Operação de Desinformação: codinome Mincemeat

de

Prof. Dr. Thiago da Silva Pacheco

Abram Shulsky (1995), dialogando com outros autores do campo da Inteligência, definiu esta atividade como uma disputa pelo segredo. Mais do que simplesmente produzir conhecimento, ou, numa definição mais simples “saber de algo”, Inteligência é especificamente saber o que querem esconder, e esconder o que querem saber.

Por isso, uma das práticas da Inteligência envolve o que se chama na língua inglesa de Disinformation (WEST, p.163),que vem a ser uma informação completamente falsa com o fim específico de enganar determinado grupo de pessoas – o que pode incluir agências de Inteligência rivais.

É justamente sobre isso que trata o filme O Soldado que Nunca Existiu. Lançado recentemente na plataforma Netflix e que já conta com uma análise nossa aqui no site (https://historiamilitaremdebate.com.br/filme-o-soldado-que-nunca-existiu/) trata da Operação Mincemeat – que, aliás, é o nome original do filme – talvez a maior operação de desinformação de toda a história.

https://obarquinhocultural.com/2022/05/13/operation-mincemeat-a-verdadeira-historia-de-espionagem-que-mudou-o-curso-da-segunda-guerra-mundial/

O contexto era o seguinte: os Aliados planejavam um desembarque na Sicília, a ser realizado em 1943. Como Churchil e parte dos oficiais norte-americanos ansiavam por atacar o Eixo no continente, uma operação no sul da combalida Itália era uma opção óbvia, o que levava Hitler a reforçar as defesas naquele ponto.

A Inteligência britânica então começou a planejar alguma forma de enganar os alemães, a fim de que movessem suas tropas da Sicília. Baseando-se no acidente aéreo de um oficial chamado James Hadden Turner, que carregava documentos secretos consigo, optou-se por um plano tão simples como lúgubre: fazer chegar aos alemães um cadáver com planos secretos falsos dos Aliados. Nestes planos, a invasão se daria na Grécia, não na Sicília. Uma vez entrando em contato com esta documentação, os alemães deslocariam suas tropas, deixando o sul da Itália vulnerável aos Aliados.

https://melhores-filmes-netflix.com/filme-da-netflix-de-colin-firth-operacao-mincemeat-o-que-sabemos-ate-agora/

A simplicidade do plano era proporcional à dificuldade em pô-lo em prática. O cadáver deveria cair em águas espanholas, pois a Espanha, ainda que neutra, era simpatizante do nazismo e estava apeada de espiões da Abwehr – Inteligência Alemã. O disfarce deveria ser impecável, a fim de convencer os nazistas de que aquele cadáver era de fato um oficial britânico acidentado. O alto comando alemão deveria se convencer da falsa estratégia aliada. E, por fim, os ingleses deveriam ter retorno acerca da Disinformation, ou seja, estarem assegurados que os alemães obtiveram a documentação, leram, acreditaram e moveram suas tropas da Sicília.

Também proporcional à dificuldade de por a ideia em prática foi o grau de detalhamento da farsa. O cadáver era de um homem simples chamado Glyndwr Michael. Nascido no sul de Gales, Glyndwr era praticamente um morador de rua, que morrera ao comer pão com veneno de rato. Encontrado num necrotério, os comandantes da Operação mudaram seu nome para Major William Martin e criaram uma verdadeira biografia para ele, rica nos mínimos detalhes como local de nascimento, hobbyes, vida amorosa e até histórico operacional.

https://segundaguerra.org/operacao-carne-picada-mincemeat-o-homem-que-nunca-existiu/

Felizmente, o plano deu certo. Como dissemos, a Espanha era simpatizante do Eixo e estava apeada de espiões nazistas. Mas os ingleses estavam muito bem preparados para este jogo, pois a Guerra Civil Espanhola (entre 1936 e 1939) foi também um verdadeiro laboratório de espionagem, no qual atuaram agentes ingleses, franceses, alemães e soviéticos (NAVARRO, 2009). Ali foi ensaiada a Guerra Secreta que seria travada na Segunda Guerra Mundial, e os ingleses, além de know how, também obtiveram contatos importantes na Espanha.  A partir de contatos na marinha e, na polícia espanhola, além de infiltrações entre os alemães, os ingleses souberam que os documentos foram fotografados antes de serem entregues de volta. Foi uma tentativa fútil da inteligência alemã de efetuar o que o FBI tem chamado de Black Bag Job – ou seja, obter documentos, copiá-los e devolvê-los a fim de que o oponente não saiba que foram copiados (VOLKMAN, 2013). Convencidos de que a tentativa de ataque à Grécia era verdadeira, as tropas alemãs foram para lá deslocadas, deixando a Sicília vulnerável ao ataque Aliado.

Como dissemos, a Operação Mincemeat foi uma das maiores operações de Disinformation da história. Ainda que Keegan (2006), não sem razão, insista que a Inteligência não é garantidora da vitória, ela é, sem dúvida, ferramenta fundamental na guerra. As vidas e recursos poupados foram significativos, e o foram por meio de uma operação cuja possibilidade se deu devido à capilaridade de agentes localizados também em ambientes neutros, da noção de como raciocina o oponente dentro do jogo secreto e da construção de uma narrativa falsa que, tanto quanto as informações verdadeiras, são fundamentais num jogo que envolve saber o que querem esconder, e esconder o que querem saber.

Imagem de Destaque: Lápide de Glyndwr Michael como William Martin em Huelva, Espanha, onde foi enterrado. Em 1998, a inscrição Glyndwr Michael, serviu como Major William Martin, foi acrescentado pelo governo britânico – http://www.nww2m.com/2013/05/70th-anniversary-mincemeat-swallowed-whole/

Referências

KEEGAN, John. Inteligência na Guerra: conhecimento do inimigo, de Napoleão À Al-Qaeda. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

NAVARRO, Diego. Tres mil anos de informacion y secreto. Plaza y Valdes: Madir, 2009.

SHULSKY, Abram. What is Intelligence? Secrets and competition among states. In: GODSON, Roy; SCHMITT, G.; MAY, E. US Intelligence at the crossroads: agendas for reform. New York: Brassey’s, 1995.

VOLKMAN, Ernest. A História da Espionagem. São Paulo: Escala, 2013.

WEST, Nigel. Historical Dictionary of United States Intelligence. The Scarecrow Press, Inc. Lanham, Maryland, Oxford: 2006

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