Uma abordagem geopolítica sobre Rússia e a Finlândia

de

Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral

No dia 12 de maio de 2022, a Finlândia rompeu uma tradição de neutralidade e boas relações com a Rússia e solicitou a adesão a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Os finlandeses alegam que os acontecimentos na Ucrânia, que vem desde 2014 com a anexação da Crimeia, apoio a independência de Luhansk e Donetsk, além da invasão russa ao território ucraniano visando se apoderar de parte do território desse país levaram a essa mudança radical na política externa finlandesa, que até então eram de alto nível. Detalhe, a Finlândia era considerada o país “mais russo da Europa”. A adesão à Otan é uma decisão pragmática, provavelmente, devido a alteração do status quo promovido pela Rússia e uma decisão soberana.

Ao se candidatar ao ingresso na Otan, a Finlândia automaticamente, denuncia ao Tratado de Paz (1947), com a antiga União Soviética e ao de 1992, com a Federação Russa, já que o tratado estabelece que “as partes se absterão de ameaçar a força ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política do outro lado, não usarão ou usarão decidir usar o seu território por agressão armada contra o outro”.

Os russos vem a Otan como uma ameaça. O que consideramos que não se trata de uma postura política paranoica ou irracional que vem da Guerra Fria. A Otan tem se mostrado agressiva e intervencionista em várias partes do mundo. O novo Conceito Estratégico, que a ser aprovado na Conferência de Madrid, que será realizada nos dias 29 e 30 de junho de 2022, aprovará a continuidade da expansão geográfica da Aliança dentro e fora do continente europeu (com a instalação de bases militares em outros continentes), a redefinição de seus propósitos (como as intervenções humanitárias, contra agressões ao meio ambiente, na defesa da democracia, no combate ao terrorismo entre outros) e a busca de aliados extra regionais. Atualmente, a Otan não é mais uma aliança defensiva, mas um instrumento de intervenção a serviço dos interesses norte-americanos e, secundariamente, europeus.

Em meu entendimento acredito que a Otan busca conferir uma camada de legitimidade (?!!) às ações político-militares norte-americanas, que Washington não queira se desgastar com intervenções unilaterais ou quando existe a possibilidade de não serem aprovadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Atualmente, exceto o Reino Unido e a França, os membros europeus da Aliança tem uma capacidade de projeção de poder militar muito limitada e são dependentes dos norte-americanos. Após a “operação especial” russa na Ucrânia os europeus se comprometeram a aumentar seus orçamentos militares até 2% do PIB, o que pode tornar a Aliança ainda mais agressiva.

A resposta da Rússia, a intenção da Finlândia de entrar na Otan, foi imediata ameaçando deslocar mais tropas para a fronteira e instalar armas nucleares. É bom lembrar que foi a possibilidade da Ucrânia entrar para a Otan, que levou os russos a invadirem o país centro-europeu.

Rússia e Finlândia tem um fronteira comum de cerca de 1.340 km. Os finlandeses aderiram a União Europeia em 1994, e mantinham boas relações com a Otan, enviavam contingentes para realizarem exercícios em conjunto, participavam de reuniões etc. Esta participação finlandesa na Aliança era observada com muita desconfiança pelos russos. De forma realista Helsinque, considera a Rússia como uma ameaça estratégica e durante muito tempo procurou, também de forma realista, cooperar coma União Soviética e depois com a Rússia, mitigando desconfianças e intensificando a cooperação econômica.

A Finlândia, tem uma população de cerca de 5,6 milhões, cerca de 1/3 da população é de reservistas, tem um exército de 38 mil homens e 14 mil de forças paramilitares. O exército finlandês conta com equipamentos como 200 blindados Leopard 2A4 e 2A6, mais de 200 blindados de transporte de infantaria, 100 carros de artilharia blindada autopropulsada, 60 lançadores de foguetes, mais de 120 obuseiros de 155 mm, 28 Sistemas de Mísseis antiaéreos entre outros. A Marinha finlandesa possui 4 corvetas, 8 pequenos navios lançadores de mísseis, 5 navios lançadores de minas, 13 varredores e possui um número desconhecido de sistemas de mísseis antinavio. Atualmente a Força Aérea possui 55 caças F/A-18 Super Hornet, recentemente, Helsinque comprou 60 caças F-35, dos Estados Unidos. Forças Armadas pequenas, mas bem equipadas, apesar de gastar apenas 1.3 % do PIB. Em 2022, Helsinque se comprometeu a aumentar gradativamente o orçamento militar para um pouco mais de 1,8%, em um prazo de 5 anos.

As relações entre a Finlândia e a Rússia, nem sempre foram amistosas. A Finlândia fez parte do Império Russo e conquistou sua independência em 1917. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Finlândia e a União soviética travaram duas guerras e os finlandeses perderam ambas. A primeira foi a Guerra de Inverno (30/11/1939 a 13/3/1940) e a 2ª Guerra de Inverno ou Guerra da Continuação (25/6/1941 a 19/9/1944). Nesta, a Finlândia assinou Pacto Tripartite e aderiu ao Pacto Anti-Comintern, permitiu a instalação de forças da Wehrmacht, participando da ofensiva contra Leningrado (Operação Barbarossa) e Murmask, e foi considerada pelos Aliados como beligerante, uma aliada do Eixo.

A pergunta é como os russos irão reagir. No momento, os russos estão bastante ocupados na Ucrânia. Moscou deve empenhar mais recursos militares, já que os ucranianos, reforçados pela Otan, estão reagindo. De imediato, a possibilidade maior, é o deslocamento de plataformas móveis de mísseis nucleares de médio alcance, reforçar as defesas de Kaliningrado e a presença da Frota do Báltico, especialmente, Baltiysk (base aeronaval existente no oblast de Kaliningrado), e único porto europeu russo onde o mar não congela no inverno. Os russos tem estacionado no Oblast, uma divisão de fuzileiros navais, uma divisão blindada, uma brigada de artilharia auto-propulsada, uma brigada de infantaria leve, submarinos (convencionais), corvetas lança mísseis, caças Su-27, Su-30, helicópteros de ataque, sistemas de mísseis K-300P, SS-26, S-300P, S-400, Pantsir-S1 entre outras forças e equipamentos.

A consequência direta da entrada da Finlândia na Otan é o aumento dos efetivos militares na região e da tensão com os russos, que provavelmente se mostraram mais agressivos. Entre as ameaças que Helsique pode levar à Rússia, é o bloqueio da base naval de Kronstadt, do Porto de São Petesburgo e da saída do Golfo da Finlândia e ameaçar o território russo ao longo da fronteira. A partir da declaração de várias autoridades russas é praticamente certo que Moscou vai instalar sistemas de armas nucleares no Báltico. Além disso, com certeza teremos repercussões no Ártico, pois a Lapônia finlandesa ameaça diretamente a cidade portuária russa de Murmansk, como aconteceu durante a Guerra da Continuação.

Imagem de Destaque: https://www.timemaps.com/history/scandinavia-2005ad/

Sites consultados

https://www.poder360.com.br/europa-em-guerra/finlandia-na-otan-e-definitivamente-ameaca-a-russia-diz-kremlin/

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https://br.sputniknews.com/20220512/mre-russia-tera-que-tomar-medidas-contra-ameaca-de-adesao-da-finlandia-e-suecia-a-otan-22620680.html

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https://gazetabrasil.com.br/mundo/russia-ucrania/2022/05/12/russia-anuncia-que-vai-tomar-medidas-de-retaliacao-apos-finlandia-anunciar-apoio-a-entrada-na-otan/

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https://revistaesmeril.com.br/europa-russia-faz-ameaca-nuclear-se-paises-nordicos-aderirem-a-otan/

https://www.poder360.com.br/opiniao/otan-decidiu-avancar-depois-de-ter-perdido-funcao-inicial/

https://www.globalfirepower.com/country-military-strength-detail.php?country_id=finland

https://www.noticiasaominuto.com/mundo/1970245/finlandia-vai-aumentar-o-orcamento-de-defesa-em-40-ate-2026

https://puolustusvoimat.fi/en/-/1950813/suomi-osallistuu-cold-response-2020-harjoitukseen-pohjois-norjassa

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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