O Assalto Aeroterrestre Aliado no sul da Itália

de

Prof. Dr. Ricardo Cabral

Introdução

A invasão Aliada à Itália continental foi marcada por uma série de percalços, decisões estratégicas equivocadas e falta de liderança.

Até ser desencadeada a Operação Avalanche (codinome do desembarque anfíbio) do VIII Exército britânico e do V Exército norte-americano, ou seja, a invasão da Itália continental, passou por uma série de revisões. Até aí tudo normal, a informações que chegam interferem no planejamento do Estado-Maior, mas não estava muito claro o objetivo estratégico da invasão. O objetivo político era de dar algum tipo de satisfação para Stálin, devido ao fato de que os ingleses e norte-americanos ainda estarem nas fases iniciais do planejamento e reunião de forças para o assalto a Europa.

A operação tinha como objetivo geral o desembarque em Salerno, progredir e tomar o porto de Nápoles a fim de garantir um importante centro de abastecimento e atravessar para a costa leste, prendendo as tropas alemães que combatiam mais ao sul.

O desembarque em Salerno foi feito sem os tradicionais fogos de preparação aéreo e naval a fim de surpreender os alemães. No entanto, a Wehrmacht havia se preparado para repelir um provável desembarque aliado na região, instalando nichos de metralhadoras, baterias de obuses, desdobrando quatro divisões de infantaria a 15ª e 29ª Panzergrenadier (infantaria mecanizada), a 1ª e 2ª Divisão Fallschirmjäger (paraquedistas), a 16ª e a 26ª Divisão Panzer e a 1ª Divisão Panzer Fallschirm Hermann Göring.

Lembro que a guerra não contava com o apoio popular e um golpe de estado depôs e prendeu Benito Mussolini (25/7/1943), posteriormente, libertado por comando alemães e colocado à frente da República Social Italiana (República de Salò). O novo governo italiano entrou em conversações com os Aliados para a rendição. No entanto, a resistência italiana e da Wehrmacht (liderada pelo marechal Albrecht von Kesselring) à invasão iria frustrar os planos aliados de rápida ocupação da Itália. Neste ensaio vamos focar o assalto aeroterrestre da 82ª Divisão de Infantaria Paraquedista liderado pelo 504º Regimento de Infantaria Paraquedista.

O assalto anfíbio

O V Exército aliado era composto pelo X Corpo de Exército britânico, que desembarcaria na posição norte da zona de desembarque, e o VI Corpo de Exército norte-americano, que assaltaria a porção sul com a veterana 45ª Divisão de Infantaria (com um regimento e outros elementos na reserva) e a novata e encarregada do maior esforço a 36ª Divisão de Infantaria. No comando do assalto anfíbio estava o jovem (e superestimado) tenente-general Mark Clark.

Nas primeiras 48 h da operação, as divisões progrediram bem, apesar da resistência alemã. No entanto, a medida que avançavam, se formou uma brecha de 16 km entre os norte-americanos e os elementos mais ao sul do X Corpo britânico. Os alemães perceberam e contra-atacaram o flanco norte da 36ª, que na tentativa de fechar a brecha havia ocupado precariamente o terreno. Sob pesado ataque das divisões Panzer a 36 estava sendo destruída.

No dia 13 de setembro, o general Mark Clarke solicitou a 82ª organização de um Grupo Tático que fosse lançado dentro da cabeça de praia ao sul do rio Sele e um outro GT na noite de 14 de setembro na região de Avellino nas montanhas a retaguarda das linhas alemães a fim de aliviar a pressão sobre a 36ª DI. O tempo de preparação, a configuração do terreno e ter que enfrentar unidades blindadas logo após a aterragem eram apenas algumas das dificuldades iniciais esperadas.

https://www.liberationroute.com/stories/173/82nd-airborne-division

O 504º RI Pqdt reforçado pela 3ª Companhia do 307º Regimento de Engenharia Pqdt saltou na noite de 13 para 14 de setembro, na região de Paestum, feita a reorganização partiram para a linha de frente. A primeira missão era conquistar a cidade de Altavilla e o conjunto de elevações sobre as quais se situava. Os alemães fizeram quatro conta-ataques com a infantaria apoiada por carros e fogos de artilharia, mas os paraquedistas mantiveram a posição e a segurança da zona de lançamento.

O 505º RI Pqdt (sob o comando do coronel James Gavin) e o 509º RI Pqdt saltaram na mesma noite em Avellino. Esta cidade estava localizada em um importante entroncamento de várias estradas para Salermo e Battipaglia. Essas estradas estavam ocupadas pelo exército alemão que recuava sob pressão do VIII Exército inglês.

Os problemas de identificação correta das zonas de lançamento pelo pilotos levaram os aviões a lançarem os paraquedistas nas imediações, em uma área de 200 km². De novo o treinamento, a iniciativa e a conduta de combate foi empregada. Os paraquedistas conseguiram se reagrupar em pequenas unidades e entraram em ação imediatamente e de formas variadas: emboscando pequenas frações das unidades alemães, minando estradas, destruindo as pontes, matando mensageiros e a rede de comunicações alemães.

A atuação do 509 forçou os alemães a engajarem várias unidades em missões de reconhecimento e combate contra os paraquedistas. A unidade, em especial o seu 2º Batalhão, foi além da missão que o general Mark Clark atribuiu a 82ª DI Pqdt: interromper as comunicações e bloquear (mesmo parcialmente) o fluxo de suprimentos e reservas. As unidades alemães engajadas contra os paraquedistas foram maiores do que na Sicília, prova do trabalho bem feito.

Após o salto, o 505º RI Pqdt foi colocado na reserva do IV Corpo (medida discutível e muito tímida) pelo general Dawley. O general Mark Clark interferiu e determinou que o regimento se desloca-se para Amalfi. Em 28 de setembro, os paraquedistas receberam a missão de conquistar a cidade de Gragnano. No dia seguinte avançaram para tomar as colinas que comandavam a cidade. Na progressão, a ponta de lança do regimento percebeu que os alemães haviam retraído. Imediatamente Gavin determinou que o regimento avançasse pela estrada e acabaram por ocupar as cidades de Pompéia e Torre Annunziata.

O 505º RIPqdt foi dado em reforço à 23ª Brigada Mecanizada inglesa para progredir em direção à Nápoles. Os ingleses entraram na cidade, enquanto o 505 atacavam as alturas que circundavam o monte de Vesúvio. Mark Clark determinou que a 82 restabelecesse a lei e a ordem na cidade, missão difícil devido ao grande número de pequenos grupos de combatentes alemães espalhados na cidade, além da questão da Camorra. A situação foi resolvida com uma medida drástica, Gavin determinou que aquele que fosse pego armado seria fuzilado imediatamente. Em seguida o 505, retomou o ataque em direção ao rio Volturno.

A medida que o avanço Aliado progredia, o V Exército norte-americano margeando o Volturno para o norte no lado do mar Tirreno, o VIII Exército de Montgomery também avançava no rumo norte pelo lado do mar Adriático, abria-se uma brecha ente os dois exércitos para fechá-la foi escolhido o 504º RI Pqdt.

A posição ocupada pelos paraquedistas do 504 eram nas montanhas com altitudes de até 1.205 m, o terreno íngreme, com muitas rochas, sem árvores ou coberturas. As noites eram frias, chovia com frequência e logo em seguida começou a nevar. A logística era sofrível, todos os suprimentos tinham que ser transportados por mulas, havia uma escassez permanente de água, alimentos, munição e suprimentos médicos, o saque as provisões do inimigo era conduta comum entre os combatentes. Os feridos eram evacuados no retorno dos comboios das mulas. Muitos paraquedistas ainda estavam com o uniforme de salto do primeiro dia de ação. A progressão foi marcada por duros embates, com muitas emboscadas, ataques surpresas e combates corpo a corpo.

O 504 continuou a lutar até depois do natal, quando foi retirado da linha de frente. A unidade sofrera muitas baixas e tinha lutado no terreno mais difícil de toda a campanha da 82 na Itália. O regimento foi levado à Nápoles onde recebeu recompletamento e se preparou, juntamente com o 509º RI Pqdt, para o assalto aeroterrestre em Anzio (Operação Shingle), mas aqui é outra história.

Conclusão

Salermo foi uma operação complicada e de alto risco desde da fase de planejamento. Kesselring e o coronel-general Heinrich von Vietinghoff (comandante do X Exército) tinham se preparado para o assalto anfíbio e aeroterrestre dos Aliados a partir da sua experiência na Sicília.

A estratégia alemã era não permitir o desembarque ou contra-atacar duramente nas primeiras 24 h para não permitir a consolidação da cabeça de praia. Enquanto combatiam no sul os alemães preparam várias linhas de defesa a fim de barrar o avanço Aliado forçando-os a concentrar recursos, dificultando o envio de suprimentos aos soviéticos. Nesse sentido, a posse da Itália era central na estratégia no TO do Mediterrâneo.

O major-general Dawley, comandante do IV Corpo norte-americano, errou ao atribuir a novata 36ª DI ao setor sul, tendo a 45ª DI veterana da Sicília, no setor norte em contato com o X Corpo britânico. Mas por que deu errado já que a operação Avalanche era muito semelhante a Husky? vamos lá: em Salermo, os alemães se prepararam para o assalto anfíbio e aeroterrestre como explicado acima; na Sicília, a 82ª DI Pqdt saltou a frente da área do assalto anfíbio impediu/dificultou a chegada de reforços alemães, inclusive das unidades blindadas, além de proteger seu “lado cego”, o flanco esquerdo. Essa estratégia não foi repetida em Salermo, não houve os fogos de preparação e os desdobramento das unidades, após o desembarque anfíbio foi muito rápido ocupando vastas porções do terrenos e dispersando as unidades. Os alemães se afastaram do litoral, com unidades móveis e reservas bem desdobradas para o contra-ataque. No litoral, os alemães fizeram uma defesa pontual, atraindo os invasores para o interior, onde contra-atacariam.

A 36ª DI foi salva pelo salto da 504º e do 509º que cobriram o seu flanco e mantiveram sua posição impedindo a penetração das unidades mecanizadas e blindadas alemães que visavam envolver a 36. A resistência dos paraquedistas quebraram o contra-ataque alemão.

Uma das principais características da 82ª D I Pqdt durante a Campanha da Itália, era que depois da operações de combate e de um período (relativamente curto) de descanso, Ridgway e Gavin (promovido a brigadeiro) promoviam intensos treinamentos constituídos de pistas de combate, de tiro, aprimoramento da parte física e dos saltos, especial atenção com os percussores, nas demarcações das zonas de lançamento como medidas visando o aperfeiçoamento do combatente, maior precisão no lançamento dos paraquedistas, na reorganização após o salto, estímulo a ousadia e a iniciativa em combate entre outras ações. O treinamento era feito a partir das lições aprendidas na campanha, que geravam condutas de combate a serem empregadas nas próximas operações, isso explica o alto nível de performance da unidade.

Imagem de Destaque: https://weaponsandwarfare.com/2015/10/27/avalanche-in-italy-iii/

Bibliografia

A Journey to World War II Battlefields Part 7: How an Incredible Piece of Luck and American Fighting Spirit Saved the American Beachhead at Salerno

http://www.hrs.org.nz/82nd-history.html

https://www.ww2-airborne.us/division/campaigns/italy.html

https://www.liberationroute.com/stories/173/82nd-airborne-division

The Darkest Valley: American Paratroopers in Italy

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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