Ricardo I, da Inglaterra. O Coração de Leão

de

Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral

Ricardo I Coração de Leão, rei da Inglaterra (1189-1199), grande guerreiro, heróis, símbolo da cavalaria e tudo que ela representa. Sua vida e seus feitos se transformaram em lendas e serviram de inspiração para o ideal cavalheiresco e para a literatura épica, romântica e de aventuras.

Ricardo nasceu em 8 de setembro de 1157, em Oxford, Inglaterra. Ele era secundogênito e não tinha expectativas de herdar o trono e pouco se sabe sobre sua infância ou educação, apenas algumas indicações, como o fato de, apesar de ter nascido na Inglaterra, falava o francês e dialetos franceses, com fluência, mas não sabemos se conseguia ou se expressava bem em inglês, sabemos que era culto, habilidoso com armas e na política, estrategista, corajoso, cristão devoto, muito leal e imbuído de todas as qualidades que se esperava de um cavaleiro. Em termos físicos, as fontes afirmam que era um homem muito bem apessoado, muito alto (1,96 m), cabelos entre o ruivo e o dourado, de compleição atlética.

Desde a adolescência foi muito ativo politicamente. em 1170, recebeu de Henrique II, rei da Inglaterra e seu pai, o Ducado de Aquitânia (que estava em revolta) e o Condado de Poitou. Com ajuda de sua mãe, Eleanor, de Aquitânia, pacificou a região.

Em 1173, Henrique, Duque da Normandia, estimulado pela sua mãe, a rainha Eleonor, de Aquitânia, se revoltou contra seu pai o rei Henrique II. Nisso teve apoio de seus irmão Ricardo, Duque de Aquitânia, e Geoffrey, Duque da Bretanha. O que unia os irmãos era ter autonomia em seus territórios e acesso direto as suas rendas. A rebelião teve apoio do rei francês Luís XII, interessado em enfraquecer o poder dos Plantagenetas e tomar suas terras na França.  Apesar dos sucessos iniciais, os irmão acabaram sendo derrotados e tiveram que pedir perdão e se reconciliar com o rei. Ricardo se destacou ficou pela bravura e a coragem nos combates Eleonor, de Aquitânia, foi presa para garantir o bom comportamento de Ricardo, a quem era muito ligado. Ricardo, era um bom político e hábil negociador, sabia quando recuar e se compor.

Em 1175, Henrique II enviou Ricardo à Aquitânia para punir os nobres (que haviam lutado por ele) e tomar os seus castelos. Estes nobres esperavam retaliações por parte do rei e trataram de fortalecer suas defesas. Nesta campanha, Ricardo ganhou o epíteto “o Leão” ou “Coração de Leão” devido a sua habilidade militar, liderança, nobreza, coragem e por vezes ferocidade. Este comportamento tirânico levou a Gasconha, Limosin e Périgod a se revoltarem, Ricardo debelou as rebeliões com muita violência. No entanto, as rebeliões só chegaram ao fim com negociação política e por fim conseguiu pacificar essas regiões.

Em 1181, estourou um novo conflito entre Ricardo e seu pai, o rei Henrique II. O rei queria que Ricardo cedesse a Aquitânia ao seu irmão João. Os irmãos Henrique, Duque da Normandia, e Geoffrey, Duque da Bretanha, a invadiram a Aquitânia para subjugarem Ricardo. Neste momento, os nobres da Aquitânia se revoltaram contra Ricardo, uma tempestade perfeita. Mesmo assim, Ricardo saiu vencedor, destruiu os exércitos invasores e executou todos os prisioneiros.

Em 1183, Henrique, Duque da Normandia, e herdeiro presuntivo do trono inglês morreu, com isso Ricardo era o próximo na linha sucessória, mas o rei não estava disposto a nomeá-lo herdeiro aparente. Henrique II ofereceu um acordo a Ricardo, queria que ele abrisse mão da Aquitânia e eles faria a paz. Ricardo recusou e por meio de um ardil tomou a maior parte dos tesouros do rei inglês na França e se aliou a Felipe II, em troca de direitos sobre a Normandia e Anjou. Henrique II, ordenou que seu filho mais novo João invadisse a Aquitânia e depusesse Ricardo.

Em 4 de julho de 1187, Ricardo derrotou as forças de Henrique II na Batalha de Hattin.  No ano seguinte, Henrique II, retirou a Eleonor, de Aquitânia, da prisão e determinou que Ricardo devolvesse a Aquitânia a sua mãe.

Em 1189, Ricardo derrotou as forças de Henrique II em Ballans e forçou o rei a nomeá-lo seu herdeiro aparente. Dois dias depois o rei morreu e Ricardo assumiu o trono como Ricardo I.

O reinado 1189-1199

No período que ascendeu ao trono Ricardo I já era considerado o maior líder militar do mundo cristão. Era um rei tolerante para com os judeus e reagiu com violência contra aqueles que os perseguiam. Para os ingleses foi um rei ausente pelas suas campanhas na França, a participação na 3ª Cruzada e por seu cativeiro na Áustria.

A 3ª Cruzada

A fama de estrategista, cavaleiro e de grande guerreiro só aumentaram devido a sua participação nessa cruzada que tinha como objetivo reconquistar Jerusalém, tomada pelo sultão Saladino, em 1187.

Ricardo I levou dois anos se preparando para reconquistar Jerusalém. Internamente levantou fundos para a organização de um novo exército, para tanto promoveu a venda de cargos e gastou metade dos recursos arrecadas por Henrique II para a cruzada, reposicionou uma parte dos seus exércitos na fronteiras e nomeou regentes para suas possessões na França e para o Reino da Inglaterra. O príncipe João não gostou desse arranjo e começou a conspirar contra Ricardo, antes mesmo da sua partida. Na França, fez um acordo com o rei Felipe Augusto para que ambos fossem para a cruzada e firmou uma trégua. Detalhe, não estavam em guerra, mas ambos temiam que o outro atacasse enquanto um deles estivesse na cruzada. Este clima de desconfiança e as constantes conspirações de Felipe Augusto contra Ricardo I iram persistir durante toda a Cruzada. A demora da partida dos cruzados permitiu a Saladino tomar uma série de providências defensivas.

Em setembro de 1190, os Cruzados chegaram à Sicília e logo se viram enredados nas questões de sucessão do Reino da Sicília, já que envolvia, a rainha viúva Joana, irmã de Ricardo, que resolveu a questão num misto de violência e diplomacia.

Em abri de 1191, os Cruzados partiram para Acre, mas uma tempestade dispersou a frota. Após uma busca, encontraram uma parte dos navios ancorados em Chipre. Estavam nesses navios sua irmã Joana, sua noiva Berengária, de Navarra. Os navios e as mulheres forma feitas prisioneiras por Isaac Conemos, governador da ilha. Ricardo tentou um acordo, mas não teve jeito, se não conquistar a ilha. Ricardo nomeou um governador e depois a vendeu para os Cavaleiros Templários.

A conquista de Chipre, por Ricardo, foi muito importante. Tendo em vista que a ilha ocupa uma posição estratégica fundamental nas rotas marítimas que ligam a Europa a Terra Santa, cuja conquista pelos cruzados não prosseguir sem o apoio vindo pelo do mar. A façanha de Ricardo foi muito divulgada e contribuiu para aumentar ainda mais sua reputação, além dos ganhos financeiros significativos que obteve com a conquista da ilha. Em Chipre, se casou com Berengária, de Navarra, um casamento político visando proteger Aquitânia e depois da morte do rei de Navarra herdar esse reino para si e seus sucessores. Este casamento ocorreu enquanto Ricardo estava noivo de Alys, irmã de Felipe Augusto, que não gostou nem um pouco.

Em 5 de junho de 1191, os Cruzados seguiram para Acre e a conquistaram. Ricardo, mesmo muito doente, se distinguiu na conquista da fortaleza. As desavenças entre o rei ingles e Felipe Augusto e seus aliados, acerca da divisão do saque, ou seja, dos bens e terras conquistadas, a exigência do rei Francês para ficar com Jerusalém (que se quer havia sido conquistada) e o destino dos prisioneiros levaram a novas divergências entre os monarcas. Ricardo executou os prisioneiros, pois não tinha como seguir na campanha com tantos prisioneiros deixados para trás ou seguindo com o exército cruzado. Ricardo recusou todas as exigências de Felipe Augusto, cujas forças não se destacaram e não se empenhavam com a mesma disposição dos ingleses e seus aliados. A rivalidade entre os dois reis e as reivindicações desproporcionais de Felipe Augusto levaram com os aliados do rei francês abandonassem a cruzada depois de Acre.

https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Arsuf#/media/File:Schlacht_von_Arsuf.jpg

Contando com suas próprias forças e alguns poucos aliados Ricardo derrotou as forças de Saladino na Batalha de Arsuf (7/9/91), localidade próximo a Jaffa, e seguiu em direção à Jerusalém. Novamente, reividicações a cerca de bens e terras entre os seus aliados impediam que a campanha prosseguisse com tranquilidade. Jerusalém estava cercada, mas era difícil de ser tomada e havia divisões entre os cruzados sobre atacar a cidade, correndo o risco de grandes perdas, ou se dirigir ao Egito, base de poder de Saladino. Sem chegaram há um acordo os cruzados recuaram para a costa. A luta prosseguia com seguidas escaramuças entre muçulmanos e cruzados, sem chegar a nenhuma conclusão. O impasse enfraquecia a ambos os líderes e seus exércitos. Da Inglaterra e da França chegavam notícias da conspiração envolvendo seu irmão João Sem-Terra com Felipe Augusto. A situação nos seus domínios era insustentável e o retorno não podia ser adiado. Ricardo e Saladino fazem um acordo que permitia que peregrinos e mercadores tivessem acesso a Jerusalém. Em 9 de outubro de 1192, Ricardo, muito doente, iniciou a viagem de retorno à Inglaterra.

https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-ricardo-coracao-leao-grande-guerreiro.phtml

A viagem de volta à Inglaterra foi cheia de perigos e percalços. As rivalidades e as desavenças ocorridas com outros nobres durante a campanha, cobraram seu preço. A fim de apressar sua volta, Ricardo cometeu a imprudência de não retornar com o seu exército, mas apenas com uma pequena escolta. Tanto a viagem por terra, quanto por mar foi feita em território de seus inimigos. Quando chegou a Europa, atravessou os domínios de Leopoldo V, Duque da Áustria, com quem Ricardo teve sérias desavenças durante a cruzada. Este o capturou perto de Viena. A prisão de um cruzado voltando para casa era ilegal e quando soube da sua captura, o Papa Celestino III mandou soltá-lo, como Leopoldo se recusou foi excomungado. Leopoldo V o entregou a Henrique VI, imperador eleito do Sacro Império Romano-Germânico. Ricardo exigiu sua libertação e como não foi solto, humilhou Henrique VI, que o acorrentou e colocou em uma masmorra. Henrique então exigiu como 150 mil marcos de prata, uma quantia exorbitante para época, muito acima dos rendimentos de todas as posses de Ricardo. Eleonor, de Aquitânia, e seus regentes levantaram o dinheiro cobrando impostos, confiscando e/ou vendendo propriedades, despojando as Igrejas de seu ouro e prata entre outras medidas. Felipe Augusto e João Sem-Terra ofereceram 80 mil marcos para manter Ricardo preso, mas Henrique VI recusou. O resgate foi pago no início de 1194 e Ricardo finalmente libertado.

Estátua de Ricardo I, Coração de Leão, em frente ao Palácio Westminster, Londres
https://heroismedievais.blogspot.com/2010/05/ricardo-i-de-inglaterra-coracao-de-leao.html

Ao retornar para a Inglaterra, Ricardo perdoou João Sem-Terra e partiu para França para reconquistar seus domínios. Na Normandia, ele idealizou e construiu, em tempo recorde, uma fortaleza, o Cháteau Gallard, “O Castelo da Rocha”, considerada uma obra prima em termos de engenharia militar, com várias inovações. Para derrotar Felipe Augusto, Ricardo fez várias alianças políticas e criou o mote “Deus e meu Direito”, usado pela primeira vez quando estava no cativeiro e que é lema até hoje da monarquia britânica.

Ricardo obteve várias vitórias sobre Felipe Augusto. No entanto, tinha que conviver com revoltas em seus domínios devido a violência das suas forças. Em  março de 1199, suas forças sitiavam o pequeno castelo de Châlus-Chabrol, em Limosin, quando foi atingido por uma seta disparada de uma besta. A ferida grangenou. O castelo foi conquistado e o besteiro que o atingiu foi capturado. Ricardo o perdoou e ainda lhe deu um prêmio. Em 6 de abri de 1199, Ricardo I, Coração de Leão, morreu nos braços de sua mãe.

Considerações finais

Ricardo I, Coração de Leão, foi considerado o maior herói de sua época, representava todos os valores da Cavalaria, corajoso, valente, estrategista, político habilidoso, líder militar, piedoso (de vez em quando), generoso, magnânimo, tinha o dom de perdoar, muitas qualidades não é? Era um poeta e escritor talentoso, protetor das artes e dos artistas. Por outro lado, apesar das lendas que o cercam, não podemos esquecer que era um homem, sujeito a vícios e paixões, era violento, muito cruel, egoísta e orgulhoso. Religiosos o acusavam de ser devasso, pois se envolvia com várias mulheres durante suas campanhas e após suas conquistas apreendia várias mulheres que que se servia sexualmente (algo comum à sua época).

As virtudes e os feitos de Ricardo I, Coração de Leão, superam de longe William Marshall e Eduardo, de Woodstock (O Príncipe Negro). Foi o maior líder militar de sua época e um dos maiores da Idade Média ao lado de Carlos Magno. Seus feitos serviram de inspiração papra várias obras no mundo das artes, de pinturas, passando por romances, filmes e games.

Imagem de Destaque: Representação de Ricardo Coração de Leão, por Merry-Joseph Blondel https://pt.wikipedia.org/wiki/Ricardo_I_de_Inglaterra#/media/Ficheiro:Merry-Joseph_Blondel_-_Richard_I_the_Lionheart.jpg

Bibliografia

Link  para a Amazon:

https://www.amazon.com.br/gp/product/8533602170/ref=as_li_qf_asin_il_tl?ie=UTF8&tag=hmd2021-20&creative=9325&linkCode=as2&creativeASIN=8533602170&linkId=959b56511026cdbc0a4fa68e3a63b519

Link  para a Amazon:

https://www.amazon.com.br/gp/product/9722338633/ref=as_li_qf_asin_il_tl?ie=UTF8&tag=hmd2021-20&creative=9325&linkCode=as2&creativeASIN=9722338633&linkId=e3c15af7b379c06a13d0e06bfcdfd263

Link  para a Amazon:

https://www.amazon.com.br/gp/product/1841768685/ref=as_li_qf_asin_il_tl?ie=UTF8&tag=hmd2021-20&creative=9325&linkCode=as2&creativeASIN=1841768685&linkId=a0699e55b4f9de23ec622718519e34d2

DVD

Link  para a Amazon:

https://www.amazon.com.br/gp/product/B07QWZS6TH/ref=as_li_qf_asin_il_tl?ie=UTF8&tag=hmd2021-20&creative=9325&linkCode=as2&creativeASIN=B07QWZS6TH&linkId=033d658514e81bccc370a50648d2a791

Sites consultados

https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-ricardo-coracao-leao-grande-guerreiro.phtml

https://www.britannica.com/biography/Richard-I-king-of-England

https://en.wikipedia.org/wiki/Richard_I_of_England

https://en.wikipedia.org/wiki/Richard_the_Lionheart%27s_encounters_with_lions

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

Deixe um comentário

Gostou dos artigos e postagens?

Quer escrever no site?

Consulte nossas Regras de Publicação e em seguida envie seu artigo.

Siga-nos nas Redes Sociais