Prof. Esp. Douglas Magalhães Almeida
O elmo é um dos principais equipamentos que nos tempos antigos acompanhavam os guerreiros em diversos lugares do mundo durante a guerra. Diferente de um capacete que tem finalidade central de proteger o topo da cabeça, esse acessório se diferencia por tentar recobrir ao máximo o crânio do combatente.
No Japão feudal, contudo, os elmos trazem um novo aspecto à cultura bélica, apresentando características que identificam seus portadores com clãs, feitos e bençãos divinas. Não que sua forma não tenha havido mudanças através do tempo, pelo contrário, seu feitio já passou por diversas mudanças e o qual falaremos é o estilo que surge a partir do século XI e se mantém comum até o século XVIII, sendo hoje considerado um aspecto de memória da cultura e sociedade nipônica.
Com a ascensão dos Bushidans (clãs guerreiros) nos períodos tardios da Era Heian (794-1185), aos poucos as armaduras passaram por mudanças que se caracterizavam por símbolos que representavam os principais valores guerreiros da época: individualidade no combate, exaltação das honras pessoais e do clã e recepção de bençãos divinas na guerra. Assim, dentre as diversas mudanças encontramos em especial o elmo que nos pede essa sessão específica, devido a sua importância e significância.
Os menos abastados tendiam a usar equipamentos mais leves, em especial os guerreiros recrutados entre camponeses, que a partir do século XIV passam a serem chamados de Ashigaru (Pés Leves), devido ao pouco peso de equipamento de proteção que levavam a fim de defenderem apenas partes vitais. Uma de suas proteções de cabeça mais comuns era a de couro chamada o Hatsumuri, ou Happuri, que guardava os flancos da face e a testa, limitando sua eficácia. Apesar de muito comum no século XIII, sua restrição deixava o rosto, queixo e pescoço expostos. No século XIV, este estilo de proteção teve adição para a metade inferior do rosto e garganta com acessórios como Nodowa e Hio-Ate. O curioso é que por vezes essa idumentária era adicionada por dentro do elmo de alguns comandantes, tendo reduzido bastante a presença de ferimentos na face e gargantas dos guerreiros. Conforme dados apresentados por Prof. Thomas D. Conlan (2013), de todos os enfermos sofridos em guerra entre 1333 e 1338, 10% eram faciais, enquanto que entre 1356 a 1392, esse número havia apresentado sensível melhora de 2%.
No geral, os elmos de samurais conseguiam proteger bem a cabeça de seus guerreiros, porém o rosto sempre tivera dificuldades contra projéteis bem direcionados. Dentre as diversas narrativas vindas dos campos de batalhas, era comum descreverem mesmo personagens heróicos sendo mortalmente atingidos no rosto ou pescoço. O motivo é claro, pois qualquer ferida na face causa constante sangramento, mesmo que fosse apenas um arranhão sobre a testa, debilitando o alvo de poder continuar o atrito belicoso. Ser atingido no olho então era praticamente sinônimo de morte, ou cegueira se ficasse mais superficialmente alojada e depois removida com os devidos cuidados, havendo constantes casos de samurais que pegaram infecções complicadas nos globos oculares após a remoção.
Os cargos mais altos de oficiais do exército samurai, diferente dos Ashigaru, tinham armaduras bem mais elaboradas, seja das autoridades menores que portavam armaduras leves Haramaki ou as maiores que usavam a armadura pesada de cavalaria O-Yoroi. Não se engane por serem em maioria feitas de madeira e não aço, pois eram pensadas para um tipo específico de evento. Visto que o combate samurai é baseado em uso de arco e flecha, a armadura era uma resposta a esse tipo de atrito assim como ao ambiente comum do arquipélago.
Com o clima nipônico sendo um dentre os mais úmidos do mundo para regiões fora dos trópicos, incluindo longas temporadas chuvosas ou mesmo tufões. Em tal situação, o ferro enferruja com maior facilidade e armas ou armaduras mais antigas, como as dos séculos IV e V, chegam até hoje como vestígios em cascas de ferrugem em túmulos, por vezes protegidas precariamente por resinas ou restauradas em museus. Assim, em grande parte o equipamento de proteção japonês tendia a ser feito de madeira laqueada e reforçado com placas de metal. O que levava a ter maiores chances de estragar com o tempo eram os tecidos e cordas que ligavam essas placas, que poderiam apodrecer, ou mesmo chegarem a abrigar pulgas e piolhos.
Apesar do dorso estar coberto por placas de madeira e laca, reforçadas por metal e sobre um traje de seda, o elmo Kabuto era geralmente feito de ferro, com abas que protegiam nuca, orelhas e os flancos do pescoço. Esse adereço tinha muito mais que a preocupação de defender partes do guerreiro, também sendo usado para identificar à distância a localização do general e ter referência do comando.
Revestindo a cabeça de grandes autoridades o elmo Kabuto assume uma característica ostentativa e protetiva. Por serem feitos de ferro eram muito pesados e os samurais proeminentes que os usavam acostumavam ir para o combate carregando sob os braços, quando não levados por lacaios, só lhes sendo entregues pouco antes de realizarem o ataque. Geralmente adornos esculpidos eram colocados na fronte (Tatemono) representando o brasão do clã, símbolos votivos, partes de animais (como orelhas de coelho, chifres de cervo etc), imagens de entidades místicas ou mesmo um formato de antenas ou chifres dourados, os Kuwagata.
No geral esses Tatemonos podiam ser dispostos de 4 formas: com decoração frontal (Maedate); decoração nos lados (Wakidate); decoração no topo (Kashiradate); e decoração na parte traseira (Ushirodate). Esse acessório era mais decorativo e simbólico, sendo feitos de ouro ou cobre em sua maioria, sendo legítimos apenas para a elite marcial japonesa.
O Hachi era a cobertura de ferro dos elmos que ainda tinha uma pequena abertura no topo (chamada de Tehen ou Hachimanza, traduzido como Assento de Hachiman, o Deus da Guerra), de maneira que há diversas interpretações sobre sua existência: uma seria para que através dela houvesse influência divina dos céus para que chegasse a inspiração de guerra à cabeça do guerreiro; outra é que até o século XIV servisse para passar o coque do penteado dos samurais (o Motodori); por fim, uma das mais aceitas é que fosse principalmente orifícios para ventilação da cabeça (Iki-dashi-no-ana). Independente era comum que os Tehen fossem decorados com Tehen Kanamonos, que eram como anéis de metal em formato de crisântemos ou que sustentavam pequenas decorações.
Os forros dos elmos passaram a ser usados a partir do século XIV, sendo antes apenas o uso de toucas acolchoadas ou mesmo de Eboshi, que eram acessórios de cabeça adquiridos a partir da maioridade, demarcando maturidade masculina e estirpe nobre (inclusive usado por aristocratas da corte bem antes dos próprios samurais existirem). Geralmente eram feitas de seda tingida de preto, quando não ligeiramente laqueadas, sendo que desde o século XII até os plebeus usavam versões molengas de tecidos mais baratos, só mantendo o costume generalizado do uso de eboshi rígido a partir do século XV. Esse revestimento era adequado, pois um golpe certeiro na cabeça podia deixar o combatente atordoado ou mesmo inconsciente por concussão.
Ao longo do século XVI uma grande variedade de escolas de forja de armadureiros se tornou proeminente, chegando mesmo a muitos artesãos ferreiros assinarem suas obras primas. Podemos citar como no caso da Myôchin, baseada na região de Sakai, famosa por sua alta qualidade de revestimento de proteção, sendo que produziram entre 1510, quando seu fundador Myôchin Nobuie fez o primeiro elmo datado, até o último exemplar remanescente trabalhado em 1544. Sua forja era tão famosa que mesmo partes de armaduras do final do século XV foram atribuídas anacronicamente no passado à Nobuie. Outras famosas foram as famílias de Haruta e Iwai, da região de Nara, os Saotome, da província de Hitachi, e os Yuki no Shita, de Kamakura. Todas geralmente tentavam se associar à específicos grandes senhores de terras, os Daimyôs, para melhor serem acolhidos em um período que o Japão estava com as autonomias locais tornando o governo central em retalhos e disputando os plenos poderes sobre o arquipélago do Sengoku Jidai.
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Livros Indicados
Mario Del Rey. Armaduras Japonesas: Cultura e História do Japão. Editora Madras, 2008.
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Historiador pela UFF, especialista em História Militar pela UNIRIO. É Coordenador da Academia Nipo-Brasileira de Estudos de História & Cultura Japonesa do Instituto Cultural Brasil Japão. Realiza pesquisas no âmbito dos estudos asiáticos em especial acerca da memória e história dos samurais.