Prof. Dr. Ricardo Cabral¹ e Jornalista Alexandre Galante²
Tudo aquilo que refere de alguma forma a Taiwan provoca reações na China e talvez seja o ponto mais conturbado da relação com os Estados Unidos que insistem na autonomia de Taipei em relação a Beijing. Apesar do compromisso de Washington, com uma só China, mas as seguidas administrações, parlamentes e personalidades estimulam de forma velada as ambições de independência da ilha, sem medir as consequência dos seus atos. Por outro lado, a linguagem da diplomacia e dos dirigentes chineses é cada vez mais agressiva em relação aos Estados Unidos.
A rivalidade sino-norte-americana está rapidamente escalando, apesar da profunda interação existente entre os dois países. A disputa pela hegemonia mundial está se tornando cada vez mais acirrada e hostil. Ambos os países classificaram um ao outro como principal ameaça.
Neste momento, a nova crise é resultado da inclusão de Taiwan no roteiro de visitas (Singapura, Malásia, Coreia do Sul e Japão) que Nancy Pelosi, Presidente da Câmara de representantes está fazendo ao Extremo Oriente. Pelosi é a mais alta autoridade dos EUA a visitar Taiwan em 25 anos. O avião transportando a congressista pousou na capital de Taiwan, Taipei, na terça-feira. A viagem tem por objetivo fortalecer os laços com esses países na construção de uma aliança anti-China.
Em 1996, os norte-americanos desdobraram dois porta-aviões, USS Nimitz e USS Independence, com suas escoltas a fim de monitorar exercícios militares chineses próximos à Taiwan e intimidar a China. Em 1997, Newt Gingrich, na época Presidente da Câmara dos Representantes, visitou Taiwan, alimentando os sonhos de independência da ilha. Esses dois fatos irritaram profundamente Beijing, que os viu como uma provocação e uma afronta à sua soberania. Na época, os chineses só podiam protestar. Atualmente, a situação mudou consideravelmente e Beijing vê a visita como uma afronta e promete e ameaça com retaliações, inclusive militares.
A Casa Branca em comunicação com os chineses afirmou que o Poder Executivo não tem influência (???) sobre Pelosi, correligionária de Biden e terceira na linha de sucessão dos EUA. Jake Sullivan, Conselheiro de Segurança Nacional, Lloyd Austin, Secretário de Defesa e Antony Blinken, ao mesmo tempo que afirma a independência de Nancy Peloy, também diz que Washington não cede a pressões, num claro desafio a Beijing. Posição adotada por Joe Biden em sua conferência com Xi Jinping, que advertiu o colega norte-americano sobre as possíveis consequências. Até mesmo os militares do Pentágono, advertiram a deputada democrata que não era um bom momento para se visitar Taiwan. Aparentemente, Pelosi está ignorando a todos. Em nosso entendimento, com o apoio velado da administração Biden.
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Claro que os chineses não estão dispostos a tolerar esse desafio à sua política de uma só China, ainda mais quando os norte-americanos estão deslocando um grupo de batalha de porta-aviões (Carrier Strike Group, CSG) liderado pelo porta-aviões nuclear USS Ronald Reagan (CVN-76), o navio de assalto anfíbio USS Tripoli (LHA-7) – com jatos F-35B Lighting II Joint Strike Fighters dos US Marines – e escoltas dos destroieres da classe Arleigh Burke que estão operando próximo, no limite do Mar do sul da China. O USS Abraham Lincoln (CVN-72) e o USS America (LHA-6), estão em na base norte-americana em Sasebo, Japão, mas prontos para partir. As possibilidades de um incidente, que venha ter consequências desastrosas são elevadas.
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Diante desse cenário, Taiwan adotou várias medidas visando se preparar contra as possíveis reações chinesas, inclusive militares. Os militares estão de prontidão, as férias foram canceladas e os sistemas de defesa da ilha estão em alerta. No entanto, Taipei tem capacidades militares muito inferiores a Beijing. A ilha, na média, dista apenas 180 km do continente e está dentro do alcance de todas as baterias de mísseis e foguetes. A zona de identificação de defesa aérea (Air Defense Identification Zone, ADIZ), de Taiwan, é constantemente violada pelo PLA.
Em resposta a aproximação do CSG norte-americano, no dia 31 de julho de 2022, a China colocou no mar seus dois porta-aviões Lioning, o Shandong e navio de assalto anfíbio Type 75 Hainan devidamente acompanhados de suas escoltas
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Lembramos que os chineses têm um escudo A2/AD, estabelecido a partir de uma série de bases aéreas no litoral, nas Ilhas Spratly e Paracel, em Fiery Cross Reff. Nestes locais, instalaram baterias de mísseis (antiaéreos, antimísseis e antinavio) e pistas de pouso, onde desdobraram meios de ataque, vigilância e alerta antecipado, alongando o seu perímetro defensivo e ampliando todos esses sistemas e meios, aumentaram significativamente as capacidades chinesas de consciência situacional (marítima e aeroespacial) no seu entorno estratégico, que lhe permite desdobrar meios a fim de atuar até o seu perímetro de defesa avançado.
Esse escudo conta, além dos porta-aviões, já desdobrados, cruzadores e destróieres de mísseis, centenas de caças J-10 Vigorus Dragon, J-11 e J-16 (variantes do Su-27 Flanker), J-15 Flying Shark (variante do Su-33 Flanker, versão embarcada), dezenas de J-20 Might Dragon (stealth), Su-27 Flanker, Su-30 Flanker-C/G/H e Su-35 Flanker-E. Além de baterias de mísseis hipersônicos DF-17 (alcance de 1.800 km a 2.500 km)
No mapa abaixo, a localização das bases chinesas e norte-americanas, e o escudo A2/AD erguido por Beijing, no seu entorno estratégico.
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Além da Casa Branca, Nancy Pelosi tem o respaldo do Congresso. Deputados norte-americanos querem aprovar uma lei de land-lease para Taiwan e cobram da Casa Branca medidas mais duras contra os chineses.
Vários analistas internacionais estão especulando que Washington está fabricando esta crise para desmoralizar Xi Jinping e impedi-lo de conquistar mais um mandato nos vários cargos que ocupa como Presidente da China, Secretário-Geral do Partido Comunista Chinês e Presidente da Comissão Militar Central. Além do fato de que a visita fortalece a posição de Washington contrária a incorporação à força da ilha.
Neste sentido, a visita de Pelosi, mesmo sem o apoio público da Casa Branca, sinalizaria apoio ao status autônomo de Taiwan, em um momento em que a invasão da Ucrânia pela Rússia colocou na pauta questões sobre o compromisso da comunidade internacional em proteger estados menores de vizinhos mais poderosos.
E a crise só escala: o governo do UK, informou que o futuro primeiro-ministro, (ainda não escolhido pelos Conservadores) já tem planos para uma visita à Taiwan em novembro ou no início de dezembro de 2022. A dobradinha Washington-Londres continua afinada.
O momento da visita do Pelosi é interessante para dizer o mínimo. Nos EUA, o governo democrata está diante de uma recessão técnica, inflação elevada, elevado índice de impopularidade, além de estar profundamente envolvido na Guerra da Ucrânia, sem perspectiva de uma saída honrosa. Já a China não consegue retomar o ritmo de crescimento de antes da pandemia, devido a continuidade dos lockdowns, a quebra das cadeias produtivas, da fragilidade do mercado imobiliário e do aumento da inflação.
Uma outra análise seria que a visita da combativa (e insensata? Imprudente? Independente? Ou tudo junto e misturado) Pelosi oferece uma boa distração a ambos os governos que tem grandes problemas internos. No entanto, a margem de erro é mínima.
Retaliação
Após o pouso do avião de Pelosi em Taipei, o Exército de Libertação Popular chinês anunciou a realização de importantes exercícios militares de tiro real em áreas nas águas e espaço aéreo ao redor de Taiwan, como mostra o gráfico abaixo.
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Para não sair desmoralizado pela visita de Pelosi a Taiwan, Xi Jinping deverá retaliar de alguma forma.
A questão agora é saber até onde a China irá para salvar sua imagem de potência militar.
Imagem de Destaque: https://ctb.org.br/noticias/internacional/secretario-de-estado-dos-eua-qualifica-china-como-ameaca-central-dos-nossos-tempos/
Autores:
¹ Mestre e Doutor em História Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ, professor-colaborador e do Programa de Pós-Graduação em História Militar Brasileira (PPGHMB – lato sensu), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO e Editor-chefe do site História Militar em Debate e da Revista Brasileira de História Militar. Website: https://historiamilitaremdebate.com.br
² Jornalista especializado em assuntos militares e editor-chefe da revista e trilogia de sites Forças de Defesa. No final dos anos 80, foi tripulante da fragata Niterói (F40) da Marinha do Brasil, integrando a equipe de manobra do helicóptero Lynx embarcado. Nos anos 90, colaborou como articulista com as revistas Segurança & Defesa e Tecnologia & Defesa. No jornal O Globo, trabalhou na redação, de 1996 a 2008.
Fontes
https://edition.cnn.com/2022/08/01/politics/nancy-pelosi-taiwan-visit/index.html
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/3/12/mundo/1.html
China: militares não ficarão de braços cruzados’ se Nancy Pelosi visitar Taiwan
US will ‘lose fast’ in war with China, Air Force’s simulation shows
Grupo de ataque de porta-aviões dos EUA retorna ao Mar do Sul da China em meio a tensões em Taiwan
Porta-aviões USS Ronald Reagan e navio de assalto anfíbio USS Tripoli com jatos F-35B estão operando perto de Taiwan
Exército da China publica ‘Prepare-se para a guerra!’ em mensagem postada sobre a visita dos EUA a Taiwan
https://www.reuters.com/world/asia-pacific/china-warns-its-military-will-not-sit-idly-by-if-pelosi-visits-taiwan-2022-08-01/
Casa Branca pede calma em Pequim com Pelosi indo para Taiwan
https://br.sputniknews.com/20220730/eua-devem-assumir-todas-as-consequencias-se-pelosi-visitar-taiwan-adverte-china–23904642.html
https://www.theguardian.com/world/2022/aug/01/british-mps-plan-visit-to-taiwan-as-tension-with-china-simmers
https://br.sputniknews.com/20220730/legislador-americano-um-ataque-da-china-a-pelosi-deve-ser-tratado-como-declaracao-de-guerra-23908080.html
https://www.theguardian.com/world/2022/jul/28/xi-jinping-tells-joe-biden-not-to-play-with-fire-over-taiwan-in-two-hour-call
Taiwan realiza exercícios em meio a preocupação com visita de Pelosi e tensão na China
https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/07/15/pib-da-china-tem-forte-desaceleracao-no-2o-trimestre-em-meio-a-riscos-globais.ghtml
Problemas econômicos da China pioram com setores industrial e imobiliário
PIB dos EUA tem queda anualizada de 0,9% no 2º trimestre e país entra em recessão técnica
https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2022/07/eua-e-taiwan-entenda-por-que-visita-de-nancy-pelosi-pode-gerar-conflitos.html
Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.