André Luís Woloszyn
Introdução
A guerra entre Rússia e Ucrânia é caracterizada pelo uso de tecnologias avançadas combinando armas, equipamentos, inteligência e contrainteligência, em um esforço sem precedentes em conflitos anteriores ao mesmo tempo que um laboratório de testes operacionais e adaptação destas tecnologias em combate. Contudo, como estamos observando nesta guerra, e nas palavras de Keegan, o conhecimento prévio não protege contra o desastre, mesmo os ucranianos com a tecnologia de inteligência da OTAN, no fim das contas, é a força que importa.
Cenário de uma guerra antecipada
Quando se trata de inteligência, em especial, da construção do conhecimento de inteligência, estamos nos referindo a cenários hipotéticos, baseados em fatos e estimativas. Sob este ponto de vista, não está descartada a hipótese de que a guerra da Ucrânia foi planejada muito antes de 2022.
Um exemplo que ratifica esta conjuntura foram as ações psicológicas, de contrainteligência, em todo o território ucraniano intensificadas entre 2014 a 2021 por meio da propaganda massiva no sentido de estigmatizar os russos, aproveitando-se dos ressentimentos históricos entre ambos os países (desde 1929 como a política de Stálin que resultou no Holomodor, em 1941, com o apoio ucraniano aos nazistas na invasão da URSS e mais recentemente, em 2014, a tomada pelos russos dos territórios de Luhansk e Donetsk).
Outro ponto correlato a esta hipótese foi o fato da Ucrania anunciar seu desejo de fazer parte da OTAN, uma ação de propaganda que sabiam que levaria os russos a agir militarmente. A Ucrania não adotaria tais ações estratégicas se não tivesse a promessa antecipada de ser abastecida militarmente, de dados e informações por serviços de inteligência ocidentais e apoiada diplomaticamente pelos EUA e por uma coalizão europeia no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Ademais, a rápida mobilização de efetivos paramilitares como o Exército 2.0, treinados por forças norte-americanas (guardas nacionais) em tão pouco tempo, cerca de três meses, o grande número de mercenários a disposição e a logística necessária para tal mobilização denota a possibilidade de que os ucranianos já estivessem em preparação para um possível conflito.
Uma pergunta recorrente é como os russos não vislumbraram este cenário? A duas hipóteses para este contexto. A primeira, é a subestimação da capacidade militar dos ucranianos em oferecer uma resistência prolongada. A segunda hipótese recai no receio dos chefes das agências de inteligência russas, FBS-5, SVR e GRU em apresentar ao Presidente Vladimir Putin, um cenário que o contradissesse, a exemplo dos generais alemães em relação a Hitler e das lideranças militares soviéticas em relação a Stalin.
Quando os russos resolveram infiltrar agentes de espionagem (HUMINT) facilitada pelas características muito próximas de ambos os povos como idioma, religião e semelhanças físicas em meio ao grande fluxo migratório de uma região à outra, já era tarde. A propaganda de senso patriótico já havia produzido ânimo e moral de resistência incondicional as ações do Presidente Volodymyr Zelensky.
Combates com apoio de tecnologias de inteligência
Uma das ferramentas amplamente utilizadas são as imagens de satélites e de Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT) conhecida como inteligência de imagens (IMINT). É direcionada a monitorar em tempo real o avanço inimigo e medir as potencialidades das tropas russas e ou ucranianas em território ucraniano. Este monitoramento possibilita uma contraofensiva a alvos confirmados, como ataques a comboios, destruição da cadeia logística de suprimentos, especialmente, combustível, reduzindo a capacidade de mobilidade do inimigo, mesmo que momentaneamente.
Outra ferramenta é conhecida como inteligência de fontes humanas (HUMINT) com operações de infiltração de agentes em missões de reconhecimento e localização de instalações sensíveis como bases militares e de apoio logístico, especialmente armamentos e munição, que as imagens não conseguem identificar por estarem protegidas por camuflagem em instalações civis ou subterrâneas.
O monitoramento e a interceptação de mensagens, conhecida como inteligência de sinais (SIGMINT) visa monitorar as comunicações, mesmo que criptografadas, para identificar pontos de concentração de forças, (inclusive comunicações por celulares), previsão de deslocamentos e intensões de ataques futuros.
As novas armas com sistemas de inteligência eletrônica integradas que permitem reconhecimento, identificação e precisão dos alvos, delineamento da trajetória de projétil de artilharia e de aeronaves minimizam o desperdício de recursos em combate. Neste mister, os russos estão tecnologicamente mais atrasados em comparação com as armas da OTAN. Seus tanques não contavam com o emprego de armas ocidentais como o míssil antitanque Javelin, os Himars e o drone Bayraktar TB2.
Propaganda e desinformação
Na atividade de contrainteligência, focada na propaganda e desinformação nos meios de comunicação ocidentais estão sendo ferramentas essenciais para o esforço de guerra ucraniano. As imagens de coluna de tanques russos destruídos, aeronaves abatidas, morte de generais e prisioneiros de guerra fomenta a ideia para a opinião pública internacional de que estão vencendo a guerra ao mesmo tempo em que as imagens de prédios e instalações civis destruídas (escolas e hospitais) e do grande número de refugiados acarreta apoio emocional aos ucranianos e demonização dos russos.
De maneira contrária, os russos não têm conseguido mostrar suas conquistas neste campo, em parte, pela censura dos veículos de imprensa ocidentais aprofundada pela censura de Moscou. A suspensão das comunicações externas dos russos e a censura interna destes, imposta a seus cidadãos, na publicação de matérias críticas as operações de suas forças militares facilitam o descrédito e a manipulação de dados e informações além do sentimento de superdimensionamento dos avanços na zona de operações e minimização de perdas e danos. Provavelmente, nunca saberemos com exatidão, dados e informações reais sobre o número de baixas e feridos e da quantidade de equipamentos destruídos por ambos.
A guerra cibernética
Singer e Friedman afirmam que devemos “nos acostumar com o fato de que mesmo países como a China, com o qual não estamos em guerra, estão em intenso conflito cibernético com o ocidente” (SINGER, FRIEDMAN, 2017, p.140).
Os autores estavam se referindo a invasão de sistemas online do adversário, ação conhecida como ciberespionagem para roubo de patentes e planos militares de natureza secreta ou ataques destinados a paralisação de serviços essenciais.
Nesta conjuntura, podemos incluir a guerra cibernética, com ataques direcionados a negação de serviços essenciais como eletricidade, reservatórios de água que impactam nos atendimentos de saúde além de serviços bancários. Tais ataques, impactam psicologicamente na população reduzindo seu ímpeto de resistência.
A invasão de sistemas militares para neutralizá-los, com o auxílio de hacrecks internacionais é outra estratégia. Em março de 2022, 90% dos ataques registrados em todo o mundo ocorreram naquela região, com imensa supremacia dos russos.
Alguns pontos para discussão
Rússia, China e Coreia do Norte possuem armas hipersônicas (veja visita dos russos recentemente a Coreia do Norte).
Os satélites VHR têm pontos cegos e conseguem detectar imagens claras apenas se maiores de cinco metros o que demonstra a limitação desta tecnologia.
Os ucranianos estão tendo dificuldades em operar sistemas integrados dos tanques utilizados pela OTAN assim como compreender a inteligência combinada a diferentes ferramentas como reconhecimento e trajetória de projéteis.
Há suspeitas de que as táticas utilizadas pelos ucranianos são doutrinariamente da OTAN e não propriamente do exército ucraniano.
A necessidade de conquistas por um lado, e a carência de recursos, por outro, tem sido determinante para algum dos reveses das forças armadas ucranianas. Por exemplo, no episódio da destruição da coluna de tanques ucranianos por apenas um tanque russo em que doutrinariamente não haveria deslocamento sem apoio aéreo ou de artilharia.
Considerações finais
Embora as tecnologias possam contribuir significativamente para obter vantagens em uma guerra, nas palavras de Keegan, “são os soldados no campo de batalha que ganham uma guerra”.
Na minha opinião, a capacidade prolongada dos EUA em enviar armas e equipamentos para a Ucrânia para sustentar sua estratégia de resistência não deve perdurar por muito tempo e já encontra resistência de setores da sociedade estadunidense. Ao mesmo tempo, a resistência de Rússia e Ucrânia deve chegar a um ponto de estrangulamento, pendendo para os russos, com maior volume de recursos, frente ao desgaste ucraniano cujos efetivos estão sendo gradativamente reduzidos e as armas e financiamentos já não são distribuídos no volume de 2022.
A guerra prolongada, possivelmente tenha surpreendido a todos, russos, ucranianos e estadunidenses. E analistas militares defendem que seu término está, em grande medida, nas mãos da diplomacia do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Imagem em Destaque: https://www.seattletimes.com/business/technology/minister-ukraine-aims-to-develop-air-to-air-combat-drones/
Autor: Analista de Assuntos Estratégicos, foi Analista de Inteligência da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE), diplomado em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra (ESG/RJ), autor das obras Guerra nas Sombras e Inteligência Militar, publicadas pelas editoras Contexto e Biblioteca do Exército, respectivamente. Membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB) e Acadêmico da academia de História Militar terrestre do Brasil (AHMTB).
Referências Bibliográficas
RITTER Scott. RUMBLE. A Scott Ritter Investigation: Agent Zelensky – Part 1. https://rumble.com/v2zs3r0-a-scott-ritter-investigation-agent-zelensky-part-1.html. Acesso em: 01.08.2023.
SINGER, P.W: FRIEDMAN, A. Segurança e Guerra cibernética. Tradução Geraldo Alves Portilho Júnior. Rio de Janeiro: Bibliex, 2017.
KEEGAN, John. Inteligência na Guerra: conhecimento do inimigo, de Napoleão à Al Qaeda. Tradução S. Duarte, São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
EUA e OTAN não levaram em conta a capacidade russa de se adaptar a guerra. O ocidente cometeu um erro estratégico, não tem capacidade de produção em larga escala de munições que dará aos russos a vantagem de agir primeiro e com plana eficiência.
A rede de informações e contra-informações russa é histórica e eficaz. Ucranianos serão levados a aceitar cedo ou tarde as condições de russas para o fim do conflito, e não terá nada para pressionar na mesa de negociação.
Pagará caro por defender os interesses da OTAN/EUA, pois nunca foi a ideia de aceitar suas reinvindicações dentro da Aliança, o que eles querem e usar seja quem for, para tentar enfraquecer a Rússia. Parece que já sabemos quem saiu mais forte desse conflito. Não há dúvidas sobre isso no ocidente.