Um balanço das últimas semanas da Guerra na Ucrânia

de

Rodolfo Queiroz Laterza¹ e Ricardo Cabral²

O conflito militar entre Rússia e Ucrânia ultrapassa 10 meses de hostilidades de alta intensidade, sem perspectiva de resolução por vias diplomáticas entre ambos países. A guerra se ampliou em termos geopolítico, tendo em vista o envolvimento militar cada vez maior da OTAN no apoio técnico e logístico à Ucrânia, inclusive com a participação cada vez mais maior de “mercenários” ou “voluntários” estrangeiros (a maioria de países membros da OTAN, outra coincidência) nas frentes de batalha.

Este ensaio tecerá algumas análises sobre as principais operações em andamento na Guerra da Ucrânia:

– no eixo de Svatovo, com as linhas defensivas russas bem consolidadas e os reforços que chegaram em novembro aos poucos, este setor se estabilizou, por outro lado, ocorreu uma redução significativa do potencial de combate das Forças Armadas da Ucrânia (FAU);

– no eixo de Krasny Liman, as forças ucranianas fracassaram em suas tentativas de cortar a estrada de Kupyansk-Kreminna, de formar uma saliência no setor sul a partir de Dibrova e cercar aquele importante assentamento;

No início de outubro as FAU haviam concentrado até 40 mil combatentes, dentre os quais milhares de estrangeiros, principalmente poloneses. Os ataques mal sucedidos, que resultaram em baixas elevadas e perdas de equipamentos, resultaram no esgotamento da iniciativa operacional das FAU nesse setor.

– em Donetsk, mais precisamente nos eixos de Marynkaa as forças russas retornaram a iniciativa, com avanços tangíveis ao sul de Bahmut, Disputable e em Belogorovika. Diante de contínuos ataques da artilharia e da aviação russa, as unidades ucranianas entrincheiradas em Soledar e no perímetro de Bahmut, transformaram estas duas cidades industriais em uma saliência. As baixas somam centenas de ucraniano. Esta operação está atraindo e fixando reforços de unidades de combate de outros setores nesta área. Há um dilema nas FAU em tentar manter o controle de Soledar e Bahmut: se promoverem uma retirada tática para reagrupamento e preservação de forças, irão perigosamente abrir o flanco para uma ofensiva russa a partir de Kramatorsk e Konstantinova; ao manter as linhas de defesa, trazendo brigadas vindas de outros setores do teatro de operações, como Kherson e Zaporizhzhia, prejudicando suas posições defensivas e a possibilidade de novas ofensivas, devido ao alto nível de perdas de combatentes e sistemas de armas, que nessa altura da campanha estão ficando escassos.

Neste contexto, as 93ª e 30ª brigadas mecanizadas das Forças Armadas da Ucrânia perderam quase completamente a sua capacidade de combate , tendo sofrido pesadas perdas na direção de Bahmut (Artyomovsk) e estão a ser retiradas de lá para repor os mobilizados e restaurar a capacidade de combate. As subdivisões da 24ª brigada mecanizada também sofreram perdas significativas, sendo a principal unidade de combate entricheirada nesta cidade industrial.

 Para repor perdas, o comando das Forças Armadas da Ucrânia está transferindo a 128ª brigada de assalto de montanha da direção de Zaporozhye, bem como parte das unidades da 46ª brigada aeromóvel da direção de Kakhovka. A transferência dessas duas brigadas está acontecendo de forma muito apressada e diminui a perspectiva de novas ofensivas em Zaporizhzhia.

O aumento de esforços na direção de Artyomovsk devido à transferência de tropas ucranianas de outras direções atesta as intenções de Kiev de impedir por todos os meios o avanço de  tropas russas e separatistas no Donbass.

– no eixo de Ugledar, as forças russas consolidaram a captura de Pavlivka e estão tentando avançar até a estrada que leva a Marynka. Esta operação permitirá cortar o fluxo logístico ucraniano para esta importante cidade. Na própria Marynka, forças separatistas de Donetsk já estão travando batalhas no centro da cidade;

– Em Zaporizhzhia, diante de fortes ataques russos apoiados por baterias MLRS e aviação tática e da necessidade tática do comando das FAU do TO de reposicionar brigadas para defender Bahmut e Soledar, em nosso entendimento, uma eventual ofensiva das forças ucranianas para tentar tomar Melitopol será adiada ou não ocorrerá. Ademais as forças russas montaram linhas de defesa em profundidade neste setor, aumentaram a implantação de sistemas de armas e de efetivo, embora este ainda seja bem inferior ao implantado pela Ucrânia neste setor do front;

– no eixo de Kherson, há batalhas posicionais e as FAU estão empregando grupos de reconhecimento móvel (ou mobile recognition group, DRG) para tentar tomar partes do istmo de Kinburn. Porém, é improvável que ocorram ofensivas de ambas as forças beligerantes neste setor, pelo menos nas circunstâncias atuais;

https://www.nytimes.com/2022/11/27/world/europe/ukraine-russia-winter-war.html

As forças ucranianas sofreram pesadas perdas de aeronaves de combate (que já eram poucas) nas duas últimas semanas, de radares de defesa aérea, radares TPQ-AN de contra bateria, IFVs, APCs e MLRS. Isso é evidenciado pelo emprego cada vez maior do reconhecimento móvel com emprego de picapes (“technicals”) e redução significativa do emprego barragens de artilharia que foram bastante efetivos em setembro e outubro em todos setores do teatro de operações. A escassez de munições de artilharia de calibre 155 mm em obuses, da OTAN, e de calibre 152 mm, de origem soviética (que integra cerca de 60% do inventário das FAU nesta modalidade de sistemas de armas) criam um cenário adverso para as FAU manterem a iniciativa em alguns setores da frente de combate durante o inverno e primavera.

O fornecimento de novos obuses autopropulsados e MLRS pelo Ocidente e pela Turquia, tal como recentemente noticiados, além do treinamento de novas unidades de combate por países integrantes da OTAN, podem propiciar na primavera alguma retomada da ofensiva pelas FAU. No entanto, até lá as forças russas já terão recebido os 300 mil mobilizados e poderão emprega-los em todo teatro de operações.

Em nosso entendimento, é muito provável que a consciência situacional das forças russas tenha obtido um salto de qualidade, por intermédio da neutralização dos drones em setores do front, ao mesmo tempo que melhora o reconhecimento e subsequente destruição de alvos móveis pelo emprego cada maior de drones kamikaze do tipo LANCET contra radares, obuses e MLRS. Porém há ainda problemas sérios no âmbito das Forças Armadas Russas, dentre as quais citamos:

  • lacunas graves de comunicação entre as forças mobilizadas;
  •  deficiência no abastecimento de uniformes adequados para as unidades de combate, conforme noticiado por canais militares russos;
  • nível qualitativo inferior de C4ISR tal como mencionado no nosso artigo https://historiamilitaremdebate.com.br/a-importancia-dos-sistemas-c4isr-na-guerra-da-ucrania/;
  •  lentidão na tomada de decisão e ainda pouca iniciativa operacional ofensiva, além de uso relativamente limitado das Forças Aerospaciais (Vozdushno-kosmicheskiye sily, VKS) em determinados setores do teatro de operações.
https://aircosmosinternational.com/article/explosions-on-two-russian-strategic-air-bases-new-ukrainian-drone-or-old-tu-141-3389

As FAU provavelmente continuarão empregando drones kamikaze em território russo dentro de uma estratégia de guerra assimétrica a fim de provocar danos materiais, psicológicos e no moral das forças russas, tal como verificou-se com os recentes ataques de drones modificados Tu-141 bem sucedidos em expor lacunas na defesa aérea russa em território profundo.

Um fator que explica o massivo emprego da munição de obus 152mm nas forças russas, é o grande quantitativo de artilharia rebocada e autopropulsada que possuem como legado soviético, posto que são mais de 7500 obuses rebocados e mais de 6500 obuses autopropulsados em seu inventário.  A quantidade de munição armazenada para tais sistemas é colossal, devido à doutrina de manutenção de estoques elevados de armas e munições, um dos legados do exército soviético incorporado pela doutrina militar das Forças Armadas Russas. Ademais, a alegada importação de munição de artilharia nos calibres 122 e 152mm da Coréia do Norte também se explica pelo enorme inventário e capacidade industrial deste país para a produção de granadas desses calibres.

Um dos pontos que chama a atenção dos analistas, principalmente dos russos, é o baixo nível de coordenação, comando e controle por parte do Comando e do Estado-Maior (EM) do TO russo. O Exército russo (Suhoputnye voyska Rossiyskoy Federatsii; SV), as Forças Aeroespaciais (VKS), as milícias de Luhansk,  e Donetsk, as unidades de combate autônomas chechenas e as PMCs (Private Military Company) – sendo a principal o Grupo Vagner – muitas vezes tomam iniciativas em termos operacionais não coordenadas ou com baixo nível de controle pelo comando do TO e/ou sem conhecimento do EM do TO setorizado em Moscou.

https://www.joint-forces.com/tag/spetsnaz

Um outro ponto que gostaríamos de chamar a atenção é sobre a continuidade das operações no inverno. Lembremos que os dois exércitos são experientes e tem equipamentos adaptados para o combate nessa estação climática. A questão é que tipo de operações poderão realizar? Aqui cabe especular sobre um emprego maior de operadores de forças especiais (Spetsnaz) e de DRGs. Além disso, caso o clima esteja favorável,  operações aeromóveis ou operações ofensivas de monta com emprego de tropas blindadas e mecanizadas poderão ser mais intensificadas.

As nuvens baixas favorecem a ocultação dos movimentos de helicópteros (quando voando em baixa altitude), blindados e unidades motorizadas. As operações poderão ter uma alta expectativa de sucesso, desde que sejam rápidas e com grande poder de fogo. Neste contexto, reservar uma Força Tarefa flexível para explorar oportunidades é uma boa estratégia. No entanto, a realização desse tipo de operação exigem sistemas C4ISR especialmente adaptados e tropas bem treinadas e equipadas nesse tipo de clima. Portanto, o período de inverno na guerra da Ucrânia poderá indicar um agravamento e não congelamento das hostilidades em curso.

Imagem de Destaque: https://southfront.org/military-situation-in-ukraine-on-december-12-2022-map-update/

Autores:

¹Delegado de Polícia, Mestre em Segurança Pública, historiador e pesquisador em geopolítica e conflitos militares. Email: rodolfolaterza@gmail.com

² Mestre e Doutor em História Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ, professor-colaborador e do Programa de Pós-Graduação em História Militar Brasileira (PPGHMB – lato sensu), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO e Editor-chefe do site História Militar em Debate e da Revista Brasileira de História Militar. Website: https://historiamilitaremdebate.com.br

Fontes consultadas:

https://news-front.info/

https://www.washingtonpost.com/world/ukraine-russia/

https://worldview.stratfor.com/

Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

1 comentário em “Um balanço das últimas semanas da Guerra na Ucrânia”

  1. Boa tarde Toledo Paraná. Sérgio Luiz zampeze , fiquei pasmo quando assisti o senhor no canal do farinazzo, o quão é seu conhecimento. O senhor precisa criar um meio que este conhecimento seu chegue a novas pessoas. Pena que não chamam o senhor nessas mídias abertas, o senhor iria mudar muitas idéias construídas errada. Agradeço ao senhor, e peço que Deus abençoe sempre sua vida. Obrigado

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