Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral
A atual conjuntura no Oriente Médio é de turbulência: o conflito endêmico entre Israel e os palestinos, a ofensiva do Estado Islâmico e da Al-Qaeda nos estados mais frágeis da região (Síria, Iraque e Iêmen), o abandono de vários mecanismos de controle do seu programa nuclear pelo Irã e a crise econômica fruto das sanções impostas pelo Ocidente. Todos esses conflitos tem o potencias de formar uma tempestade perfeita na região.
O artigo abaixo explora a tentativa de aproximação entre Washington e Riad, a partir da política de tolerância religiosa, a fim de superar as crescentes divergências entre a administração Biden e os sauditas.
Mas por que a tolerância religiosa? A questão é que no mundo muçulmano, e na Arábia Saudita em particular, religião, política e economia estão solidamente ligados, não sendo possível separá-los quando se atua diplomaticamente com o Reino.
Jeremy M Dorsey no artigo “Diplomacia do poder brando religioso saudita olha para Washington e Jerusalém em primeiro lugar”
“A geopolítica está escrita em todos os esforços de poder brando religioso saudita. Em nenhum lugar mais do que quando se trata de Israel e judeus por causa da crescente importância da cooperação de segurança com o estado judeu e a influência do lobby israelense nos Estados Unidos, o parceiro de segurança mais importante e problemático do reino.
“(Deborah) Lipstadt (historiadora e Enviada Especial dos Estados Unidos para o Escritório de Monitoramento e Combate do Antissemitismo) pretende se basear no profundamente dos importantes “Acordos de Abraão” para promover a tolerância religiosa, melhorar as relações na região e combater mal-entendidos e desconfianças”, disse o Departamento de Estado (DoD, sigla em inglês do Department of State) em um comunicado. O DoD estava se referindo aos acordos pelos quais os Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão estabeleceram relações diplomáticas com Israel nos últimos dias do governo de Donald J. Trump.
A Sra. Lipstadt disse que a diplomacia religiosa do soft power saudita criou uma atmosfera na qual, ela poderia discutir com funcionários do governo e líderes da sociedade civil, que no reino inevitavelmente estão ligados ao governo, “normalizando a visão dos judeus e entendendo da história judaica para sua população, particularmente sua população mais jovem”.
A Arábia Saudita teve uma atitude particularmente problemática em relação aos judeus, embora uma geração mais velha de sauditas em regiões próximas ao Iêmen lembre-se de uma presença judaica na primeira metade do século XX.
Além disso, nos dias em que os israelenses eram proibidos de viajar para a maioria dos países árabes, a Arábia Saudita também adaptou seus requisitos de visto para proibir os judeus.
Os ministros das relações exteriores europeus que planejavam na época fazer visitas oficiais ao Reino, às vezes enfrentavam exigências de que jornalistas judeus fossem retirados do grupo que acompanhava o funcionário.
Alguns judeus norte-americanos que preencheram judaísmo como religião nos formulários de imigração saudita os devolveram com a palavra judeu substituída pelo termo “cristão”.
Isso começou a mudar muito antes da ascensão do príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman. O Sr. Bin Salman acelerou a mudança de política. No início deste mês (junho/2026), a Arábia Saudita anunciou que os empresários israelenses seriam autorizados a entrar no Reino.
A Arábia Saudita também permitiu que Jacob Yisrael Herzog, um rabino nascido nos EUA e residente em Israel, visite o Reino várias vezes, para tentar construir a vida judaica publicamente. Alguns críticos judeus acusaram que sua abordagem bombástica poderia sair pela culatra.
Além disso, em um processo lento e tedioso de duas décadas de duração, a Arábia Saudita fez um progresso significativo na eliminação de seus livros escolares de conteúdos antissemitas e outros conteúdos discriminatórios e supremacistas.
Para projetar a Arábia Saudita como uma nação moderada e voltada para o futuro e melhorar a imagem manchada do Reino, particularmente nos Estados Unidos, Bin Salman se reuniu com líderes judeus americanos. Muitos desses líderes estão dispostos a dar à Arábia Saudita um passe em seu abuso dos direitos humanos e ainda fraco histórico de tolerância religiosa para avançar a causa do estabelecimento de relações diplomáticas entre a Arábia Saudita e Israel.
O príncipe herdeiro também transformou a Liga Mundial Muçulmana, que já foi o principal veículo para o governo saudita financiar o ultraconservadorismo muçulmano sunita globalmente, em uma ferramenta de relações públicas para propagar a tolerância religiosa saudita.
O chefe da liga, Mohammed al-Issa, ex-ministro da Justiça saudita, liderou uma delegação de líderes religiosos muçulmanos em uma visita inovadora em janeiro de 2020 a Auschwitz, um dos principais campos de extermínio de judeus da Alemanha nazista.
No início deste mês, ele organizou um Fórum sobre Valores Comuns entre Seguidores Religiosos em Riad. Os participantes incluíram 47 estudiosos muçulmanos, 24 líderes cristãos, 12 rabinos e 7 religiosos hindus e budistas.
O momento da visita da Sra. Lipstadt é significativo. Isso ocorre semanas antes de uma esperada visita à Riad do presidente Joe Biden para enfrentar as tensões no relacionamento estratégico entre os dois países.
Surgiram tensões sobre o grau e a confiabilidade do compromisso dos EUA com a segurança do Golfo, a política de produção de petróleo saudita após as sanções dos EUA e da Europa contra a Rússia por invadir a Ucrânia, a cooperação tecnológica saudita com a China e a crença de Biden de que Bin Salman foi responsável pelo assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, em 2018.
Além disso, as visitas de Biden e Lipstadt acontecem no momento em que as esperanças estão desaparecendo, no sentido de que as negociações em Viena entre potências mundiais e o Irã consigam retomem o acordo internacional, de 2015, que restringiu o programa nuclear iraniano. Um fracasso provavelmente aumentará a tensão regional.
O espectro do fracasso impulsionou o aumento da cooperação regional entre os estados do Golfo, incluindo a Arábia Saudita e Israel.”
Considerações parciais
Não está escrito, mas essa aproximação Arábia Saudita, EUA e Israel tem por objetivo fazer frente a crescente ameaça representada pelo Irã, que tem forte apoio da Rússia e, principalmente, da China.
No seu entorno e dentro do país, os sauditas sentem a influência iraniana, seja na pequena comunidade de xiitas no Reino, ou no apoio aos houthis, no Iêmen.
Teerã tem feito testes com foguetes lançadores de satélites (que podem ser convertidos em mísseis balísticos), construído UCAVs, seus mísseis estão cada vez mais precisos e sua postura na Síria, Líbano, Iraque e Iêmen muito agressiva no apoio a grupos políticos locais.
O Paquistão e, principalmente, a China e a Rússia são apontadas como os responsáveis pelo salto tecnológico qualitativo iraniano.
Os sauditas estão reforçando seus laços com as outras monarquias do Golfo, com o Egito e outros países muçulmanos de maioria sunita utilizando as organizações religiosas e os investimentos. Um ponto interessante é a cautela e mais discreta possível aproximação com Israel naquilo que interessa a ambos os países, a contenção do Irã. As relações com Washington passam por uma (nova) tentativa de aproximação, após vários desencontros com as últimas administrações (Obama, Trump e Biden) e a recusa de Riad de aumentar a produção de petróleo e aderir as sanções à Rússia. A Europa tem buscado o apoio dos sauditas para superar a grave crise energética depois do boicote aos fornecimentos de energia de Moscou, mas Riad tem deixado claro que quer concessões e mais tolerância dos europeus. O equilíbrio nessas relações é delicado, pois os sauditas contam com o Ocidente para conter Teerã. Com a Rússia e a China as relações são marcada por desconfianças, já que são grande aliados de Teerã.
As seguidas ameaças de ataque direto às instalações nucleares, o assassinato de cientistas e sabotagens de Israel ao programa nuclear iraniano são um ingrediente a mais nessa turbulência. Tudo isso, sem falar na campanha de assassinatos seletivos a altos dirigentes da Guarda Revolucionária e sua força de elite, a Quds, promovidos pelo Mossad, dentro do território iraniano.
Se Teerã conseguir construir uma bomba nuclear é muito provável que a Arábia Saudita também busque alcançar o mesmo objetivo, a fim de manter a paridade estratégica.
As relação entre Washington e Riad, que durante décadas foram benéficas para ambos os países, mas nos últimos anos tem passado por turbulências. Durante a administração Trump as relações eram os dois países eram muito boas, mas havia desentendimentos em relação ao forte apoio político norte-americano à Israel e a falta de continuidade e clareza nas políticas e ação militar em relação ao Iraque e ao Egito, por exemplo, e uma hostilidade crescente com relação ao Irã. A chegada de Joe Biden em vez de melhorar, conseguiu piorar o relacionamento com os sauditas e as monarquias do Golfo, sem obter ganhos com o Irã ou obter maior cooperação com a Turquia, por exemplo.
A Turquia é um caso à parte. Durante décadas, o país tinha sido um grande parceiro dos EUA e dos europeus (e depois da União Europeia), além de manter boas relações com Israel. No entanto, sob o governo de Recep Erdogan, Ancara deu uma guinada na sua política externa, ao buscar uma maior aproximação com a Rússia, com o mundo muçulmano (em particular com o Paquistão), aumentando sua influência no Cáucaso (normalmente instável) e no Oriente Médio. A intervenção dos turcos na Síria, sob a justificativa de lutar contra o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, que a Turquia considera uma organização terrorista, no Curdistão sírio, tem contribuído para a instabilidade regional. O pesadelo norte-americano é que os chineses tem buscado se aproximar de Ancara, que vê com bons olhos tendo em vista as decepções com Washington e Bruxelas.
Imagem de Destaque: https://www.istockphoto.com/br/foto/ar%C3%A1bia-saudita-ir%C3%A3-israel-gm957685396-261508880
Fontes
https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2018/04/15/interna_internacional,951812/arabia-saudita-coloca-jerusalem-e-ira-entre-as-prioridades-arabes.shtml
Saudi Religious Soft Power Diplomacy Eyes Washington And Jerusalem First And Foremost
https://parstoday.com/pt/radio/middle_east-i8596-israel_e_ar%C3%A1bia_saudita_os_estranhos_aliados_no_novo_oriente_m%C3%A9dio
ESTADOS UNIDOS, ISRAEL E ARÁBIA SAUDITA AUMENTAM PRESSÃO CONTRA O IRÃ
https://parstoday.com/pt/radio/middle_east-i8596-israel_e_ar%C3%A1bia_saudita_os_estranhos_aliados_no_novo_oriente_m%C3%A9dio
EUA rastreiam falha em lançamento de satélite do Irã; imagens indicam novo teste
China e Turquia fortalecem parceria internacional
https://br.sputniknews.com/20210302/turquia-pretende-ampliar-tecnologia-de-guerra-em-aproximacao-com-paquistao-e-china-17054183.html
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/03/turquia-tenta-se-equilibrar-entre-russia-e-otan-na-guerra-da-ucrania.shtml
https://br.sputniknews.com/20220626/ira-realiza-com-sucesso-2-teste-de-lancamento-de-foguete-nacional-diz-midia-23296682.html
https://br.sputniknews.com/20211026/israel-planeja-comecar-em-breve-preparacoes-para-atacar-instalacoes-nucleares-do-ira-diz-midia-18162515.html
Especialização em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Graduação em História (Bacharel e Licenciatura) pela Universidade Gama Filho (UGF), autor de Artigos em História Militar.
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