Uma análise crítica dos Grupos Táticos de Batalhão do Exército Russo

de

Rodolfo Queiroz Laterza e Ricardo Pereira Cabral

1. Introdução

O Battalion Tactical Group (BTG) não é uma novidade no pensamento militar russo. Durante a Guerra Civil Russa (1917–1923), os soviéticos criaram grupos de ataque, destacamentos avançados, unidades de retaguarda, guardas avançados e outros tipos de unidades móveis compostas por cavalaria hipomóvelo, destacamentos de metralhadoras montados em carroças puxadas por cavalos, artilharia puxada por cavalos, tanques ou carros blindados ocasionais. O conceito geral da estrutura organizacional e operacional estava em uma série de elementos: velocidade, manobra, concentração de fogos e tropas, além da interação das diversas unidades para alcançar um poder de combate combinado maior do que as partes componentes.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os soviéticos lutaram com unidades separadas de infantaria, blindados e artilharia que apenas ocasionalmente lutavam como unidades de armas combinadas, geralmente eram integradas pouco antes da batalha e a coordenação era regular. Os soviéticos, sempre que possível, lutavam com a artilharia mais próxima. Os batalhões de infantaria eram dotados de pelotões de morteiro, canhões de tiro direto e fuzis antitanque.

Durante a Guerra Fria, os soviéticos perceberam que as unidades de armas combinadas eram mais eficazes do que as unidades integradas, ou seja, um regimento que era reforçado por elementos blindados, artilharia, engenharia e comunicações pouco antes da luta, muito parecido com as forças-tarefa norte-americanas.

Havia dificuldades para integrá-las em uma unidade de armas combinadas, dificuldades no treinamento, no comando e controle durante os exercícios e operações; além disso, as táticas precisavam ser refinadas e integradas de modo a formar um todo coerente a fim de explorar as potencialidades que aquele tipo de formação poderia oferecer. As unidades em reforço ocuparam suas próprias instalações e só se reuniam no momento da ação. Blindados, veículos de transporte de pessoal e artilharia exigiam diferentes serviços logísticos. Os sistemas de armas, normalmente nucleados em um regimento ou batalhão de infantaria com unidades recebidas em reforço, tinham diferentes alcances e táticas de combate que precisavam ser integradas e coordenadas. Atingir um certo grau de proficiência na integração das unidades em reforço com a unidade “líder” ou “núcleo” era necessário antes de reunir diferentes soldados e equipamentos de cada ramo em exercícios ou combate. O Exército Soviético (como todos os exércitos) treinou especialistas em cada ramo, mas quando fez exercícios de campo, lutou com unidades de armas combinadas. Os resultados nem sempre foram inspiradores. Os comandantes lutaram para integrar suas diversas unidade de armas/ramos singulares (infantaria, blindados, artilharia, engenharia e comunicações). Os analistas soviéticos observaram que as unidades que treinavam juntas de forma regular apresentavam um desempenho melhor.

Com o tempo, as divisões e regimentos soviéticos tornaram-se bastante proficientes no combate de armas combinadas. No entanto, a natureza do campo de batalha estava se transformando. Os modernos sistemas de armas forçaram as unidades a se dispersarem para sobreviver. O campo de batalha era fragmentado, com lacunas entre as unidades, flancos abertos e combate não apenas na linha de frente, mas em todo o campo de batalha. Aliás, o próprio conceito da linha de frente estava em questão. Assim, para os analistas soviéticos, tornou-se óbvio que o batalhão era o principal componente da guerra do presente e do futuro próximo e os batalhões tinham que combater com armas combinadas para vencer. O problema era como combinar os diversas armas/ramos singulares em batalhões e lutar de forma eficaz. Qual era a combinação ideal de blindados, infantaria motorizada/mecanizada, artilharia, engenharia, comunicações, defesa aérea e com outras armas que se fizessem necessários? Como eles poderiam ser treinados simultânea e efetivamente em habilidades de armas combinadas?

Ao longo da Guerra Fria, os soviéticos tentaram diferentes combinações de ramos singular em reforço para criar o Batalhão de Armas Combinadas ideal, ou Grupo Tático de Batalhão. Tinha que ser letal, mas não muito grande, capaz de agir independentemente por um período de dias, ter mobilidade e capaz de lutar de armas combinadas de forma eficaz. Da década de 1960 até o final da década de 1980, o Batalhão de Fuzileiros Motorizados Soviético e o Batalhão de Tanques passaram por várias mudanças na Tabela de Organização e Equipamento (TO&E) para tentar melhorar a letalidade de suas armas combinadas. No mesmo período, realizaram centenas de exercícios utilizando diferentes proporções de MBTs, infantaria motorizada, defesa aérea, engenheiros e forças de apoio ao combate, buscando a solução ideal. Claramente, os soviéticos estavam tentando determinar a estrutura ideal de TO&E, treinamento e emprego de BTGs.

Após o colapso da URSS, o ímpeto para desenvolver o BTG foi fortalecido pela experiência da Rússia durante as campanhas do Afeganistão, da Chechênia, ações contraterroristas e contra-insurgência. Nesse período, os regimentos de manobra do 58º Exército de Armas Combinadas formaram BTGs baseados em batalhões de rifles (infantaria) motorizados reforçados com tanques; artilharia; defesa aérea; reconhecimento; engenharia; defesa química, biológica, radiológica e nuclear; comunicações; manutenção e unidades logísticas. Esses BTGs estavam 100% equipados e tripulados, principalmente com pessoal profissional (contratado) e estavam em um ciclo de prontidão de seis meses até que seu pessoal fosse transferido. Muitas características do BTG de hoje podem ser atribuídas diretamente a esse período.

2. A reforma de 2008

Em 2008, Anatoly Serduykov, Ministro da Defesa da Federação Russa, promoveu uma reforma militar com transformações estruturais nas Forças Armadas da Federação Russas, dentre as quais a mudança organizacional de unidades de combate em grupos táticos de batalhão (BTGs).

O BTG é a principal unidade tática modular do Exército russo. Os BTGs se tornaram a principal unidade de manobra russa, substituindo as estruturas organizacionais baseadas em divisões e corpos de exército outrora existentes e que compunham a espinha dorsal do Exército Vermelho na antiga União Soviética.

http://thrifles.blogspot.com/2022/03/battalion-tactical-group-btg-russian.html

A reforma militar de 2008 enfatizou a economia de pessoal com redução significativa de quadros de oficiais e sargentos na constituição de formações de combate compactas no escalão de batalhão. Este novo tipo de unidade tática é dotada de uma variedade de sistemas de armas que lhe permite manter a superioridade de fogo, mobilidade e controle de área compatível com o escalão de um batalhão. O grupo tático de batalhão passou a ser a principal unidade tática do Exército Russo.

As operações baseadas em BTGs refletem mobilidade e manobrabilidade para conquista rápida dos objetivos, com forte conexão com unidades locais armadas e ações subversivas, como desinformação, guerra psicológica e assassinatos seletivos, por exemplo.

Portanto, em vez de divisões pesadas lentas em prontidão e mobilidade, a reforma de Serduykov priorizou a organização de BTGs e brigadas móveis em condições de pronto emprego. A brigada nesta estrutura organizacional pode ser composta por até dois BTGs. Esta estrutura organizacional passou a ser a principal unidade de manobra do Exército Russo e da Divisão Aerotransportada, alterando a ordem de batalha baseada em divisões que existiam desde a Segunda Guerra Mundial.

Nesta reforma militar, o número de cargos de oficial foi significativamente reduzido, de 350 mil para 150 mil oficiais de todas as patentes. O quadro de aspirantes e alferes foi extinto, sendo apontada está medida como uma das perdas mais significativas para a funcionalidade logística e de apoio ao combate do Exército Russo, pois os alferes não são apenas restritos a atuar em armazéns ou ranchos, mas englobam operadores de atividades essenciais como criptógrafos, operadores de vários sistemas complexos, armeiros e técnicos de variadas esferas de atuação. Neste contexto, vale frisar que eram os subtenentes e sargentos que compunham a espinha dorsal sobre a qual repousava a parte técnica do Exército e da Marinha russos.

Este estudo irá analisar as sérias limitações dessa estrutura organizacional, como por exemplo, a vulnerabilidade crítica da dependência de brigadas e BTGs em guerras prolongadas que exijam ocupação do terreno e controle de área. Na atual conjuntura, verificamos as limitações dessas unidades no teatro de operações da Ucrânia. Tal fato nos levou a questionar o porquê de a Federação Russa no teatro de operações da Ucrânia deter um alto grau de dependência de unidade paramilitares de Donetsk e Luhansk, unidades da Rosgvardyia , Batalhões de Voluntários e companhias militares privadas como a PMC Wagner.

BMP-3
https://www.popularmechanics.com/military/weapons/a39193732/russian-battalion-tactical-groups-explained/

3. Concepção, modo de operação e limitações estruturais dos BTGs russos

Um Grupo Tático do Batalhão Russo é uma unidade de manobra de armas combinadas. O BTG tem uma estrutura modular flexível com base em um batalhão de infantaria mecanizado, de duas a quatro companhias de infantaria reforçadas com defesa aérea, artilharia, engenharia e unidades de apoio logístico. Normalmente, os BTGs tem uma companhia de tanques (em torno de 10 blindados), artilharia de foguetes (cada seção com até três peças) e baterias antiaéreas (cada seção com até três peças). Os BTGs podem receber em reforço outras peças de manobra como por exemplo um Grupo de Reconhecimento, Assalto e Sabotagem (Sabotage Assault Reconnaissance Group, DSRG).

O BTG se mostrou bem sucedido em operações limitadas na Ucrânia durante o conflito de Donbass em 2014-2015, mas falhou várias vezes em batalhas contra as Forças Armadas da Ucrânia na guerra originada em 24/02/2022, apesar de sua superioridade no apoio de artilharia, meios de guerra eletrônica e sistemas de defesa aérea.

Em um BTG russo típico, um batalhão de viaturas de combate de infantaria é composto por 3 companhias de fuzileiros mecanizadas, cada qual com 3 pelotões cada, com um pelotão englobando 30 combatentes. Cada pelotão tem 3 esquadrões, cada esquadrão se move e luta em um veículo de combate de infantaria (dependendo do tipo de brigada de infantaria motorizada, pode ser em um veículo blindado tipo BMD, BTR-82 ou BMP). O batalhão recebe um pelotão de tanques (3 tanques) ou mesmo uma companhia de tanques (composta por 3 pelotões de tanques), uma bateria de morteiros, 1 ou 2 baterias de artilharia de divisões de artilharia de uma brigada (com 2 baterias de obuses autopropulsados ou 1 bateria de artilharia autopropulsada e 1 bateria de sistema múltiplo de lançamento de foguetes MLRS “Grad” ou “Smerch”). Além disso, um BTG russo possui várias unidades de reconhecimento: um pelotão de reconhecimento militar, um pelotão de inteligência eletrônica (RER), um pelotão de guerra eletrônica (EW), um grupamento operador de veículos aéreos não tripulados (UAVs). Resumindo, o BTG é uma pequena porção de uma brigada de infantaria mecanizada com muito poder de fogo. No total, um BTG russo pode ter de 500 a 700 soldados.

Na estrutura divisionária das Forças Armadas da URSS, as divisões eram divididas em unidades regimentos (2 regimentos de infantaria motorizada, 1 regimento de tanques, 1 regimento de artilharia e unidades de reconhecimento de todos os tipos e apoio). Então, ao invés de grupos táticos de batalhão, havia grupos táticos regimentais, que tinham um número efetivo maior e maiores capacidades para apoiar todos os tipos de operações militares, inclusive em estratégias de defesa e controle de territórios.

https://www.thefivecoatconsultinggroup.com/the-coronavirus-crisis/ukraine-context-d60%3fformat=amp

Na reforma militar implantada em 2008 decidiu-se rebaixar as divisões ao nível de brigadas e consequentemente houve uma redução significativa de efetivo.  Isso foi feito com o objetivo de melhorar a prontidão, a mobilidade e as capacidades de combate das formações militares russas.  Os reformadores ficaram tão empolgados com a redução do corpo de oficiais (de 355.000 para 142.000 entre 2008 e 2011), que também fecharam as matrículas em escolas militares nos anos de 2009 a 2012, de modo que em 2013 e 2014, em vez de brigadas de infantaria mecanizadas totalmente prontas para o combate, foram formados BTGs apenas com poucos oficiais e soldados treinados apenas para batalhões reforçados e sem condições operativas para guerras de longa duração e alta intensidade.

A tarefa tática dos BTGs russos é conquistar e controlar um determinado território antes das negociações de paz, a fim de contribuir para a estratégia diplomática. O comandante de um BTG típico derrota o inimigo com os meios disponíveis, quando as condições mais favoráveis se apresentam, sendo o fator tempo limitado, quanto à duração das hostilidades para o êxito da missão.

Tanto os BTGs russos quanto os Equipes de Combate de Brigada de Infantaria (Infantry Brigade Combat Teams, IBCTs, que inclui unidades leves, de assalto aéreo e aerotransportadas) são unidades para guerras de alta intensidade em teatros de operações restritos contra insurgentes ou com um adversário de igual capacidade. Para saber mais sobre As brigadas de Combate Modulares consultem https://historiamilitaremdebate.com.br/as-brigadas-de-combate-modulares-do-exercito-dos-estados-unidos.

Tais unidades são aptas para realizarem operações em cenários de guerra assimétrica, com o inimigo empregando formações não convencionais e com baixa capacidade de mobilização dos recursos produtivos nacionais e da sociedade. Através de um BTG russo ou até mesmo um IBCTs norte-americano, a chamada projeção de força acaba tendo que operar em conjunto com formações armadas locais irregulares ou autônomas, Nesse tipo de TO, há necessidade de se empregar operadores de forças especiais, unidades de inteligência militar e de operações psicológicas para ampliar a eficácia das operações. No caso de um conflito de alta intensidade e em larga escala com um inimigo com capacidades iguais ou superiores, as unidade de manobra baseadas em BTGs não tem capacidade de sustentar posições defensivas a longo prazo ou são insuficientes para o controle de área.

Como é problemático recompletar o pessoal e o equipamento de um BTG padrão em pouco tempo, isso deve ser levado em consideração antes do planejamento operacional de um ataque. Nesse sentido, na guerra da Ucrânia o comando dos grupos táticos de batalhão das Forças Armadas Russas acabaram usando massivamente formações irregulares pró-russas na zona de conflito para poupar seu pessoal e recursos. Uma das missões desempenhadas por esses destacamentos paramilitares locais foi proteger a área de desdobramento de um BTG, fazer reconhecimento e garantir a segurança de área, o que explica o uso de unidades da Rosgvardyia chechena.

Importante frisar que no contexto tático-operacional os veículos blindados russos empregados em ações de BTGs obtiveram vitórias contra as tropas ucranianas e os levaram a situações de impasse, mas raramente as levaram à derrota completa. As Forças Armadas da Ucrânia (FAU) têm um histórico bem-sucedido de confrontos contra os BTGs russos, extraindo importantes lições:

1. Devido às limitações da própria estrutura organizacional da unidade de combate formatada em grupos táticos de batalhão, a insuficiência de soldados de infantaria e o pequeno número de unidades de choque acabam limitando a capacidade dos russos em proteger seus flancos quando empreendem ofensivas.  Outra limitação verificada em diversas operações foi a dificuldade das unidades de artilharia disponíveis cobrir mais de uma direção de ataque ou concentrar o fogo em mais de um grupo de alvos.

2. Os limitados sistemas de comunicação, comando e controle entre os comandantes dos BTGs empenhados tornou necessário concentrar sistemas de reconhecimento, artilharia e guerra eletrônica. Devido ao problema explicado no ponto 1, os fogos de artilharia e UAVs geralmente substituem o ataque de um pelotão/companhia de infantaria mecanizado por tanques dispersos no terreno que são dependentes do apoio de artilharia para realizar seus avanços.  As forças de cobertura e reconhecimento ficam sobrecarregadas, estendendo o dispositivo e permitindo ao adversário contra-ataques a partir de múltiplas direções.

3. O Exército Russo não tem capacidade de recompletar em tempo hábil as perdas dos BTGs, somente com a chegada de reforços de uma outra brigada de infantaria mecanizada no ponto de implantação permanente ou alguma formação de combate aliada, prejudicando a continuidade de operações ofensivas.  Longas distâncias, recursos limitados das brigadas, diferença no treinamento de soldados contratados e conscritos – tudo isso obriga os comandantes de BTG a empenhar todo potencial de combate em ação decisiva contra uma força inimiga de valor igual ou superior – no caso da guerra da Ucrânia, as FAU juntamente com a Guarda Nacional detinham superioridade de efetivo em proporção seis vezes superior.

Embora alguns tipos de armas e equipamentos sejam superiores aos ucranianos (notadamente sistemas de artilharia), um BTG padrão não tem a capacidade de realizar simultaneamente ações de reconhecimento, ataques de artilharia e infantaria ao longo de todo o perímetro operacional que lhe foi atribuído. Vale ressaltar que uma IBCT norte-americana tem capacidades superiores em efetivos e poder de fogo. Além do apoio de fogo orgânico (artilharia autopropulsada), as IBCT contam com apoio de meios aéreos (helicópteros e UAVs) e baterias de mísseis orgânicos das divisões a que estão subordinadas, da aviação (naval e/ou baseada em terra) e de sistema de mísseis baseados em meios navais que lhes permitem atuar de forma descentralizada em várias direções ao mesmo tempo. Essas capacidades estão disponíveis de forma limitada para os BTGs, que na maior parte das operações contam com o apoio das unidades paramilitares locais, da Rosgvardyia chechena ou da PMC Wagner.

Diante das limitações em efetivo e capacidade operacional, conforme acima analisado, uma tática comum para BTGs é atacar de uma zona protegida por aliados a fim de infligir o máximo de dano com o mínimo de perdas, a fim de conquistar terreno e estabelecer o controle de área. Com base nessa realidade, na ofensiva ucraniana de setembro no eixo de Kharkiv, foi perceptível verificar que os assentamentos adjacentes a Balakleya (onde se iniciou a bem sucedida ofensiva ucraniana) eram considerados “grey zones”, sem qualquer controle de unidades russas, postos de observação ou linhas defensivas.

Embora um comandante de um BTG padrão tenha à sua disposição muito apoio de uma brigada de fuzileiros mecanizados e de outros ramos das forças armadas, tal unidade conta apenas com com até quatro companhias de infantaria mecanizada. Esta circunstância aumenta o papel dos aliados na guerra da Ucrânia, constituídos por unidades paramilitares locais, de voluntários russos e mercenários, que estão desdobradas ao longo da linha de contato.

Os aliados pró-russos acabam sendo um elemento que proporciona um certo grau de liberdade de manobra para um BTG, libertando-o da necessidade de proteger suas formações na marcha para o combate. Neste contexto, nas operações ofensivas, um BTG avança por uma zona segura, tem a iniciativa de escolher o local e a hora para atacar ou recuar rapidamente. Quando a oportunidade para a realização de um ataque bem sucedido é identificado, o comandante do BTG, normalmente, engaja o inimigo em uma batalha de armas combinadas.

As operações dos BTG dependem inteiramente do comandante da brigada e/ou do TO e de seu Estado-Maior (EM). É o comandante do batalhão de reforço quem atribui as missões de reconhecimento (terreno e do inimigo), analisa a inteligência recebida e decide sobre a ordem das ações.  A coordenação e controle no terreno a partir do PC (posto de comando) de um BTG são feitos utilizando equipamentos não eletrônicos, comunicações com fio e rádio. Nos PCs de unidades e no QG da brigada, divisão e TO, a movimentação dos mensageiros, o fluxo das comunicações e a concentração de viaturas são perfeitamente observados pelo reconhecimento aéreo (drones, aviões ou satélites), necessitando de cobertura A2/AD e movimentação constante.

Após tomar a decisão de permanecer na defensiva, lutar ou se retirar, os comandantes dos BTGs russos em todos os níveis se depararam muitas vezes no TO da Ucrânia com a falta de sistemas C4ISR que exibam informações atualizadas do terreno em dispositivos móveis com tablets. A largura de banda das redes de comunicação dentro do BTG, para os QGs ou com unidades vizinhas é pequena, o que reduz a possibilidade de informar oportunamente sobre mudanças na situação no campo de batalha e corrigir ordens. A conexão entre um BTG e as unidades paramilitares se mostrou frágil, evoluindo somente com a reestruturação empreendida pelo General Surovikin quando este assumiu o comando das forças russas na Ucrânia. Neste contexto, eram comuns casos de comandantes das unidades paramilitares no leste da Ucrânia ligarem para oficiais do PC de um BTG de telefones celulares e via satélite, canais não criptografados de estações de rádio, não havendo portanto um ato nível de segurança das comunicações.

Assim, a estrutura de comando e controle de um BTG se revelou fraca diante de contra-ataques numerosos e simultâneos, uma vez que os sistemas de comunicação, comando e controle não permitem responder rapidamente a uma mudança rápida da situação tática.

A limitação em efetivo de um BTG russo torna improvável que eles forneçam proteção avançada de uma linha de contato ou cobertura suficiente de flanco e retaguardas. Neste sentido, os BTGs russos que operam na Guerra da Ucrânia foram desdobrados com cerca de 200 soldados de infantaria em 3-4 companhias, o que é menos do que a força normal de uma companhia de rifles (infantaria) mecanizada das Forças Armadas da Federação Russa. De acordo com os regulamentos do exército russo, até 50% da infantaria pode estar envolvida no serviço de guarda e nas tarefas secundárias, o que reduz o número combatentes nas unidades de manobra. O baixo efetivo e a falta de pessoal das unidades de infantaria mecanizada dos BTGs russos reduziram sua eficácia de combate e capacidade operacional. Para os adversários, isso significa que em caso de contato com um BTG, as perdas das forças inimigas serão pequenas.

A falta de infantaria suficiente nos BTGs russos mudou a tática no combate urbano. Os russos preferiram criar bolsões defensivos isolados, infiltrando-se nas áreas povoadas, em vez de ataques em grande escala como fizeram em Grozny (1999). Os comandantes eliminaram essa deficiência envolvendo na manobra da infantaria do BTG destacamentos dos aliados das milícias separatistas ou combatentes do Grupo Wagner em áreas de operações, como viu-se em Soledar e agora em Bakhmut. Constata-se que o comando, coordenação e controle é deficiente, agravada pelo fatos dos aliados terem condutas de combate diferentes das usadas pelas forças regulares.  

Por fim, a logística dos BTGs russos é realizada de forma pontual e remota durante os meses iniciais do conflito. O reabastecimento, manutenção e ressuprimento eram e ainda são realizados em bases logísticas desdobradas de forma permanente, algumas das quais a mais de 500 km do área de operações de alguns BTGs. Diversas classes de suprimento foram estocadas em armazéns do Distrito Militar Oeste, de onde eram embarcadas em comboios que se dirigiam aos BTG em linhas de suprimento por demais estendidas.  Essa situação piorou o fluxo logístico das Forças Armadas Russas, prejudicando muitas vezes a continuidade das operações ofensivas. 

https://warontherocks.com/2021/11/feeding-the-bear-a-closer-look-at-russian-army-logistics/

Considerações finais

A reforma militar de 2008-2010 empreendida pelo então Ministro da Defesa Anatoly Serduykov teve como base a redução do efetivo regular nas forças russas, a mudança das unidades de manobra de divisão para o sistema BTG, visando dar mais mobilidade, pronta resposta, capacidade expedicionária e poder de fogo. No entanto, seu legado mais importante foi a redução do potencial de combate para guerras de alta intensidade.

A nova estrutura organizacional baseada em BTGs se mostrou claramente insuficiente em uma guerra prolongada como estamos observando na Ucrânia. As FAUs já no início do conflito contava com 300 mil soldados regulares, 400 mil reservistas com experiência de combate na região de Donbass e 200 mil da Guarda Nacional (incorporados aqui as formações paramilitares, os Batalhões Nacionalistas).

Neste contexto, uma operação de conquista e manutenção do terreno abrange não apenas expulsar forças adversárias, mas promover limpeza de área, realizar operações de segurança de área, estruturar linhas defensivas, construir postos de observação, promover reconhecimento das áreas adjacentes.

Desta forma, sem efetivo suficiente, guerras de ocupação se tornam insustentáveis perante adversários organizados ou mesmo insurgentes, como se verificou na Guerra Soviética do Afeganistão (1979-1989).

Diante da realidade vigente e perspectiva de duração prolongada da guerra da Ucrânia, o Ministério da Defesa da Federação Russa informou que as Forças Armadas Russas serão reestruturadas, com a reorganização com base na unidade de manobra de divisão.

Com relação ao processo de recrutamento para as Forças Armadas, Moscou decidiu aumentar gradualmente a idade de recrutamento dos cidadãos de 18 para 21 anos e depois até 30 anos.

Os distritos militares de Moscou e São Petersburgo serão recriados, novas divisões (incluindo duas divisões aerotransportadas) e brigadas serão organizadas. O Presidente Putin emitiu ordem para aumentar o efetivo do exército para 1.500.000 de militares, das quais 670.000 serão soldados contratados. As formações de blindados serão estruturadas com sua própria aviação do exército.

O Kremlin decidiu limitar a terceirização da logística, com a recriação das unidades de manutenção. Isso se refere ao fato de que as unidades de manutenção irão funcionar em tempo integral, com os sistemas de controle de alimentos sendo restaurados e todos os acampamentos militares serão equipados com dispositivos de controle dos recursos comunitários.

Além de vencer a guerra na Ucrânia fortemente apoiada pela OTAN, o outro grande desafio russo é fazer uma reestruturação radical das estruturas logísticas e da ordem de batalha no meio de uma guerra. O sucesso da reforma exigirá a mobilização da sociedade, o fortalecimento do complexo industrial-militar, mudanças no planejamento operacional e estratégico, combate à corrupção, a implantação de centros de treinamento qualificados e, principalmente, melhor planejamento do já comprometido orçamento estatal.

Imagem de Destaque: https://rusi.org/explore-our-research/publications/commentary/getting-know-russian-battalion-tactical-group

Fontes consultadas:

https://www.fpri.org/

https://jamestown.org/

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https://rusi.org/explore-our-research/publications/commentary/getting-know-russian-battalion-tactical-group

Not Built for Purpose: The Russian Military’s Ill-Fated Force Design

https://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/research_reports/RRA1200/RRA1233-1/RAND_RRA1233-1.pdf

https://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/research_reports/RR3000/RR3099/RAND_RR3099.pdf

https://www.benning.army.mil/armor/earmor/content/issues/2017/spring/2Fiore17.pdf

 

Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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