Edilson Moura Pinto
Resumo
A Turquia, em tempos recentes, experimentou uma transformação significativa em sua política, economia e status geopolítico, que moldou seu cenário atual em comparação com o passado. Sob a liderança do Presidente Recep Tayyip Erdoğan, o país adotou uma postura mais assertiva e autônoma, buscando afirmar sua influência tanto regionalmente quanto globalmente. O governo turco tem se envolvido em conflitos na Síria, apoiado aliados no Azerbaijão e estabelecido uma presença estratégica no Mediterrâneo Oriental. Em comparação com o passado, a Turquia sob Erdoğan demonstra uma abordagem mais desafiadora em relação a aliados tradicionais e adota uma política externa mais independente e assertiva. Essas mudanças resultaram em uma série de desafios e oportunidades, enquanto o país continua a navegar por questões complexas em um cenário geopolítico em evolução.
Nesse artigo será explanado um panorama global do atual estágio da Moderna Turquia e os desafios que esta nação têm pela frente.
1. Contextualização Histórica
O Império Otomano foi um dos impérios mais poderosos e duradouros da história, com uma história que se estendeu por cerca de seis séculos, de 1299 a 1922. Foi fundado por Osman I e, ao longo dos anos, expandiu-se para se tornar um vasto império que abrangia partes da Europa, Ásia e África. Sua capital era Constantinopla (atual Istambul), que foi conquistada em 1453 pelo sultão Mehmed II, também conhecido como Mehmed, o Conquistador.
O Império Otomano foi marcado por uma sociedade multiétnica e religiosa, com uma administração centralizada e uma economia baseada no controle de rotas comerciais importantes.
O Império Otomano desempenhou um papel significativo na história mundial, especialmente durante o século XVI, quando atingiu o auge de seu poder sob o reinado de Solimão, o Magnífico. No entanto, com o enfraquecimento gradual e a derrota na Primeira Guerra Mundial, o império foi dissolvido em 1922 após a Guerra de Independência da Turquia liderada por Mustafa Kemal Atatürk.
Mustafa Kemal Atatürk é uma figura central na transição do Império Otomano para a moderna República da Turquia. Ele liderou a luta pela independência turca e, após a vitória, introduziu uma série de reformas abrangentes para modernizar a Turquia. Isso incluiu a abolição do califado e a separação entre religião e Estado, a introdução de um novo sistema legal e a adoção do alfabeto latino em vez do árabe.
O resultado foi a fundação da República da Turquia em 1923, com Atatürk como seu primeiro presidente. A Turquia moderna buscou um caminho de secularismo, democracia e modernização, afastando-se da herança do Império Otomano. Atatürk é amplamente considerado o pai da Turquia moderna e é lembrado por suas reformas radicais.
Atualmente, a Turquia é uma república democrática e secular localizada principalmente na Anatólia (parte asiática) e uma pequena parte na Trácia (parte europeia). Após a era Atatürk, a Turquia passou por uma série de transformações políticas e sociais.
O país desempenha um papel geopolítico significativo na região, com Istambul servindo como uma ponte entre o Ocidente e o Oriente. O país enfrenta desafios e controvérsias, como questões de direitos humanos, questões étnicas e políticas, mas continua sendo uma nação importante na política global e na economia.
Kemalismo
O kemalismo surgiu na década de 1920, após a Primeira Guerra Mundial e a Guerra de Independência Turca, liderada por Mustafa Kemal Atatürk. Mustafa Kemal Atatürk é considerado o fundador da República da Turquia e é a figura central na promoção do kemalismo como ideologia.
Após a queda do Império Otomano e o fim da Primeira Guerra Mundial, a Turquia estava em um estado de crise política, econômica e social. Nesse contexto, Mustafa Kemal Atatürk emergiu como líder militar e político e liderou a luta pela independência turca contra as potências estrangeiras que ocupavam o país. Após a Guerra de Independência Turca (1919-1923), o Tratado de Lausanne (1923) reconheceu a soberania da Turquia e a República da Turquia foi proclamada em 29 de outubro de 1923.
O governo de Recep Tayyip Erdoğan na Turquia, em seu papel de presidente desde 2014 (anteriormente serviu como primeiro-ministro e chefe de governo por vários anos antes disso), é associado a várias bases fundamentais. Erdoğan é o líder do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), um partido político islâmico conservador, e sua liderança tem trazido uma série de mudanças políticas e sociais na Turquia.
Contrastes entre era Atatürk e Erdoğan
KEMAL | Secularismo: O kemalismo defende uma separação rigorosa entre religião e Estado. O governo turco é secular, e as instituições religiosas não têm influência direta na política. Nacionalismo: A ideologia kemalista promove um forte senso de unidade nacional e uma identidade turca unificada, em contraposição ao sistema multiétnico do Império Otomano. Reforma educacional: Atatürk implementou reformas significativas no sistema educacional turco para promover a alfabetização e a educação secular. O alfabeto latino substituiu o alfabeto árabe para facilitar a alfabetização em massa. Igualdade de gênero: O kemalismo promove a igualdade de gênero e direitos das mulheres. As reformas de Atatürk incluíram a concessão de direitos políticos às mulheres, como o direito de voto e de serem eleitas para cargos públicos. Modernização: O kemalismo promoveu a modernização da Turquia em várias áreas, incluindo a legislação, a economia e a infraestrutura. Nacionalismo étnico: O kemalismo promoveu um forte sentimento de identidade turca étnica, com ênfase na língua turca e na cultura turca em detrimento das identidades étnicas mais antigas dentro do Império Otomano. |
Erdoğan | Islã Conservador: Erdoğan e o AKP têm raízes no islã conservador. Seu governo é conhecido por promover valores islâmicos na política e na sociedade turca, embora a Turquia continue a ser uma república secular de acordo com a Constituição. Sua abordagem política valoriza e promove uma forma de islamismo político, buscando fortalecer o papel da religião na esfera pública da Turquia. Políticas Econômicas: Durante seu governo, a Turquia experimentou crescimento econômico significativo. Erdoğan e o AKP implementaram políticas econômicas que incentivaram o investimento estrangeiro e o crescimento do setor privado. No entanto, o país também enfrentou desafios econômicos, como a inflação e a depreciação da moeda. Geopolítica: Desempenha um papel ativo na política regional, especialmente em questões como a Síria e o Curdistão. Ele busca manter a influência da Turquia na região. Tariq Ramadan: Tariq Ramadan concentra-se mais em questões de identidade muçulmana na Europa e nas relações entre o Islã e o Ocidente. Nacionalismo: O partido, o AKP, é frequentemente associado a um nacionalismo turco que enfatiza a identidade turca e a unidade do país. Erdoğan implementou reformas no sistema educacional turco, algumas das quais foram vistas como uma tentativa de incorporar elementos religiosos em instituições educacionais.O nacionalismo turco frequentemente inclui um elemento étnico, enfatizando a identidade turca em um estado multiétnico. Igualdade de Gênero: O governo de Erdoğan tem enfrentado críticas em relação à igualdade de gênero, com algumas alegações de retrocesso em direitos das mulheres. Modernização: Erdoğan tem promovido um discurso de modernização econômica na Turquia, buscando uma economia mais forte e competitiva. |
Economia
Comparar as eras de Mustafa Kemal Atatürk e Recep Tayyip Erdoğan em termos de economia turca é uma tarefa complexa, pois ambas as lideranças representaram períodos muito diferentes na história da Turquia, com desafios e contextos econômicos distintos.
É importante observar que, embora a Turquia tenha visto crescimento econômico sob Erdoğan, também enfrentou desafios, incluindo questões políticas, flutuações monetárias e pressões inflacionárias. Além disso, a economia turca continua a ser afetada por eventos internacionais, como crises econômicas globais e conflitos regionais.
Diferentes vertentes da economia entre Atatürk e Erdoğan.
KEMAL | Reformas Radicais: Durante seu governo, Atatürk implementou reformas políticas, sociais e econômicas radicais como parte de seus esforços para modernizar a Turquia. Isso incluiu a secularização do Estado, a separação entre religião e governo, a reforma legal e a adoção do alfabeto latino. Industrialização: Atatürk viu a industrialização como uma prioridade e estabeleceu políticas para impulsionar o setor industrial da Turquia. Fábricas, infraestrutura e transporte foram desenvolvidos, contribuindo para o crescimento econômico. Economia Centralizada: Durante sua liderança, a economia era altamente centralizada, com intervenção direta do Estado. Os setores econômicos eram em grande parte controlados pelo governo. Agricultura: A agricultura desempenhou um papel significativo na economia, com grande parte da população envolvida na produção agrícola. |
Erdoğan | Reformas Econômicas: Sob o governo de Erdoğan, a Turquia adotou reformas econômicas orientadas para o mercado, incluindo a liberalização do comércio e investimento estrangeiro. Isso incentivou o crescimento do setor privado. Crescimento Econômico: Durante a liderança de Erdoğan, a Turquia experimentou um período de rápido crescimento econômico. O país se tornou uma economia emergente e viu um aumento nas exportações e investimentos estrangeiros. Setor de Construção: O setor de construção, incluindo projetos de infraestrutura, desempenhou um papel importante no crescimento econômico da Turquia sob Erdoğan. Grandes projetos, como a construção de pontes e aeroportos, foram realizados. Diversificação da Economia: Sob Erdoğan, a Turquia buscou diversificar sua economia, aumentando a produção em setores como manufatura, tecnologia da informação e turismo. Setor Financeiro: O setor financeiro turco também se expandiu, com um número crescente de instituições financeiras e uma maior integração com os mercados internacionais. |
Os detalhes sobre indicadores econômicos específicos, como PIB, percentuais de setores econômicos e suas participações, podem variar ao longo do tempo e requerem uma análise econômica mais aprofundada para compreender completamente a evolução econômica da Turquia nas duas eras mencionadas.
Turquia Hoje
A Turquia tem uma área territorial de aproximadamente 783.562 km2, tornando-a um país grande em termos de extensão geográfica. Sua população é de cerca de 84 milhões de habitantes, tornando-a um dos países mais populosos da Europa e do Oriente Médio. O país possui uma população jovem, com uma idade média relativamente baixa. A maioria da população vive em áreas urbanas, com Istambul sendo a cidade mais populosa.
Seu Produto Interno Bruto (PIB): O PIB nominal da Turquia é uma das maiores economias da região. Em 2021, o PIB nominal da Turquia foi de aproximadamente US$ 916 bilhões aparecendo em 19º lugar no planeta, porém PPP (Paridade do Poder de Compra) é a 13ª Nação do planeta com US$ 2.320,641 bi.
Quanto as religiões, a predominante na Turquia é o Islã, com a maioria da população sendo muçulmana. No entanto, o país possui uma história de secularismo, e a liberdade religiosa é garantida pela Constituição.
Já do ponto de vista etnico, a Turquia é etnicamente diversificada, com uma população que inclui turcos étnicos, curdos, árabes, circassianos, azeris e outras minorias étnicas.
Turquia a Europa
A Turquia solicitou oficialmente a adesão à União Europeia em 1987 e iniciou as negociações formais de adesão em 2005. No entanto, essas negociações avançaram muito lentamente devido a uma série de desafios, incluindo questões políticas, preocupações com os direitos humanos e diferenças em várias áreas de políticas.
Houve momentos em que as relações entre a Turquia e a UE foram tensas, com questões como direitos humanos, liberdade de imprensa e questões políticas internas sendo fonte de controvérsia. Além disso, alguns líderes turcos expressaram frustração com a aparente falta de progresso nas negociações de adesão à UE.
Poderio Militar Turco
O poder militar da Turquia é significativo e desempenha um papel fundamental nas questões de segurança e geopolítica na região. Vou comparar o poder militar da Turquia em relação aos seus aliados europeus e outros países do Oriente Médio de maneira geral. É importante ressaltar que as capacidades militares de um país vão além dos números e envolvem fatores como tecnologia, treinamento, estratégia e cooperação internacional.
Membros da OTAN: A Turquia é membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) desde 1952. Isso a torna um aliado estratégico de países europeus e norte-americanos, com acesso a tecnologia militar de ponta e cooperação em questões de segurança.
Forças Armadas Bem Equipadas: A Turquia tem forças armadas bem equipadas, incluindo um grande exército, marinha e força aérea. Ela tem investido em tecnologia militar e na produção de armamentos nacionais.
Participação em Missões da OTAN: A Turquia tem contribuído ativamente em missões da OTAN e é vista como uma peça importante na segurança coletiva do bloco.
Potencial de Projeção de Poder: A Turquia também tem uma capacidade considerável de projeção de poder regional devido à sua localização estratégica, controle do Estreito de Bósforo e uma força militar substancial.
Um dos Maiores Exércitos: A Turquia tem um dos maiores exércitos da região do Oriente Médio. Isso lhe confere um poder militar considerável em comparação com muitos de seus vizinhos.
Indústria de Defesa Desenvolvida: A Turquia investiu em sua indústria de defesa e produz uma variedade de armamentos, incluindo veículos blindados, mísseis e drones. Ela tem se tornado um exportador de armas significativo.
Intervenções Regionais: A Turquia tem participado de intervenções militares em países vizinhos, como na Síria e no Iraque, o que destaca sua capacidade de projetar poder na região.
Disputas Regionais: No entanto, a Turquia também enfrenta desafios regionais, incluindo disputas com outros estados no Oriente Médio, como a questão curda e atritos com a Grécia em relação à soberania em certas áreas marítimas.
É importante lembrar que a avaliação do poder militar de um país não se resume apenas a números de efetivos militares, armamentos e orçamento de defesa. A diplomacia, a política externa, as alianças e a capacidade de resposta a ameaças também são fatores essenciais. A Turquia, como membro da OTAN e com uma força militar substancial, desempenha um papel proeminente tanto na segurança europeia quanto na regional do Oriente Médio.
Turquia e a contestação do Mar Negro
A Turquia desempenha um papel estratégico importante na contenção da Rússia no Mar Negro, principalmente devido à sua localização geográfica e à sua participação na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). A Turquia controla os estreitos de Bósforo e Dardanelos, que conectam o Mar Negro ao Mar Mediterrâneo, e exerce autoridade sobre a passagem de navios de guerra estrangeiros por essas vias navegáveis de acordo com a Convenção de Montreux.
Essa localização estratégica permite à Turquia influenciar o acesso da Rússia ao Mar Mediterrâneo e ao oceano global. Como membro da OTAN, a Turquia é parte de uma aliança militar que visa a defesa mútua e a contenção de ameaças, incluindo potenciais ameaças vindas da Rússia. No entanto, a relação entre a Turquia e a Rússia tem sido complexa e multifacetada.
Por um lado, a Turquia e a Rússia tiveram diferenças e tensões em várias questões, incluindo o conflito na Síria e a situação na Ucrânia, onde a Turquia apoia a integridade territorial da Ucrânia. Além disso, a Rússia e a Turquia têm interesses concorrentes em várias regiões do mundo.
No entanto, por outro lado, as relações econômicas entre a Turquia e a Rússia também desempenham um papel significativo. Os dois países mantêm relações comerciais e econômicas, incluindo a energia, e têm cooperado em questões regionais, como o processo de Astana para a resolução do conflito na Síria.
A área de influência
Alguns argumentam que a política externa de Erdoğan mostra uma abordagem pragmática que busca proteger os interesses da Turquia e alcançar objetivos específicos, muitas vezes adaptando-se às circunstâncias geopolíticas em evolução. Exemplos disso incluem sua cooperação com a Rússia em questões como a Síria, bem como sua busca de relações econômicas mais fortes com uma variedade de parceiros internacionais.
No entanto, críticos de Erdoğan argumentam que suas decisões geopolíticas são frequentemente conduzidas por considerações políticas internas, que podem incluir a consolidação de poder ou a obtenção de apoio político. Esses críticos também apontam para o histórico de polarização política e o enrijecimento do autoritarismo na Turquia sob sua liderança.
A Turquia tem um nível significativo de influência no Cáucaso, embora essa influência possa variar dependendo da região e do contexto específico. O Cáucaso é uma região geograficamente estratégica e historicamente complexa, com diversos atores regionais e globais competindo por influência. Alguns dos principais fatores que contribuem para a influência da Turquia na região incluem:
Etnicidade e laços culturais: A Turquia compartilha laços étnicos e culturais com algumas populações no Cáucaso, em particular com grupos de origem turca ou com línguas e tradições culturais semelhantes. Isso estabelece conexões históricas e culturais que podem ser exploradas para fortalecer os laços políticos e econômicos.
Cooperação econômica: A Turquia busca fortalecer os laços econômicos com os países do Cáucaso, promovendo o comércio, o investimento e a cooperação em áreas como energia. A construção de oleodutos e gasodutos que passam pela região do Cáucaso é um exemplo de como a Turquia busca estabelecer parcerias econômicas na região.
Papel mediador: A Turquia tem desempenhado um papel mediador em conflitos no Cáucaso, como o conflito entre a Armênia e o Azerbaijão sobre Nagorno-Karabakh. Esse papel pode contribuir para a estabilização da região e para o fortalecimento de seus laços políticos.
Política externa ativa: A política externa turca é ativa na região do Cáucaso e busca promover os interesses turcos na área, ao mesmo tempo em que mantém laços com outros atores regionais e globais, como a Rússia e a União Europeia.
A questão curda tem sido um problema de segurança significativo na Turquia por muitas décadas, embora seja importante notar que a segurança é uma questão complexa que não pode ser reduzida a um único elemento. A questão curda envolve uma variedade de dimensões, incluindo questões étnicas, políticas, culturais e de segurança.
Os curdos são a maior minoria étnica na Turquia, e ao longo da história do país, houve tensões e conflitos intermitentes entre o governo turco e grupos curdos que buscam maior autonomia ou independência. O Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), um grupo armado curdo, tem sido uma organização central em muitos desses conflitos e é considerado uma organização terrorista pela Turquia e por muitos outros países.
No entanto, é importante ressaltar que as dinâmicas da questão curda são complexas e evoluíram ao longo do tempo. O governo turco tem se envolvido em esforços tanto militares quanto políticos para lidar com essa questão. Além disso, a questão curda não é o único desafio de segurança que a Turquia enfrenta, e o país também lida com outros problemas, como terrorismo internacional, migração, segurança nas fronteiras e instabilidade regional.
Relações entre Turquia e Israel
As relações entre a Turquia e Israel têm passado por altos e baixos ao longo das últimas décadas, e foram afetadas por várias questões, incluindo conflitos no Oriente Médio, mudanças de liderança e diferenças políticas. Aqui estão alguns dos principais pontos de destaque nas relações entre esses dois países:
Durante as décadas de 1990 e 2000, a Turquia e Israel tiveram relações consideradas amigáveis e cooperaram em várias áreas, incluindo comércio, turismo, cooperação militar e de inteligência. As relações foram especialmente próximas durante os governos liderados pelo Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) na Turquia.
As relações começaram a se deteriorar em meados da década de 2000, em grande parte devido à crescente crítica do governo turco às políticas de Israel, especialmente em relação ao conflito israelense-palestino e ao tratamento dos palestinos. O incidente mais notório foi o ataque israelense à Flotilha da Liberdade em 2010, que levou à morte de cidadãos turcos a bordo de um navio que tentava romper o bloqueio de Gaza.
Em 2016, houve uma reconciliação entre a Turquia e Israel. Os dois países restauraram suas relações diplomáticas e concordaram em normalizar seus laços. Israel emitiu um pedido de desculpas oficial pelo ataque à Flotilha da Liberdade, e a Turquia concordou em não processar individualmente os soldados israelenses envolvidos no incidente.
No entanto, apesar da reconciliação, as tensões continuaram a surgir de tempos em tempos, principalmente devido a divergências políticas regionais e às perspectivas divergentes sobre questões no Oriente Médio, incluindo a questão palestina. A retórica do governo turco em relação a Israel tem variado e, em certos momentos, foi crítica.
Apesar das diferenças políticas, a Turquia e Israel mantiveram uma relação de cooperação pragmática em áreas como comércio, segurança e energia. Ambos os países têm interesses econômicos e estratégicos em manter algum nível de relação estável.
As relações de Recep Tayyip Erdoğan, presidente da Turquia, com a Irmandade Muçulmana são uma parte complexa da política externa da Turquia e têm gerado debates sobre como isso afeta o objetivo de Ankara de ampliar sua influência no mundo islâmico. A relação entre Erdoğan e a Irmandade Muçulmana é influenciada por várias considerações:
O governo turco liderado por Erdoğan, em particular o partido AKP, expressou apoio à Irmandade Muçulmana e a políticos afiliados à Irmandade em vários países árabes, durante e após a chamada “Primavera Árabe”. Essa política foi vista como uma demonstração de solidariedade com grupos islâmicos que ganharam força em meio às mudanças políticas na região.
O apoio à Irmandade Muçulmana não é sem controvérsias. Enquanto a Turquia via a Irmandade como um aliado em sua visão de um governo islâmico moderado na região, muitos países árabes, como Egito e Arábia Saudita, consideram a Irmandade Muçulmana uma organização terrorista ou uma ameaça à estabilidade.
As relações de Erdoğan com a Irmandade Muçulmana podem criar tensões com outros países da região, em particular com os Estados do Golfo, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, que têm posições opostas à Irmandade. Isso pode afetar a capacidade da Turquia de ampliar sua influência no mundo islâmico, especialmente nas partes da região que têm uma visão contrária à Irmandade.
O governo turco busca manter um equilíbrio de poder no Oriente Médio e se envolve em várias questões regionais, como a Síria, a Líbia e o Cáucaso. Suas relações com a Irmandade Muçulmana fazem parte dessa estratégia, mas podem complicar sua diplomacia em relação a outros atores regionais e globais.
Desafios Geopolíticos
A Turquia enfrenta diversos desafios geopolíticos em suas relações com vários países e regiões.
Aqui estão alguns dos principais desafios geopolíticos da Turquia em relação às nações e regiões mencionadas:
União Europeia (UE): A relação entre a Turquia e a UE tem sido desafiada por questões como a candidatura da Turquia à adesão à UE, a crise de refugiados e preocupações com direitos humanos. A negociação da adesão da Turquia à UE está em um impasse.
Irã: A Turquia compartilha uma longa fronteira com o Irã e busca equilibrar relações comerciais e políticas complexas com o país vizinho, enquanto também lida com questões regionais, como o conflito na Síria.
China: A Turquia busca expandir suas relações econômicas com a China, mas também precisa lidar com preocupações sobre direitos humanos e questões étnicas relacionadas à minoria uigur.
Rússia: A Turquia mantém relações desafiadoras com a Rússia, particularmente no contexto do conflito na Síria e da compra de sistemas de defesa aérea russos S-400, o que gerou tensões com a OTAN.
Líbia e Egito: A Turquia está envolvida em conflitos na Líbia e tem relações tensas com o Egito, devido a diferenças políticas na região do Mediterrâneo Oriental.
Azerbaijão: A Turquia mantém uma relação especial com o Azerbaijão, com laços culturais e étnicos profundos, mas também precisa equilibrar suas relações com a Armênia, com quem tem diferenças históricas.
Afeganistão e Paquistão: A Turquia busca desempenhar um papel construtivo na estabilização do Afeganistão e mantém relações com o Paquistão em questões regionais.
Cazaquistão: A Turquia busca fortalecer suas relações econômicas com nações da Ásia Central, incluindo o Cazaquistão, mas também enfrenta concorrência de outras potências regionais, como a Rússia e a China.
Os desafios geopolíticos da Turquia são multifacetados e complexos, e sua política externa busca equilibrar interesses divergentes em uma região de grande importância estratégica. A capacidade de gerenciar esses desafios de maneira eficaz desempenha um papel crucial na política externa turca.
Conflito Israel-Palestina: A questão palestina é um ponto de tensão crucial na relação Turquia-Israel. A Turquia tem sido vocal em seu apoio aos palestinos, condenando ações de Israel na Cisjordânia e Gaza. Isso gerou tensões entre os dois países, especialmente durante conflitos em Gaza.
Em 2018, a Turquia e Israel expulsaram os embaixadores um do outro, marcando um período de relações tensas. Embora as relações tenham se normalizado desde então, a questão palestina continua sendo uma fonte potencial de atrito.
Além das preocupações políticas, questões religiosas também desempenharam um papel nas tensões entre a Turquia e Israel. Jerusalém, em particular, é uma cidade sagrada tanto para muçulmanos quanto para judeus, e as políticas em torno do acesso a locais religiosos têm sido uma área de conflito.
A Turquia e Israel têm interesses regionais que, por vezes, entram em conflito. Isso inclui a rivalidade turca com estados como Egito e Arábia Saudita, que têm laços mais estreitos com Israel. Além disso, as nações possuem diferenças em relação a questões militares, incluindo armas e sistemas de defesa. O relacionamento entre a Turquia e a OTAN, aliada de Israel, também desempenha um papel nas tensões.
Embora a Turquia e Israel tenham cooperado em certas áreas, como comércio e inteligência, as divergências políticas e regionais têm apresentado desafios à manutenção de uma relação estável. A gestão das tensões relacionadas à questão palestina continua sendo um dos principais desafios geopolíticos nas relações Turquia-Israel.
Considerações Finais
A Turquia, sob a liderança do Presidente Recep Tayyip Erdogan, passou por uma transformação significativa em termos de sua política interna e sua posição geopolítica na arena internacional. Aqui estão algumas conclusões sobre as perspectivas geopolíticas, econômicas e militares da Turquia na era Erdogan:
Erdogan buscou fortalecer o papel da Turquia na política regional e global, adotando uma postura assertiva e autônoma. Isso incluiu a participação em conflitos regionais, como a Síria, o apoio a grupos no Azerbaijão e uma abordagem mais desafiadora em relação às potências ocidentais.
A Turquia tem buscado estabelecer uma presença estratégica no Oriente Médio e no Mediterrâneo Oriental, o que gerou tensões com países vizinhos e membros da União Europeia, como Grécia e Chipre, devido a disputas marítimas e territórios.
O relacionamento com a Rússia e outros atores regionais desempenhou um papel importante nas políticas externas da Turquia, com a cooperação e a competição desempenhando um equilíbrio delicado.
A Turquia experimentou crescimento econômico notável durante grande parte do período de governo de Erdogan, impulsionado por reformas econômicas, investimentos em infraestrutura e o setor de construção civil.
No entanto, a economia turca também enfrentou desafios, incluindo alta inflação, uma lira turca volátil, déficits crescentes e questões de governança econômica. Isso gerou preocupações sobre a sustentabilidade do crescimento.
As Forças Armadas Turcas foram modernizadas e tiveram um papel ativo em questões de segurança, incluindo operações no exterior, como na Síria. A Turquia tem buscado desenvolver capacidades de defesa autônomas e se tornar menos dependente de fornecedores estrangeiros de armas.
Erdogan demonstrou ambições de se posicionar como uma potência regional e global influente, o que trouxe tanto oportunidades quanto desafios. O país enfrenta questões complexas, incluindo tensões com aliados tradicionais, desafios econômicos e questões de segurança. O futuro da Turquia dependerá de como essas dinâmicas serão gerenciadas, tanto em nível interno quanto em suas relações com outros países.
Imagem de Destaque: Edilson Moura Pinto
Referências
– Center for Strategic and International Studies (CSIS). Disponível em: https://www.csis.org/regions/europe/turkey
– Institute for Security and Development Policy (ISDP). Disponível em: https://www.isdp.se/people/gareth-h-jenkins/
– MONIÉ, Frédéric. A Turquia na África subsaariana: um ator emergente na geopolítica regional.Boletim GeoÁfrica, v. 1, n. 1, p. 106-117, 2022. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/bg/article/view/51617
REIS, Lohanna Rodrigues. A Geopolítica da Turquia de Erdoğan: entre o Ocidente e o Oriente.Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022. Disponível em: https://ompv.eceme.eb.mil.br/geopolitica-e-defesa/geopolitica-do-oriente-medio-e-seus-reflexos-para-o-mundo/537-geopolitica-turquia-ocidente-oriente
– SERDAROGLU, Ozan. Turkey and China: an emerging partnership. The Institute for Security and Development Policy, n. 162, 2014. Disponível em: https://isdp.eu/content/uploads/publications/2014-serdaroglu-turkey-and-china-an-emerging-partnership.pdf
– The Carnegie Endowment for International Peace (CEIC). Disponível em: https://carnegieendowment.org/sada/region/1472
– Central Inteligency of America (CIA). Disponível em: https://www.cia.gov/the-world-factbook/countries/turkey-turkiye/
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