Rodolfo Queiroz Laterz¹ e Ricardo Cabral²
Introdução
O conflito militar em curso na Ucrânia se caracteriza pelo uso intensivo de UAVs (Unmanned Aerial Vehicle ou veículo aéreo não tripulado, conhecido pelo acrônimo VANT ou drones no linguajar civil) em todo teatro de operações, nas funções de reconhecimento, detecção de alvos, correção de disparo de sistemas de artilharia e monitoramento de unidades.
De acordo com fontes como Newsfront e Rybar, as Forças Armadas da Ucrânia (FAU) utilizam somente no perímetro operacional de Mikolayev-Krivoy Rog de 300 a 700 drones para os propósitos acima descritos, muitos deles de fabricação própria.
De acordo com especialistas independentes, hoje os militares ucranianos estão usando ativamente mais de 6.000 UAVs. A maior parte dos drones são modelos civis, muitas vezes modificados de forma artesanal. Suas capacidades geralmente são limitadas a 30 minutos de voo e um alcance de até 7 quilômetros do local de lançamento.
Da mesma forma, as forças russas usam maciçamente UAV de fabricação própria como o sistema ORLAN-10 ao longo de toda linha de frente, bem como drones iranianos Lancet e os Geranium-2 baseados no Shaded-136 (para maiores informações sugerimos a leitura do ensaio O Programa de Drones do Irã, https://historiamilitaremdebate.com.br/o-programa-de-drones-do-ira/ ).
Este ensaio irá analisar os principais drones de fabricação própria usados pelas FAU no conflito militar da Ucrânia e as táticas relacionadas, destacando-se a importância desses sistemas para a guerra moderna.
A ampla variedade de drones da Ucrânia no teatro de operações
As FAU utilizaram desde o início do conflito com bastante ênfase UAVs (Unmanned Aerial Vehicle) para finalidades de vigilância, reconhecimento, detecção de alvos e supressão de colunas mecanizadas e alvos móveis dentro de um contexto de neutralização da superioridade de fogo das forças russas em artilharia, MLRS e blindados.
Inicialmente os ucraniano empregaram largamente o UAV turco TB-2 Bayraktar, principalmente para detecção de alvos e correção de coordenadas de disparos por MLRS integrados.
Entretanto, em que pese muitas matérias na mídia de cunho propagandista, no âmbito das FAU os TB-2 Bayraktar foram muito criticados quanto a sua efetividade, fato corroborado pelas revelações de Sergey Pashinsky, chefe da Associação de Empresas de Defesa da Ucrânia, o qual expressou que os drones turcos “não são armas milagrosas” e acrescentou que quase todos foram perdidos em apenas uma semana de hostilidades.
Já após o início das hostilidades, dezenas de Bayraktar TB2s foram entregues à Ucrânia, o que teoricamente deveria ter compensado a perda das unidades abatidas. No entanto, a intensidade de suas missões permaneceu baixa em relação a outros conflitos envolvendo drones turcos, como na Síria e em Nagorn-Karabath.
O uso do Bayraktar TB2 também foi prejudicado por vários problemas técnicos, sendo o mais relevante o rápido desgaste do trem de pouso devido à má qualidade das pistas dos aeródromos ucranianos, o que levou as FAU a limitarem seu emprego. Apesar dos problemas contextuais, o TB-2 é um sistema que pode cumprir suas missões com um grau satisfatório de efetividade quando não há defesa antiaérea.
O UAV turco está equipado com uma câmera canadense de alta resolução que fornece uma imagem nítida de objetos a uma distância de mais de 40 km. Isso permite que o drone seja usado para reconhecimento e designação de alvos sem entrar na área de cobertura dos sistemas de defesa aérea russos de médio e curto alcance.
Em condições de defesa aérea insuficiente, os drones turcos também podem ser usados em uma versão de ataque. Em maio, as Forças Armadas da Ucrânia usaram esses UAVs para atacar a guarnição da ilha de Zmeiny, onde existiam apenas alguns sistemas de defesa aérea e ficando sem munição por um longo tempo, aguardando suprimentos de mísseis do continente.
Na ausência de um sistema antiaéreo, o Bayraktar TB2 pode deixar o inimigo sem artilharia, suprimentos e veículos blindados, como foi o caso de Karabakh ou da Líbia. Mas o curso do conflito militar da Ucrânia mostrou que ,nas condições de defesa aérea em profundidade e na ausência de supremacia aérea, eles se tornam um alvo mais vulnerável para sistemas de mísseis antiaéreos.
A Ucrânia, que detinha um amplo e diversificado complexo industrial-militar antes do início do conflito em curso, promoveu desenvolvimentos de drones que se revelaram altamente eficazes em campo de batalha, com engenheiros desenvolvendo muitos UAVs que já são usados em aplicações militares e civis.
Os drones civis mais populares na Ucrânia foram em grande parte dispositivos da DJI (China), inclusive usados ativamente por ambos os lados. Esse drones possuem baixa autonomia, mas durante esse tempo conseguem detectar o inimigo e disparar contra ele. Eles estão sendo ativamente modificados de forma artesanal para serem armados com bombas leves ou granadas. Para modernizar os drones, são utilizadas impressoras 3D, que imprimem caixas para transporte de munição com montagens especiais para um modelo específico de drone. Os modelos Mavic da DJI, incluindo sua versão mini, pesando 250 gramas, participaram repetidamente de batalhas. Modelos civis de drones são usados ativamente tanto em ambientes urbanos quanto contra combatentes entrincheirados. Muitas vezes, com a ajuda de drones, foram preparadas emboscadas em veículos blindados. Os UAVs civis convertidos também costumam trabalhar em conjunto com uma equipe de tanques ou artilharia.
Em 2021, a empresa ucraniana Ukrjet apresentou o drone de ataque aéreo UJ-22 na exposição Zbroya e Bezpeka-2021. Este UCAV foi projetado para atacar concentrações de tropas e equipamentos militares. O UJ-22 transporta bombas não guiadas, munições de 82 mm (4 unidades) ou granadas RPG-7 (BP).
Em vários vídeos, foi possível atestar a eficácia em combate deste sistema, que revelou precisão de até 10 metros a uma distância de 700 metros do alvo, o que é um número bastante relevante para projéteis não guiados. De acordo com o desenvolvedor, as Forças Armadas da Ucrânia têm uma grande quantidade de munição que o UJ-22 usa, o que permite uma otimização eficaz e maior disponibilidade para combate.
O UJ-22³ pode não apenas destruir alvos inimigos, mas também realizar reconhecimentos graças a uma câmera de 64 megapixels. Foi verificado pelas unidades de combate ucranianas que a transmissão de fotos em tempo real é melhor do que a transmissão de vídeo, pois podem ver o solo com uma resolução de até 5 cm por pixel.
³ Características do UJ-22 Aerotransportado:
Alcance: 100 km em comunicação com o operador e 800 km em piloto automático;
Velocidade máxima: 160 km/h;
Altitude máxima de voo: 6 km;
Duração máxima do voo: 12 horas;
Peso da carga útil: até 20 kg;
Peso máximo de decolagem: 85 kg
Para decolar, o UJ-22 precisa de uma plataforma com comprimento mínimo de 50 m. O controle é realizado nos modos manual, semiautomático e automático, ou seja, é um drone de combate que não precisa de operador para realizar missões de combate. A comunicação entre o centro de controle e o respectivo UCAV é realizada por meio de um canal criptografado, enquanto os operadores podem estar em um veículo especial.
Além disso, o UJ-22 pode voar em condições climáticas extremas, estando equipado com um motor de arranque e um sistema de piloto automático desenvolvido pelos mesmos engenheiros da Ukrjet. Para combater os sistemas de guerra eletrônica, os desenvolvedores criaram o sistema inercial Xens, que permite dispensar a comunicação com os satélites GPS, bastando inserir as coordenadas de navegação e dos alvos.
Outro drone ucraniano bastante relevante e resistente a ambientes de guerra eletrônica (EW) foi o ACS-3M4, que ao entrar em alcance de um jammer pode continuar voando e não de acordo com os dados de navegação de GPS, mas de acordo com um mapa digital carregado no sistema ou contando com um sistema inercial de alta precisão, tornando difícil para o adversário descobrir em que frequência o ACS-3M está operando.
4 Características do ACS-3:
Alcance: 240 km;
Velocidade máxima: 140 km/h;
Altitude máxima de voo: 3,5 km;
Duração máxima do voo: até 28 horas;
Peso da carga útil: até 5 kg;
Peso máximo de decolagem: 23 kg
A empresa ucraniana SKIF, avaliando os danos causados pelos militares russos, criou um drone de reconhecimento de mesmo nome que produz mapas detalhados da área graças a uma câmera de 61MP com precisão de 1 cm por pixel, além de um sistema de navegação GNSS (Global Navegation Satellite System). Tais características permitem que ele realize reconhecimento no campo de batalha para guiagem de sistemas de artilharia. Este UAV SKIF5 voa de forma independente ao longo da rota programada, mas o operador pode controlá-lo em tempo real e, se necessário, assumir o controle.
O SKIF é capaz de voar e fotografar 1.500 hectares por voo e possui uma câmera de 20 MP. A câmera permite tirar fotos com resolução de 3 cm por pixel de uma altura de 120 metros.
As tropas de assalto aéreo da Ucrânia receberam no início de agosto veículos aéreos não tripulados H10 Poseidon II, que custaram cerca de 318 mil euros a unidade.
5 Características do SKIF:
Alcance: 50 km;
Velocidade máxima: 70 km/h;
Altitude máxima de voo: 400 m;
Duração máxima do voo: até 2 horas.
O H10 Poseidon II pode ser transportado em um SUV ou picape e está pronto para sair em menos de 10 minutos. O drone pode operar mesmo quando não há conexão via satélite, possui uma assinatura acústica muito baixa em voo de cruzeiro, um padrão de radiação extremamente pequeno e nenhuma assinatura térmica detectável, tornando-o efetivo para operações furtivas, sendo de difícil detecção para os radares russos de defesa aérea.
Este drone pode operar na faixa de temperatura de -20 °C a +60 °C, a carga útil máxima é de 3 kg e o tempo máximo de pairar é de 15 minutos.
Um dos drones mais eficazes usados pelas FAU neste conflito, com resultados muito mais reconhecidos que o TB-2. Bayraktar, é o sistema LELEKA-100. De acordo com a ordem nº 114 do Ministro da Defesa da Ucrânia datada de 11 de maio, o sistema aéreo não tripulado de fabricação ucraniana Leleka-100 (Aist-100) foi oficialmente adotado pelas Forças Armadas da Ucrânia. Este UAV é produzido pela empresa DeViRo da cidade de Dnipro.
Traduzido para o português, “leleka” significa “cegonha”. O UAV Leleka-100 foi desenvolvido em 2017. Ele é projetado para realizar operações de reconhecimento em condições de interferência de rádio ou bloqueio de navegação por satélite. O drone é capaz de determinar as coordenadas geográficas exatas dos objetos e transmiti-los à base sem fornecer sua localização ao inimigo. Ele pode decolar e pousar em silêncio de rádio. Em síntese, é o veículo aéreo não tripulado multifuncional ucraniano mais usado para reconhecimento aéreo e determinação das coordenadas geográficas exatas de objetos em tempo real contra as tropas russas.
Suas dimensões são 1,98×1,135 metros. Este UAV é capaz de subir a uma altura de até 1,5 mil metros, permanecendo continuamente no ar por até 2-2,5 horas. Sua velocidade de cruzeiro é de 60 a 70 quilômetros por hora. O corpo deste dispositivo é feito de um material de composite – fibra de vidro-carbono.
A Ucrânia também tem seu próprio octocóptero R18, que leva a bordo 2 bombas antitanque pesando 2 kg cada.
Além de drones de fabricação própria, as FAU receberam dezenas de sistemas do tipo FlyEye e DJI Matrice 300 com dinheiro doado por ucranianos e residentes de mais de 70 outros países. São sistemas com câmeras e termovisores bastante eficazes e usados em diferentes eixos dos combates. Também mais de 120 UAVs de ataque Phoenix Ghost também foram enviados para a Ucrânia. O drone foi projetado e fabricado pela AEVEX Aerospace (EUA) e pode realizar reconhecimento e realizar funções de ataque. Vários outros modelos de drones irão para a Ucrânia. Também foram entregues os drones kamikaze Switchblade da AeroVironment, que possuem 2 modificações, o Switchblade-300 com alcance de voo de até 10 km e o Switchblade 600, que possui uma ogiva de fragmentação cumulativa retirada do Javelin ATGM. O Switchblade 600 pode penetrar até 600–800 mm de blindagem homogênea atrás do ERA. Possui fusíveis de contato e remoto, a distância do operador é de até 40 km, que voa em 20 min.
Considerações finais
Embora pouco analisado, o uso pelas FAU de drones de fabricação própria se revelou taticamente eficiente para neutralização de alvos inimigos, móveis e principalmente estacionários.
As táticas dos drones ucranianos em geral se mostram simples, com muitas vezes veículos off-road estacionados próximos da linha de frente, de onde os drones são controlados pelos operadores para detectar a localização do inimigo e transmitir suas coordenadas para as baterias de artilharia. Eles também são usados para correção de tiro e para ataque aéreo (drones kamikaze) ou ataques cerrados, destacando-se aqui o UCAV UJ-22.
Uma munição “loitering” ou drone kamikaze é na verdade um UAV com uma ogiva integrada capaz de permanecer no ar por um longo tempo, aguardando o aparecimento de um alvo compensador. É controlado pelo operador, mas pode atuar de forma independente de acordo com o algoritmo inerente. Tais sistemas combinam as vantagens de um drone e uma munição de uma bomba leve aérea. A ideia de sua criação surgiu na distante década de 1970.
Hoje, as munições loitering podem ser protegidas dos efeitos da guerra eletrônica e, graças aos sistemas de inteligência artificial, são capazes de encontrar e destruir determinados alvos de forma independente. Os drones que as utilizam são modestos em tamanho, silenciosos, construídos com materiais compostos (leves e fortes). Sua produção é mais barata que os mísseis anti-radar, o que permite o uso de drones kamikaze através de um enxame, sobrecarregando sistemas de defesa aérea inimigos, tal como ocorre no teatro de operações da guerra da Ucrânia para ambas forças em conflito.
Imagem de Destaque: https://eurasiantimes.com/army-of-drones-ukraine-seeks-donation-to-become-a-dronenation/
Autores:
¹ Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública
² Mestre e Doutor em História Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ, professor-colaborador e do Programa de Pós-Graduação em História Militar Brasileira (PPGHMB – lato sensu), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO e Editor-chefe do site História Militar em Debate e da Revista Brasileira de História Militar. Website: https://historiamilitaremdebate.com.br
Fontes consultadas:
https://building-tech.org/
https://deviro.ua/ru
https://focus.ua/
https://www.ixbt.com/
https://news-front.info/
https://t.me/s/rybar
Excelente o artigo, com dados muito ilustrativos sobre o tema. Parabéns aos autores.
A Equipe do HMD agradece o comentário