Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral
A partir dia 6 de maio de 2022, as Forças Ucranianas, reforçadas por mercenários e voluntários (e de provavelmente forças especiais da Otan), estão realizando uma série de contra-ataques em vários pontos da frente de batalha. Os russos, que já tinham penetrado nos subúrbios de Karkhov, tiveram que retrair em direção à fronteira. Com isso Belgorod, Kursk e outras cidades russas na região próxima a fronteira passaram a ser alvos de ataques dos mísseis ucranianos e até mesmo ataque de tropas aeromóveis.
Como isso foi possível? Os ucranianos desde abril estão convocando reservistas e os treinando suas unidades no Oeste. A Otan tem participando do treinamento dos militares ucranianos na Polônia no manuseio do armamento pesado fornecido pela Aliança. Também chegam pela Polônia mercenários e voluntários, que após uma seleção, são enviados imediatamente para o front. As unidades em combate no leste passaram a ser recompletadas com recrutas, mercenários e voluntários, somando ao intenso fluxo de novos armamentos e dados de Inteligência permitiram aos ucranianos explorar fragilidades nas linhas russas e lançar contra-ataques bem sucedidos.
Os ucranianos explodiram pontes sobre o rio Seversky Donets, na região de Belegorovka e estão cercando as tropas russas, além de atacá-las quando tentam transpor o rio, acabaram por destruir mais de vinte blindados de infantaria e pelo menos uma dúzia de MBTs russos, ou seja, um grupo tático valor batalhão. Sem dúvida uma grande vitória dos ucranianos, nesse combate.
Os ucranianos tem sido mais agressivos e realizados ações de comandos nas regiões de Kherson, em várias pequenas cidades de Donbass, nas ilhas do mar Negro e ao longo rio Dnipre. Estão destruindo pontes, emboscando unidades russas e realizando ataques com drones e aviação como vimos nas fotos acima.
Kiev já implantou reforços militares em três direções:
1. Em Severodonetsk e Lysychansk. O objetivo é defender de acordo com o princípio de Mariupol;
2. No Norte da região de Kharkov. O objetivo é chegar à fronteira na região de Belgorod;
3. Em Nikolaev, o objetivo é expulsar as tropas russas da margem direita do Dnieper, impedindo a progressão em direção à Odessa. Nesta região, os russos esperam um grande ataque ucraniano.
O ataque frustrado ucraniano a ilha Zmeiny, no Mar Negro, foi uma tentativa de retomar a iniciativa no Mar Negro e no Mar de Azov, mas a superioridade aérea e naval russa se impôs e provocou várias baixas e perda de material.
Os britânicos tem estimulado a liderança ucraniana atacar alvos no território russo, especialmente, em Belgorod, principal centro logístico militar russo. Os ucranianos tem feitos ataques com forças especiais, artilharia, mísseis e tentaram incursões com aeronaves, drones e tropas aeromóveis. No entanto, até agora, não obtiveram grandes resultados.
Havia a expectativa, por parte dos ucranianos, de cercar unidades russas na região de Izyum, mas não conseguiram, já os russos romperam as defesas na cidade e prosseguem avançando, ainda que lentamente, em determinadas região de Donbass e também no Sul.
Podemos observar, que os russos recuaram na região de Karkhov e estão reagrupando suas forças. Os ucranianos estão tentando retomar a iniciativa em pontos específicos da linha de frente e tem obtido bons resultados, mas sem conseguir deter o avanço russo, que parece avançando nas brechas entre as unidades ucranianas ou nos pontos mais fracos. Quando derrotados ou enfrentam forte resistência os russos, recuam, reagrupam e entram em defensiva, aguando uma oportunidade para retomar o avanço ou manobram para continuar o ataque.
Os russos estão empregando suas tropas profissionais e mais experiente nos combates contra os ucranianos. Verificamos que as forças russas que vem a retaguarda não são do mesmo nível e quando confrontadas cedem o terreno. Outro ponto, que até é uma característica russa, é o largo emprego de morteiros, da artilharia, de mísseis e da aviação antes, durante seus ataques ou para resistir aos contra-ataques ucranianos. A coordenação do apoio de fogos está melhor. Paraquedistas, tropas aeromóveis, mercenários e as unidades de guarda tem sido largamente empregadas nas operações ofensivas, mas nem elas conseguem obter grandes avanços, diante da resistência ucraniana. O avanço é lento e penoso.
Existem algumas razões para o atual cenário estratégico, segundo o analista russo Sergei Marzhetsky:
“- nos últimos 8 anos, as Forças Armadas da Ucrânia transformaram as cidades das aglomerações de Donetsk e Luhansk em áreas fortificadas de pleno direito.
– os militares e guardas nacionais ucranianos se utilizam de escudos humanos, escolas, creches, hospitais e outras instalações civis, uma das razões pela qual as Forças Armadas de Federação Russa não podem usar plenamente sua vantagem em armas de ataque pesado e aviação, apesar do número de mortos entre os civis;
– o pessoal das Forças Armadas da Ucrânia e da Guarda Nacional está muito melhor treinado, organizado e motivado do que em 2014-2015, e sua gestão e fornecimento de toda a inteligência operacional é realmente realizada por generais da OTAN.
Nessas condições desfavoráveis, o Estado-Maior das Forças Armadas da Federação Russa teve que contar com a tática de minar lentamente as defesas escalonadas do inimigo, quando suas numerosas posições são sucessivamente destruídas pela artilharia e depois limpos pela infantaria. A libertação de Popasna, após longas e obstinadas batalhas urbanas pode ser considerada um grande sucesso. A localidade é chave para o cerco das unidades ucranianas que se encontram na República Popular Luhansk (LPR). Devido a essas táticas, as perdas próprias são minimizadas e o resultado final é inevitável, mas a operação para liberar o território de Donbass inevitavelmente levará muito tempo. Isso, infelizmente, foi capaz de dar uma vantagem ao inimigo, que realizou uma contra-ofensiva bem-sucedida na direção norte.
Assim, até recentemente, Kharkov, uma das maiores cidades e estrategicamente importante da Ucrânia, estava em um semi-cerco. As Forças Armadas da Ucrânia transferiram forças significativas para desviar a atenção do Estado-Maior russo do Donbass, e as Forças Armadas da Federação Russa, evitando serem cercadas, foram obrigadas a recuar quase até a própria fronteira. Kiev conseguiu uma vitória inesperada. Por que essas coisas são possíveis, a apenas algumas dezenas de quilômetros da Rússia, onde a supremacia aérea é russa, é completamente incompreensível. Especialistas asseguram que as próprias Forças Armadas da Ucrânia serão forçadas a recuar de Kharkov para o oeste, quando suas defesas no Donbass entrarem em colapso. Isso é verdade, mas a própria tendência que as Forças Armadas de Federação Russa ter de recuar novamente é irritante, deixando, ao que parece, assentamentos já liberados onde pode ocorrer uma nova “Bucha”.
Tudo isso levanta mais uma vez a questão de que o contingente militar envolvido na operação especial não é suficiente para ações ofensivas efetivas em várias direções ao mesmo tempo, e Moscou ainda deve pensar em uma mobilização pelo menos parcial. Unidades russas operam em território hostil contra um inimigo numericamente superior.
Para uma derrota decisiva das Forças Armadas da Ucrânia, será suficiente aumentar o número de forças para 350-400 mil militares, no total. Todo o Ocidente já está lutando abertamente contra nós, e é impossível adiar a operação especial, pois o preço da vitória só está crescendo dia a dia.”
Não tem como não concordar com o analista russo. Até o momento não existem informações sobre a chegada de reforços russos à Ucrânia (mercenários ou tropas do Exército), ainda que exista a expectativa de que o Estado-Maior russo de início a um novo rodizio entre as unidades empenhadas no front.
Do outro lado, existem informações confirmadas que elementos da inteligência norte-americana e britânica estão fornecendo dados de inteligência diretamente ao Estado-Maior ucraniano e também que forças especiais (norte-americanos, britânicos, franceses e poloneses) estão atuando na linha de frente em combate direto contra os russos. O fluxo de voluntários e mercenários para front se mantém constante, ainda que os números sejam ignorados.
Os ucranianos tem recebido e utilizado, amplamente, o material de origem soviética, fornecido pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, como também obuseiros norte-americanos M777, de 155 mm, e lançadores de mísseis britânicos Brimstone (que podem atacar alvos em terra e no mar) e drones de diversas origens, ampliaram as capacidades ucranianas. Ainda não se viu a chegada dos T-72 poloneses ao front. As baterias de mísseis SAM 300 recebidas estão sendo implantadas próximo as tropas na linha de frente, a fim de contestar a superioridade aérea russa.
As últimas operações podem ser resumidas assim. A ofensiva das forças russas vem de 8 direções:
– Batalhas ferozes estão acontecendo em Belogorovka e Shepilovo;
– As forças de Luhansk iniciaram um ataque a Privolye.
– Da direção de Voevodovka, as forças aliadas (russos, Luhask e Donetsk) chegaram à linha do rio Borovaya;
– Um ataque em grande escala em Severodonetsk começou, as forças aliadas estão avançando em três direções.
– As batalhas por Orekhovo e Toshkovo continuam;
– Uma ofensiva foi lançada de Popasnaya na direção de Kamyshevakhi.
Na fábrica de Azovstal, as forças aliadas russas ocuparam os territórios de empresas auxiliares ao longo de Kalmius.
A contra-ofensiva das Forças Armadas da Ucrânia no norte da região de Kharkiv e a artilharia e a aviação russa estão atacando aduramente os ucranianos, que começarama recuar.
As forças russas estão fortalecendo suas posições na ilha de Zmeiny para bloquear as rotas marítimas ucranianas. Além disso, os russo trouxeram um guindaste flutuante para a ilha a fim de içar os barcos ucranianos afundados.
Em 13/5/22, o primeiro obus M777A2 americano foi capturado em Donbass;
Provavelmente, a Ucrânia ainda tem 40% das suas forças da defesa aérea. São vinte divisões S300PT / PS (uma versão simplificada dos lançadores RPN + KP + 1-2), uma divisão S-300V1 e pouco menos de trinta sistemas de defesa aérea Buk-M1. MANPADS, “Tunguska” e outros. Uma imagem do espaço aéreo é fornecida por cerca de 30 radares de todas as faixas e os aviões Awaks da OTAN do território da Romênia e da Polônia, além de aeronaves de reconhecimento e UAVs do Mar Negro para as baterias de mísseis ucranianas com as posições das forças russas e aliados. Uma das prioridades das Forças Aeroespaciais Russas (VKS) é detectar, localizar e destruir as baterias ucranianas S-300 e 9K37 BUK.
A aviação ucraniana tem, provavelmente, 28 caças Su-27P / UB e MiG-29, que estão operacionais. Estas aeronaves estão atuando fora da zona de destruição dos sistemas de defesa aérea e caças russo, seu emprego se faz dentro da cobertura de seus sistemas de defesa aérea. Há cinco helicópteros Su-25 e 30 Mi-8 e Mi-24.
Há pouco mais de uma dúzia de Bayraktars. Todos os Su-24M/MRs e restos de S-125M1s parecem ter sido destruídos. Quase todos os aeródromos ucranianos foram restaurados e estão prontos para o combate e a aviação está disponível. Deve-se notar que a Ucrânia usa tudo o que voa para garantir reconhecimento e transporte.
Cobrindo as posições das Forças Armadas da Ucrânia do MLRS “Grad” perto de “Artemovsk”. Como observado anteriormente, após a captura de Popasna, além do ataque a Kamyshevakha para contornar a área fortificada de Zolote-Gorskoye, o exército de Luhsnk e as Forças Armadas da Federação Russa estão sondando a defesa das Forças Armadas da Ucrânia na direção Artemovsky. A própria Artemivsk é o centro da posição das Forças Armadas da Ucrânia no Donbass. A perda de Artemovsk pode causar o colapso de toda a frente no Donbass. Portanto, podemos esperar que o inimigo oponha resistência obstinada em Pokrovsky (leste de Artemovsk), tentando retardar o avanço de nossas tropas em Pilipchatino.
A frente de Donbass das Forças Armadas da Ucrânia está com fraturas. Kiev não conseguiu retirar forças significativas de Izyum, e eles próprios gastaram muito tempo e esforço em geral para a ofensiva estrategicamente inútil ao norte de Kharkov.
Um ponto esquecido pela mídia é o desvio, para o mercado negro, de parte dos carregamentos de armas fornecidos pela Otan para a Ucrânia. Os EUA tem cobrado dos ucranianos um controle maior sobre o material bélico fornecido, pois já existem notícias, ainda não confirmadas, da chegada de lotes de mísseis Stinger, Javelin, drones suicidas, fuzis automáticos, pistolas e outros tipos de armamento a grupos radicais, na África, no Oriente Médio e até mesmo na Europa.
Outra questão é que a entrada da Finlândia e da Suécia na Otan é o considerada pela Rússia o mesmo tipo de ameaça que a levou a “operação especial” na Ucrânia.
Abaixo uma imagem do alcance dos mísseis russos. A princípio, os russos afirmam que não tem armas nucleares implantadas no Báltico.
O envolvimento cada vez maior da Otan, em particular dos Estados Unidos e do Reino Unido Guerra na Ucrânia e diante da perspectiva do ingresso da Finlândia e da Suécia, na Aliança Atlântica, estão levando os analistas a especularem de qual será a resposta russa a mais esse desafio da Otan.
Imagem de Destaque: https://twitter.com/War_Mapper/status/1525265449117786112/photo/1
Fontes
https://www.aljazeera.com/opinions/2022/5/9/natos-philosophers-who-shape-the-strategies-of-alliance
https://descomplica.com.br/d/vs/aula/a-questao-da-crimeia-e-a-geopolitica-do-leste-europeu/
Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.