intensa era a ligadura feita pelo cirurgião de bordo que juntara um nervo a uma artéria, provocando dor extrema, irritabilidade e depressão. Data desse período a vitória naval britânica na batalha de Camperdown[19].  O público, como não poderia deixar de ser, acorreu às ruas para comemorar. O barulho com os fogos em frente a residência de Nelson era infernal e todas as residências em Londres acenderam suas luzes em homenagem a Duncan e a RN. Um grupo de transeuntes vendo aquela casa apagada, correu para a porta exigindo a iluminação imediata da casa. Um servente veio à porta e informou ao grupo que lá estava convalescendo o almirante Nelson. A turba ao saber desse fato, calou-se e um dos seus representantes disse que não incomodaria Sir Horatio e tampouco as pessoas na rua em homenagem aquele herói. Instantes depois a rua tornou-se silenciosa.[20]

Em dezembro as dores começaram a diminuir, enquanto aumentaram as esperanças de voltar ao serviço ativo. Em breve o Almirantado lhe enviou um comunicado dizendo que voltaria a servir com St Vincent e que iria ser destacado no HMS Vanguard de 74 canhões que seria comandado pelo seu amigo capitão Edward Berry, seu subordinado no Agamemnon.

Em abril de 1798, Nelson e Berry seguiram da Inglaterra para se agregar a St Vincent no Mediterrâneo, para júbilo de ambos. As primeiras palavras de St Vincent ao Almirantado, ao saber da vinda de Nelson para a sua esquadra foi “eu asseguro a V.Exa [Conde Spencer] que a chegada do almirante Nelson me proporcionou uma nova vida; o senhor não poderia me gratificar mais que me enviá-lo; sua presença no Mediterrâneo é essencial”.[21]

Para Mahan, a carreira de Nelson pode ser dividida em duas partes[22]. A primeira de sua juventude até a sua agregação a St Vincent em abril de 1798, no qual seu desenvolvimento foi ‘consecutivo e homogêneo’, sendo influenciado igualmente externa e internamente. Sua natureza e ambição corresponderam a oportunidade e ao seu julgamento do que podia ser certo ou errado. Dúvidas, incertezas, fricção, motivos dúbios eram desconhecidos para ele. Ele agiu, até aqui, com liberdade, de acordo com suas próprias leis e apesar de sua pouca saúde e ansiedade, suas cartas demonstraram alegria  e contentamento. Daquele momento em diante, começou a segunda parte de sua carreira. Para Mahan percebe-se o mesmo homem no inicio de uma nova carreira, no entanto com maior grandiosidade. Antes de suspender no Vanguard, Nelson era um homem de distinção entre muitos; agora o brilho de sua personalidade irá crescer ainda mais, sua ascensão à fama será fulgurante. As oportunidades iriam aparecer e ele saberia aproveitá-las. Ele será um gênio da guerra, faculdades intelectuais que se apresentarão por inteiro, um processo mental racional que o irá se distinguir de seus pares da RN. Ele terá fé e poder moral, qualidades que dominarão a hesitação em momentos de emergência, tornando-se um grande capitão. Suas qualidades seriam a concentração de propósitos, energia incansável, destemor em assumir responsabilidades, julgamento equilibrado e imediato, audácia sem limites, prontidão para a ação, intrepidez e persistência além de qualquer coisa.[23] Complementou Mahan, afirmando que “os dois elementos, o mental e o moral, são normalmente encontrados separados, raramente combinados. Em Nelson eles se encontram e coincidem, com oportunidades excepcionais que permitem-no constituir sua boa sorte e grandeza”.[24] Os seus superiores, para Mahan, poderiam contar, a partir daquele momento, com um homem de ação quando “dificuldades aparecessem em qualquer emergência”[25]. Nelson era o maior de todos os homens de ação com sucesso para o autor norte-americano.[26] No entanto, ao mesmo tempo em que enalteceu as virtudes de chefe naval e guerreiro, Mahan criticou severamente o seu comportamento pessoal privado. Para Mahan, em contraste com a exaltação do herói e patriota, veio “a degradação do homem, sendo aí a tragédia e a miséria da trajetória de Nelson”.[27] Concentrado no seu próprio destino e na falta de remorso com o qual temperou sua própria consciência ao rejeitar sua esposa [Frances] em favor de sua amante [Emma][28], isso foi uma mancha em sua deteriorada moral privada.[29] Sua conduta infantil e vã,  que transpareceu em suas cartas para casa, foi o lado fraco de suas ações heróicas, degenerando rapidamente em perda de dignidade e a aceitação da adulação e corrupção formulada por uma mulher [Emma] que era sua única fascinação. Essa influência perniciosa de Emma sobre Nelson o fêz se alienar aos poucos, não só de sua esposa, mas de seus melhores e antigos amigos.[30] Para Mahan, essa conduta imprópria e humilhante de Nelson para com sua esposa Frances não se justificava, principalmente por que Lady Nelson foi atenciosa ao cuidar pessoalmente das bandagens e curativos no braço amputado, acompanhando-o nas idas e vindas entre Bath e Londres e só se separaram quando Nelson seguiu para Portsmouth se encontrar com Berry no Vanguard.     

Mahan demonstrou um entusiasmo flagrante com a trajetória militar de Nelson e assim o enalteceu em seu texto biográfico, no entanto foi excessivamente crítico com a conduta privada de Nelson, principalmente em seu relacionamento com Emma Hamilton e a humilhação explícita de sua esposa Frances. Mahan, antes mesmo de descrever o relacionamento que ocorreria entre Emma e Nelson, já o criticou no seu texto biográfico. Aquele relacionamento adúltero já o incomodava antes mesmo de descrevê-lo. Por certo, Mahan, por sua religiosidade extrema e moralismo exacerbado, via Nelson com duas diferentes perspectivas, o herói genial e o marido adúltero, inseridos no mesmo ser humano.    Laughton, por sua vez, mais contido, reconheceu as qualidades guerreiras de seu herói, mas em nenhum momento o enalteceu do mesmo modo que Mahan o fêz. Até esse ponto Laughton não atacou Nelson em relação a Frances em sua biografia. Emma, até aqui, não foi criticada nenhuma vez em sua biografia, preferindo o velho mestre inglês aguardar o encontro entre os dois, Nelson e Emma, para fazer qualquer julgamento. A parcimônia e recato em suas palavras parecem ditar o seu ritmo escritural. Duas percepções  exteriorizadas diferentemente.

Um golpe de gênio: a batalha naval do Nilo

A situação política européia naquele abril de 1798 era a seguinte: a França continuava em guerra com a GB. Portugal era aliada dos britânicos, mas em razão de sua fraqueza militar só os apoiava com abastecimentos e o porto de Tagus. A Áustria estava em confabulações com os franceses para a assinatura de um acordo de paz, que acabou sendo assinado em outubro. A Bélgica fora incorporada à França. Veneza deixara de existir e parte de seu território passara para a Áustria e parte para a recém-criada República Cisalpina, sob controle francês. Muitas das ilhas do Adriático foram conquistadas pela França, demonstrando claramente que os franceses desejavam controlar o Mediterrâneo. A Holanda, a Suíça e diversas repúblicas italianas foram ocupadas por tropas francesas com governos colaboracionistas. Tanto a Prússia como muitos estados alemães mantinham-se em estrita neutralidade. A Rússia era inimiga da França, porém mantinha-se distante sem entrar em combate com os franceses. O Reino das Duas Sicílias mantinha-se neutro, no entanto temia as forças francesas que se encontravam na península itálica. O único estado que se encontrava em combate permanente contra os franceses era a GB. Bonaparte diria que “ou nosso governo destrói a monarquia britânica ou espera-se que sejamos destruídos pela corrupção e a intriga daqueles ativos ilhéus [os britânicos]”.[31] O controle do Mediterrâneo era fundamental tanto para franceses como para os britânicos.          

Ao se apresentar a St Vincent, Sir Horatio recebeu a determinação de vigiar a esquadra francesa que estava fundeada em Toulon. Sabia-se que algo grande estava para ocorrer no Mediterrâneo, pois muitas tropas francesas estavam se congregando em Toulon e que havia muitos navios-transporte prontos para suspender. Qual o destino daquelas forças? Perguntavam o Almirantado britânico e Lorde St Vincent. A única solução era patrulhar as águas em torno de Toulon e descobrir o destino daquelas unidades inimigas. Essa tarefa coube a Nelson que recebeu três navios de linha, quatro fragatas e uma chalupa. O seu navio capitânea, o HMS Vanguard, era comandado por seu velho amigo capitão Berry. O segundo navio do esquadrão era o HMS Orion de 74 canhões sob o comando do valente capitão Sir James Saumarez, elevado a cavaleiro em 1793, em razão do apresamento da fragata francesa Reunion em um combate memorável. Sir James era um comandante experiente e tivera uma ação destacada na batalha do Cabo de St Vicente. Por ser de Guernsey falava um francês perfeito, porém não era íntimo de Nelson como Berry.[32] O terceiro navio de linha de 74 canhões era o HMS Alexander sob o comando do capitão Alexander Ball. Nelson não tinha boa impressão desse oficial, pois quando esteve na França, Ball também lá se encontrava e por ser mais moderno Ball deveria, por etiqueta naval, cumprimentá-lo pessoalmente, o que não fêz, para desconforto de Nelson.

Quando Ball foi se apresentar a Nelson no Vanguard para se agregar ao esquadrão em frente a Toulon, Nelson foi sarcástico perguntando “o que, você está se apresentando para ter seus ossos quebrados?”.[33] Ball não se intimidou com a provocação de Nelson e respondeu que ele não desejava ter os seus ossos quebrados, a não ser que seu dever para com o rei e o país requeresse isso e dessa maneira eles deveriam ser quebrados sim. Nelson não gostou do comentário, mas manteve-se impassível. Um mau prognóstico para Ball.[34]

Logo após, esse esquadrão chefiado por Nelson estava defronte à Toulon, vigiando a força francesa que se presumia ser de pelo menos 15 navios de linha. No dia 18 de maio, uma violenta tempestade atingiu a força de Nelson e avariou seriamente o Vanguard que quase soçobrou. As fragatas e a chalupa pediram autorização para procurarem um porto de abrigo mais próximo e se dirigiram a Gibraltar. Imediatamente o Alexander, sob o comando de Ball, avançou e rebocou tanto o Vanguard como o Orion. Em diversas ocasiões os navios estiveram a ponto de afundar e Nelson liberou Ball para prosseguir sozinho de modo a achar abrigo. Ball recusou e continuou apoiando os outros dois navios em perigo até conseguir levá-los para San Piero na Sardenha. Por essa atitude corajosa de Ball, Nelson ficou admirado e tornou-o um grande amigo. A amizade dos dois permaneceria por muitos anos.[35]

Enquanto esses fatos ocorriam, a frota francesa suspendeu de Toulon com destino ignorado. Por quatro dias os navios britânicos permaneceram em San Pietro se recuperando das avarias sofridas. Quando retornaram a Toulon, os franceses já tinham partido. Nelson ficou desolado. Além de só ter os três navios de linha, Nelson não contava mais com as fragatas e a chalupa que continuaram em Gibraltar.

O governo britânico, ao tomar conhecimento da saída da grande esquadra francesa, determinou a St. Vincent que interceptasse aquelas unidades inimigas, reforçando a sua força naval com mais navios de linha. Propôs, então, a designação de um almirante subordinado a ele para essa função, indicando o nome de Nelson.[36] Dessa maneira foram designados nove navios de linha de 74 canhões e a HMS Leander de 4a classe com 50 canhões. A essa força foi designado o HMS Culloden sob o comando do seu amigo o capitão Troubridge. No total Nelson teria naquele momento 13 navios de linha de 3a classe com 74 canhões, um de 4a classe com 50 canhões e um pequeno brigue com 16 canhões[37] para se defrontar com a força inimiga.

Com essa força Nelson iniciou sua procura pelos navios franceses. Teriam ido para Portugal? Ou a Itália? Ou mesmo se agregado aos espanhóis em algum ponto do Mediterrâneo? Nelson não tinha a mínima idéia. Um fator o preocupava e isso era a questão dos abastecimentos para sua força. Pensou como um ponto seguro de apoio o porto de Nápoles no Reino das Duas Sicílias. Enviou, então uma carta para Sir William Hamilton por Troubridge, a bordo do Mutine, para saber se poderia contar com o apoio daquele reinado. Nessa carta Nelson escreveu o seguinte a Sir William:

Não há dúvidas que os franceses têm conhecimento tão bem quanto eu e o senhor que os reis da Sicília nos pediram auxílio para salvá-los (mesmo isso é considerado um crime pelos franceses). Aqui estamos prontos e derramaremos nosso sangue para impedir que os franceses lhes façam mal. Na chegada da esquadra real espero encontrar boa vontade em relação a nós e rancor em relação aos franceses.[38]                

O principal propósito de Nelson era obter suprimentos, descanso para suas tripulações e práticos para seus navios.[39] Algo, no entanto, lhe dizia que Napoleão talvez quisesse se apoderar do Egito e em carta a Lorde Spencer mencionou tal possibilidade.[40] O que efetivamente desejava era encontrar a esquadra inimiga aonde quer que estivesse e destruí-la. Para St Vincent disse que lutaria contra ela no momento em que a visse, “estando ela fundeada ou navegando”[41].

Por certo que o rei das Duas Sicílias estava temeroso em apoiar os britânicos, pois os franceses já estavam operando na península itálica e até ali permanecera neutro no conflito. Nelson, por meio de Sir William, começou a exercer pressão sobre o rei Ferdinando para apoiar seus navios, entretanto contou com o auxílio inestimável de Sir William Hamilton, embaixador britânico em Nápoles e amigo de Sir John Acton, o primeiro ministro do Reino de Nápoles. Depois de intensa troca de mensagens, Acton deu garantias a Nelson de que os governadores italianos dos portos da Sicília apoiariam seus navios, apesar de manter confabulações com Viena garantindo que manteria a neutralidade no conflito entre a GB e a França[42]. Afiançou Acton que os reis de Nápoles mantinham grandes simpatias pela GB, sendo inclusive a rainha Maria Carolina irmã de Maria Antonieta, morta no período do terror na Revolução Francesa. Maria Carolina ficara extremamente chocada com a brutalidade que atingiu sua irmã e tornou-se inimiga ferrenha da França.

Nelson continuou sua busca pela força inimiga e ao passar pela Sicília tomou conhecimento que a esquadra inimiga havia tomado Malta e que essa força era constituída por 16 navios de linha, fragatas e cerca de 300 transportes. Uma esquadra poderosa com cerca de 40.000 soldados prontos para o desembarque. Imaginando que o próximo passo de Napoleão seria Alexandria no Egito, Nelson rumou a toda velocidade para esse porto, lá chegando no dia 29 de junho. Para sua frustração os franceses não estavam naquele local. Mal sabia ele que as duas forças se cruzaram quando imaginou que os franceses talvez estivessem se dirigindo para a costa síria. As duas forças não se encontraram por que houve um grande nevoeiro que cobriu o horizonte[43] e os franceses foram fundear no dia seguinte em Alexandria para desembarcar suas tropas no Egito.

Nelson, quando em trânsito com sua força, fazia questão de chamar os seus comandantes de navio para confabularem sobre que passos tomar. A baixa velocidade dos navios em viagem facilitava esse procedimento, sem modificar substancialmente o avanço da força. Sir James Saumarez diria que “passei o dia no Vanguard [capitânea de Nelson], tomando café e jantando com o almirante”.[44] Nelson aproveitava essas ocasiões para discutir seus planos e táticas de modo a que todos entendessem no momento do combate aquilo que ele esperava de seus subordinados. Ele tinha grande confiança em quatro de seus comandantes, Saumarez, Troubridge, Ball e Darby. Nelson sempre os escutava e os levava em consideração. Em algumas situações pedia até que escrevessem seus próprios planos e idéias para sua análise posterior.[45] Esse foi um dos pontos destacados por Mahan para demonstrar o tipo de liderança exercida por Nelson. Afirmou Mahan que “a aniquilação da esquadra francesa e nada menos que aniquilação completaria os interesses de segurança de seu país, consistindo nisso o espírito de suas instruções”.[46] Laughton, da mesma forma, comentou sobre essas reuniões informais.

Da costa síria, Nelson foi se abastecer na cidade de Siracusa na Sicília. O governador de Siracusa era Don Giuseppe della Torre que inicialmente foi reticente em apoiar a esquadra de Nelson, no entanto depois que lhe foi mostrado o salvo conduto de Acton, della Torre determinou o imediato apoio com suprimentos para a força de Nelson “em razão da boa vontade de Sua Majestade [o Rei de Nápoles] e da amizade em relação à nação inglesa”.[47] Ao término do abastecimento, Nelson diria que “nossas necessidades foram amplamente atendidas e toda a atenção foi dirigida a nós”.[48]

O abastecimento em Siracusa levou cinco dias e suspenderam no dia 25 de julho. Troubridge ficou encarregado de seguir à vante em patrulha, quando apresou um pequeno barco francês carregado de vinho e descobriu que os franceses estavam no Egito. Imediatamente alertou Nelson sobre esse acontecimento. O último determinou, então, a mudança de rumo para Alexandria onde esperava destruir a força inimiga. Por não contar com fragatas para realizar o esclarecimento necessário avante se sua força, determinou ao Alexander, o Swiftsure e o Zealous que fossem mandados à frente com a finalidade de confirmar a presença da força francesa e ao meio dia do dia 1 de agosto de 1798 os dois primeiros confirmaram que em Alexandria existiam muitos navios transportes, mas nenhum navio de guerra. O Zealous, por sua vez, confirmou que na baía de Aboukir estavam fundeados 16 navios de linha inimigos[49]. Nelson, então, se preparou para a ação, embora não possuísse as cartas de navegação para a aproximação da baía de Aboukir. Ele só possuía um croquis obtido de um navio inimigo apresado.[50] Eram 17 navios franceses contra apenas dez britânicos[51], uma desproporção em princípio, contudo a força de Nelson tinha algumas importantes vantagens em relação a força do almirante francês Brueys. Considerando as forças frente à frente, os franceses tinham vantagem em números de navios, número de combatentes e quantidade de canhões. O capitânea de Brueys era o formidável L´Orient com 120 canhões, um enorme vaso de guerra que correspondia a quase dois navios de 74 canhões dos britânicos, além disso existiam três navios de linha com 80 canhões mais poderosos que os vasos de Nelson, o Franklin, o Tonnant e o Guillaume Tell. Quatro dos navios franceses eram fragatas com maiores velocidades. Em que pese essas vantagens, os navios franceses eram velhos, alguns com pouca capacidade de navegar ainda mais de combater, sendo que dois deles, o Guerrier e o Peuple Souverain tinham sido condenados no ano anterior a não mais navegar. Os marinheiros franceses, além disso, eram novatos e sem adestramento nas lides marinheiras, muitos sendo homens criados em terra com pouca familiaridade em assuntos navais. Assim não sabiam nem carregar e muito menos disparar seus canhões. A disciplina a bordo dos navios era relaxada e existiam muitos casos de insubordinação. Alguns dos homens, inclusive, estavam ainda em terra enchendo os tonéis de água, o que diminuía o número de combatentes aptos a se contrapor a Nelson.[52] Os britânicos, por seu turno, eram bem adestrados, acostumados com as lides marinheiras, treinavam exaustivamente a artilharia e eram primorosamente liderados por oficiais motivados sob o comando de Nelson. Os comandantes britânicos eram todos jovens com idades entre 35 e 40 anos. Saumarez e Ball os mais velhos tinham 41, e Berry, o mais jovem, com apenas 30 anos de idade. Todos tinham grande experiência, tendo participado de diversos combates. Laughton diria que “raramente houve um grupo de oficiais de tal qualidade com mérito e experiência…eles se transformaram como Nelson os chamava, em um bando de irmãos”.[53]  A quantidade dava lugar a qualidade.

A situação tática dos navios franceses era a seguinte: todos estavam fundeados afilados ao vento, próximos da costa a cerca de três milhas. Brueys acreditava que não haveria chance de ser atacado por bombordo, uma vez que não haveria espaço para um navio se esgueirar por esse local de baixa profundidade, pois a chance de encalhe seria maior. Todos os navios franceses estavam em linha, sendo que o capitânea L´Orient estava na posição sete na linha. Brueys acreditava que se houvesse um ataque, ele seria feito contra sua retaguarda, daí ter colocado atrás do L´Orient dois navios de 80 canhões mais poderosos, o Tonnant e o Guillaume Tell. Além disso, tinha a certeza que os ingleses não atacariam a parte de vante de sua força, pois as baterias de terra, a sua esquerda, os protegeriam de qualquer ataque na parte da frente. Sua permanência em Alexandria, também, seria impossível, pois não haveria espaço para os seus navios de guerra, dessa forma acreditou que, por estar em Aboukir, uma baía aberta com proteção de baterias de terra, teria maiores chances de sucesso se fosse atacado. Por esperar o ataque a boreste determinou que seus navios estivessem preparados para responder ao fogo por esse bordo e toda a munição foi estocada nesse lado. Por bombordo os canhões estariam desguarnecidos. Isso se mostrou fatal como será discutido.

Nelson imaginou exatamente o contrário de Brueys. Resolveu atacar a parte de vante e a central da força francesa. Em carta a Lorde Howe, posteriormente diria que “ atacando à vante e o centro do inimigo, o vento soprando ao longo da linha francesa, fui capaz de despejar a força que desejei em poucos navios. Esse plano meus amigos rapidamente conceberam por sinais”.[54] Ao mesmo tempo dividiu sua força em três esquadrões para melhor controle, cada um com quatro navios[55], sob os comandos de Troubridge, Saumarez e ele próprio.[56] O que desejava era concentrar sempre dois navios contra um do inimigo.  

Figura 1. Fonte:  MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1.  op.cit. p. 348.

Imediatamente ao ver a força inimiga, Nelson determinou que seus dez navios em linha se dirigissem a força inimiga fundeada. O Culloden de Troubridge largou a sua presa e tentou se aproximar da linha de batalha e ao cortar caminho bateu em uma pedra e ficou preso em uma ilhota posteriormente chamada de Ilha de Nelson e com isso não pôde participar da ação, frustrando o seu comandante. O Alexander, o Swiftsure e o Leander vieram em boa velocidade para se agregar à força de Nelson, porém continuaram fora de formatura, pois estavam ainda a 12 milhas de distância.[57]

Ao ser avistada a força britânica, por volta de 18h30 min, os navios franceses abriram fogo por boreste. O primeiro navio inglês da linha foi o Goliah sob o comando do capitão Thomas Foley, que percebendo que teria água entre o Guerrier e a linha de costa, resolveu investir nessa estreita faixa de água, cruzou a proa do inimigo e fundeou próximo ao segundo navio o Conquerant. Ao passar pelo Guerrier, abriu fogo, sem receber fogo contrário, pois os franceses esperavam o ataque por boreste. Ao se aproximar do Conquerant continuou atirando até largar sua âncora e continuar atirando[58].  O segundo navio foi o Zealous que engajou o Guerrier vindo, também, a ancorar, mantendo um vivo fogo contra o inimigo. O terceiro navio foi o Orion de Saumarez que continuou no seu rumo e ancorou entre o Peuple Souverain e o Franklin, abrindo fogo contra ambos. O quarto navio de linha britânico foi o Audacious que abriu fogo entre a costa e o inimigo mais próximo o Conquerant. Foi seguido pelo Theseus, que fundeado, abriu fogo em dois navios inimigos, o Conquerant e o Aquilon. A concentração estava sendo obtida como imaginava Nelson. Até aquele momento todos os cinco navios estavam em uma estreita faixa de água, sob risco de encalharem. Coube a Foley do Goliah perceber que poderia passar naquela faixa, ao notar que os navios franceses deixaram espaço suficiente para permitir a entrada de um navio naquele setor.[59] Nelson, nos encontros com seus comandantes, dava liberdade de ação, se a situação permitisse o aproveitamento. Os dois primeiros navios franceses, o Guerrier e o Conquerant já estavam virtualmente destruídos naquele início de combate. As baterias de terra abriram fogo contra os britânicos, porém sem resultados expressivos.

Nelson vinha no sexto navio na linha, o Vanguard de Berry e resolveu engajar os navios no bordo contrário e imediatamente atacou o Spartiate que naquela altura já sofria o ataque do Theseus.[60] Foi seguido pelo Minotaur que engajou o Aquilon, já pressionado pelo mesmo Theseus e pelo Defence que atacou o Peuple Souverain já fustigado por Saumarez. Em cerca de 30 minutos, cinco navios franceses estavam sendo destruídos por oito navios britânicos sem que os seus consortes pudessem fazer alguma coisa, pois estavam todos ancorados e impossibilitados de suspender. Para Laughton “os [franceses] estavam virtualmente batidos pelas primeiras bordadas de artilharia dos navios ingleses”.[61]

Os dois últimos navios de Nelson, o Bellerophon e o Majestic tiveram menos sorte. O Bellerophon engajou o enorme e poderoso L´Orient, sofrendo um grande número de baixas, pois a desproporção de poder entre os dois era enorme. O francês possuía 120 canhões enquanto o inglês apenas 74.  O Majestic, da mesma forma, procurou atacar o Heureux, contudo foi fundear próximo ao Mercure, quando manteve uma forte troca de artilharia com esse navio. A escuridão da noite já tomava conta das ações, além da fumaça dos tiros de canhão, fazendo com que a visibilidade caísse sobremaneira. O comandante do Majesic, capitão George Westcott, foi morto alvejado por um tiro de mosquete, possivelmente do Heureux.[62]      

Começava, já no período noturno, o que Mahan chamou de a segunda fase do combate com a aproximação do Alexander, Swiftsure e Leander.

Figura 2 .Segunda fase da batalha do Nilo. Fonte: MAHAN, Alfred Thayer. The Life of  Nelson. op.cit. p. 352.

Por volta das 20h, o Alexander e o Swiftsure fundearam próximos ao L´Orient e começaram a disparar contra esse enorme vaso de guerra. Cada um dos navios atirou de bordos diferentes, o Swiftsure a boreste e o Alexander a bombordo do L´Orient. Uma hora depois chegou o Leander que também engajou tanto o L´Orient como o Franklin. Pela figura 2 percebemos três navios franceses sendo atacados por cinco britânicos exatamente no meio da formatura. Os demais navios franceses da retaguarda continuavam sem participar da ação, ainda em processo de suspender de seus ancoradouros.

Em razão da concentração de fogos, iniciou-se um incêndio na popa do L´Orient. Imediatamente Hallowell do Swiftsure e Ball do Alexander dirigiram seus fogos para aquela área do navio francês e o fogo começou a se alastrar. Às 21h45min da noite ocorreu uma enorme explosão no L´Orient e rapidamente após o navio afundou levando consigo toda a sua tripulação. Poucos sobreviveram. O almirante Brueys morreu ao ser atingido por um tiro direto de canhão e afundou junto com o seu navio. Para Laughton ele não era um chefe brilhante, mas era um bom e bravo oficial naval. Seu chefe de estado-maior, Casabianca, também, morreu junto com o seu filho na explosão do L´Orient[63]. Com essa explosão, a vitória de Nelson estava assegurada.

Enquanto esses fatos ocorriam, Nelson ficou ferido por um estilhaço que atingiu sua testa acima da vista esquerda, quase o deixando cego. Esse ferimento foi de certa gravidade e grande quantidade de sangue cobriu o seu uniforme. Seu olho esquerdo encheu de sangue e ele exclamou que estava morrendo e que cuidassem de Frances.[64] Foi imediatamente evacuado para a enfermaria e lá o cirurgião costurou o ferimento e limpou seu rosto que estava coberto de sangue[65]. Em seguida, Nelson irriquieto voltou ao convés do Vanguard a tempo de assistir a explosão do L´Orient.[66] Enquanto essas ações ocorriam, Troubridge continuava encalhado recebendo o auxílio do Mutine de Hardy, sem participar das ações.

Os navios franceses da retaguarda, que não participaram das ações, conseguiram finalmente suspender e se afastar do combate sob o comando do almirante Villeneuve. Os navios que conseguiram escapar foram o Guilleume Tell, Genereux, Justice e Diane. Além do afundamento do L´Orient, o Timoleon e o Artemise foram destruídos pelos incêndios e o Serieuse afundou. Os demais navios inimigos, nove, foram apresados pelos britânicos. Laughton diria que “nunca nos anais da guerra moderna tinha essa vitória sido tão completa”[67]. Complementaria dizendo que não tinha sido uma vitória, foi uma conquista.[68]  E ele tinha razão. A esquadra de Napoleão no Mediterrâneo estava perdida.

Nelson, em carta a Lorde St Vincent após a batalha, disse o seguinte:

Os navios do inimigo, todos exceto dois navios de linha da retaguarda, estão sem os mastros; e esses dois [navios] com duas fragatas, temo dizer escaparam; nem foi possível, lhe asseguro, prevenir a sua escapada. Capitão Hood [comandante do Zealous] muito galantemente se ofereceu para persegui-los, no entanto eu não tinha outro navio em condições de apoiar o Zealous e fui obrigado a chamá-lo de volta.[69]   

Laughton discutiu a idéia de se atacar uma esquadra fundeada e afirmou que Hood já tivera essa idéia anteriormente, embora não tivesse tido a chance de executá-la.[70] Salienta, também, que se os navios de guerra franceses estivessem fundeados em Alexandria junto com os transportes, Nelson, com sua ousadia, entraria no porto e destruiria não só a esquadra inimiga, mas a maioria dos navios transporte que apoiavam as tropas de Napoleão no Egito[71]. A derrota francesa seria ainda pior.

Os britânicos perderam nessa batalha cerca de 218 mortos e 678 feridos. Entre o mortos estava o comandante do Majestic, o capitão Westcott. O navio que mais sofreu baixas foi o Bellerophon sob o comando de Darby com 49 mortos. Nelson, após o combate, expediu uma ordem geral congratulando todos os seus subordinados pela ação nos seguintes termos:

Aos comandantes dos navios do esquadrão

O almirante, do fundo do seu coração, congratula os comandantes, oficiais, praças e fuzileiros do esquadrão do qual teve a honra de comandar na última ação; e deseja que eles aceitem seu mais sincero e cordial agradecimento por seu comportamento galante nessa gloriosa batalha. Deve ser entendido perfeitamente por todos os marinheiros britânicos quão superiores suas condutas foram quanto a disciplina e boa ordem, em relação ao desordeiro comportamento dos franceses sem lei.[72]

Para Mahan, o hábito de se associar com seus subordinados, reconhecendo e se lembrando de suas ações fazia com que Nelson fosse endeusado por seus homens. O rei Jorge III, em reconhecimento por sua vitória, elevou Nelson ao pariato, designando-o Barão Nelson do Nilo e de Burham Thorpe. Muitos na Câmara dos Comuns esperavam que esse título fosse maior, visconde, por exemplo, no entanto, em resposta, o primeiro-ministro comentou que a glória de Nelson independia do grau de pariato que ele fosse elevado, o que não convenceu a muitos políticos e nem ao próprio Nelson, que esperava um maior grau com sua vitória. Seja como for, Nelson escreveu a Lorde Spencer agradecendo o título dizendo que era “o maior que já tinha sido conferido a um oficial de seu posto que não era de comandante-em-chefe”.[73]

Congratulações vieram de diversos rincões. Missas foram rezadas em toda GB. O czar da Rússia enviou uma carta de recomendações cumprimentando Nelson. O sultão da Turquia idem, os reis da Sardenha e das Duas Sicílias enviaram presentes a Nelson. O Parlamento britânico votou uma pensão de duas mil libras anuais a Nelson e a seus dois descendentes que lhe seguiriam no pariato. Foi erguido um monumento em memória de George Westcott, morto em combate, na Igreja de St. Paul. O comandante do Swiftsure capitão Hallowell presenteou Nelson com uma arca-caixão produzida a partir do madeirame do L´Orient recolhido após a ação, para que Nelson, quando falecesse, fosse enterrado na madeira do navio inimigo destruído[74]. Todos envolvidos no combate receberam medalhas comemorativas e os primeiros tenentes dos navios em combate foram promovidos a mestres e comandantes e capitães. O primeiro-tenente do navio de Troubridge foi excluído da lista, assim como o próprio comandante do Culloden, o que provocou forte reação de Nelson que escreveu para St Vincent pedindo para o erro ser corrigido, o que ocorreu depois de algum tempo, para tristeza de Troubridge e sua tripulação que queriam ser incluídos na primeira lista e não em uma lista posterior. Nelson, também, promoveu o jovem mestre e comandante Thomas Hardy do Mutine a capitão, dando-lhe o comando do Vanguard, já que Berry foi designado para levar as notícias da vitória à GB. Para o comando do Mutine ele designou o tenente Bladen Capel, promovido a mestre e comandante, sendo ele o filho mais novo do conde de Essex e oficial do Vanguard.[75]

Nelson passou a ser considerado o grande herói e salvador que derrotara Napoleão no Egito. No dia 19 de agosto recebeu a ordem de seguir para Nápoles com três navios de linha e algumas fragatas para abastecimento e descanso. Um novo período na vida de Nelson iria começar.

*Imagem em destaque: https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Santa_Cruz_de_Tenerife_(1797)#/media/Ficheiro:Ataque_brit%C3%A1nico_en_Santa_Cruz_de_Tenerife.jpg


[1] Oficial de Marinha graduado em Ciências Navais pela Escola Naval (1978) . Graduado em História (UFRJ), com  mestrado e doutorado em História Comparada (UFRJ) e pós-doutorado em Ciência Política pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval. 

[2] MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 297.

[3] Idem.

[4] Ibidem, p. 299.

[5] MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 300.

[6] Ibidem, p. 301.

[7] Ibidem,  p. 302.

[8] LAUGHTON, John Knox. Nelson Memorial. op.cit, p. 77.

[9] MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 305.

[10] O capitão Thomas Fremantle era um velho amigo de Nelson tendo servido com ele por muitos anos. Ele se casara em Livorno e estava levando sua jovem esposa para a Inglaterra em seu navio o HMS Seahorse quando foi desviado para essa missão. Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson Memorial. op.cit, p. 78.

[11] Essa passagem foi notável, pois tal ato ficou gravado na mente daquele jovem midshipman que se lembraria dessa ação anos depois, enaltecendo o culto do herói e exemplo para as novas gerações.  

[12] MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 304.

[13] Ibidem,  p. 306.

[14] LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit p. 97.

[15] MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1 op.cit. p. 306.

[16] LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit p. 98.

[17] Idem.

[18] Carta de Sir Horatio Nelson para Frances Nelson escrita em 5 de agosto de 1797 a bordo do HMS Theseus. Fonte: NAISH, op.cit. p. 332. Nelson utilizou a palavra ‘your affection’ ao invés de ‘your love’.

[19] Essa batalha foi travada em 11 de outubro de 1797 entre uma força naval britânica sob o comando do almirante Duncan e uma força holandesa. Duncan venceu o encontro apresando nove navios holandeses. Fonte:  PEMSEL, op.cit. p. 80.

[20] LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit p. 98.

[21] MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1  op.cit. p. 310.

[22] Nesse ponto Mahan percebeu duas trajetórias distintas para Nelson, apontando mudanças em seu perfil pessoal e profissional. No perfil pessoal a influência de Emma se fez presente na segunda trajetória e no perfil profissional avultou a experiência.  

[23] Essas foram as qualidades apontadas por Mahan, um libelo ao guerreiro Nelson do qual muito admirava como combatente. Fonte: Ibidem, p. 313.

[24] Ibidem, p. 312.

[25] Ibidem, p. 313.

[26] Idem.

[27] Ibidem, p. 314.

[28] Ibidem, p. 315.

[29] Mahan fez questão de indicar o sub-título de seu capítulo como sendo “a deterioração moral”, em uma reprovação explícita com a conduta de seu herói. Fonte: Idem.

[30] Idem.

[31] Ibidem, p. 318.

[32] LAUGHTON, John Knox. Nelson Memorial. op.cit. p. 86.

[33] Ibidem, p. 87.

[34] Idem.

[35] Ao chegarem a San Pietro Nelson foi agradecer a Ball o auxílio prestado e ao se encontrarem se abraçaram, dizendo Nelson a Ball que “um amigo em necessidade é um amigo com certeza” em inglês ‘a friend in need is a friend indeed’. Fonte: Ibidem, p. 88.

[36] Segundo Laughton a indicação do nome de Nelson para essa tarefa partira diretamente do Primeiro Lorde do Almirantado, Lorde Spencer, possivelmente auxiliado por Sir Gilbert Elliot, ou mesmo o rei Jorge III ou seu filho e amigo de Nelson o duque de Clarence. Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit  p. 102.

[37] O pequeno brigue de apenas 16 canhões de nome HMS Mutine era comandado pelo mestre e comandante Thomas Hardy que seria um dos grandes amigos de Nelson até o final de sua vida. Esse navio foi utilizado por Nelson como um navio mensageiro e esclarecedor por não possuir mais fragatas que fariam esse papel.

[38] Carta de Sir Horatio Nelson para Sir William Hamilton escrita em 20 de junho de 1798 a bordo do HMS Vanguard . Fonte: WAR TIMES JOURNAL. Letters and Dispatches of Horatio Nelson.  Disponível  em; www.wtj.com/archives/nelson.  p. 8.

[39] LAUGH TON, John Knox. Nelson. op.cit  p. 103.

[40] Idem.

[41] MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1  op.cit. p. 327.

[42] LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit. p. 91.

[43] MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson.v1  op.cit. p. 338.     

[44] Ibidem, p. 332.

[45] Ibidem, p. 333.

[46] Ibidem, p. 335.

[47] LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit. 95. Em carta de della Torre para Acton ele dissera “ by reason of his Majesty´s goodwill and friendship towards the English nation”.

[48] MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 341.

[49] Ibidem, p. 101.

[50] MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 343.

[51] No total Nelson contava com 14 navios, no entanto designara Troubridge no Culloden para rebocar a presa francesa e assim ele estava algumas milhas atrás de sua força. Determinara também que o Alexander, o Ewiftsure e o Leander fizessem o papel de esclarecedores em Alexandria e assim esses navios estavam algumas milhas atrás de sua esquadra, não compondo a linha de batalha. O Mutine de Hardy, por ser apenas um brigue permaneceu fora da linha agindo como transmissor de mensagens.   

[52] LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 111.

[53] LAUGHTON, John Knox. The Nelson.Memorial  op.cit. p. 102. Em inglês “a band of brothers”.

[54] MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 344.

[55] Isso antes da dispersão indicada com a saída de Troubridge e dos Alexander, Swiftsure e Leander.

[56] Ibidem, p. 345.

[57] Ibidem, p. 347.

[58] Ver Figura 1 do primeiro estágio da batalha. 

[59] Ibidem, p. 349.

[60] Idem.

[61] LAUGHTON, John Knox. The Nelson.Memorial  op.cit. p. 108.

[62] LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 113.

[63] Ibidem, p. 119.

[64] MAHAN, Alfred Thayer. The Life of Nelson v1. op.cit. p. 351.

[65] Nelson teve outro encontro com a morte com esse ferimento que quase o deixou totalmente cego. Foi seu quinto evento envolvendo o risco de morrer..

[66] LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 115.

[67] Ibidem, p. 114.

[68] LAUGHTON, John Knox. The Nelson.Memorial  op.cit. p. 117.

[69] Carta de Sir Horatio Nelson para o Lorde St Vincent escrita do HMS Vanguard no dia 3 de agosto de 1798. Fonte: LAUGHTON, John Knox. Nelson´s Letters and Despatches. op.cit p. 145.

[70] LAUGHTON, John Knox. Nelson. op.cit. p. 116.

[71] Ibidem, p. 117.

[72] Ordem do dia de Sir Horatio Nelson para os comandantes dos navios do esquadrão a bordo do HMS Vanguard em 2 de agosto 1798. Fonte:  wtj. op.cit. p. 6.

[73] Ibidem, p. 362.

[74] LAUGHTON, John Knox. The Nelson Memorial. op.cit. p. 123.

[75] Ibidem, p. 124.

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