Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral
As disputas por territórios a fim de implantar colônias nas Américas e o controle das rotas comerciais nos oceanos Atlântico e no Pacífico entre Inglaterra e Espanha vinham desde o século XVI. A tentativa de invasão da Inglaterra pela Invencível Armada (1588), os diversos ataques de corsários britânicos às possessões espanholas, a instalação de colônias inglesas na América do Norte e no Caribe, a Guerra da Rainha Ana 1702-1713 e a Guerra da Sucessão Espanhola (1701-1714), são apenas alguns exemplos. Devemos levar em consideração os conflitos internos europeus onde as duas potências participavam, normalmente, como rivais e o choque de interesse geopolíticos existente.
O nome da guerra pode parecer um tanto estranho (é ridículo, diga-se de passagem), mas tem uma razão e pretendemos explicar o por que.
Naquele contexto, os britânicos se consideravam prejudicados e resolveram ir à guerra para defender seus interesses. A Grã Bretanha tinha objetivos políticos e econômicos ambiciosos e empenhou amplos recursos militares para atingi-los. A Espanha compreendeu a gravidade da ameaça ao seu Império Colonial nas América e mobilizou tropas, navios, a população local e escolheu comandantes experientes e aguerridos para liderar suas forças. A guerra foi travada no Caribe e nas Américas. Após 1742, com mudanças nas lideranças políticas e nos objetivos geopolíticos e militares, passou a fazer parte de um conflito europeu a Guerra da Sucessão da Áustria (1740-1748).
Antecedentes
O Tratado de Utrecht (1713) que definiu a linha sucessória do trono espanhol. Neste tratado, a Inglaterra conseguiu duas importantes concessões dos espanhóis: a primeira era a autorização para fornecer até 5000 escravos às colônias espanholas nas Américas (Navio de Asiento ou Asiento de Negros) a outra era a permissão para enviar dois navios (Navios de Permiso) para vender 500 toneladas de mercadorias nos portos de Porto Belo (atual Panamá) e Vera Cruz (atual México). Em 1720, a Coroa Britânica distribuiu esses direitos à South Sea Company, pertencente a mercadores de Londres e a própria Coroa. Uma parte significativa do comércio era feita com a própria Espanha, por intermédio do porto de Cádiz, que os reexportava para às Américas. No entanto, a maior parte dos lucros dos britânicos vinha do contrabando que faziam diretamente para os portos coloniais espanhóis.
O comércio regular e o contrabando entre a Grã-Bretanha e a Espanha variavam de acordo com a política europeia. Outro fator que influenciava eram as tensões entre os colonos ingleses e espanhóis na América do Norte, em especial, na recém fundada colônia inglesa da Geórgia e a colônia espanhola da Flórida.
Em 1731, o brigue inglês Rebeca, sob o comando do mestre Robert Jenkins, foi abordado pelo navio patrulha espanhol La Isabela, sob o comando Juan de León Fandiño. Este acusaou Jenkins de contrabando, em seguida, Fandinho cortou a orelha de Jenkins (ou do seu tenente Dorce, varia de acordo com a fonte) e disse “Vá e diga a seu rei que farei o mesmo, se ele se atrever a fazer o mesmo.”. O assunto ficou registrado como mais um incidente, até que em 1738, Jenkins foi chamado a Câmara dos Comuns, relatar o ocorrido. O insulto, juntamento com outras ocorrências foi considerado um insulto e casus belli. O nome da guerra Thomas Carlyle que ao escrever sobre a guerra, em 1708, designou o conflito como a Guerra da Orelha de Jenkis.
A Guerra
Em 20 de julho de 1739, o Almirantado britânico enviou o Almirante Edward Vernon para levar a guerra aos espanhóis nas Índias Ocidentais. O objetivo militar era conquistar e manter quatro portos espanhóis: Vera Cruz (México), Cartagena (Colômbia), Porto Belo (Panamá) e Havana (Cuba). A conquista destes portos daria aos britânicos o controle das linhas de comunicação marítima que ligavam o Caribe a Espanha, além de servirem de bases para o assalto ao interior do Império Espanhol nas Américas. Outra questão era a logística, os britânicos não possuíam estaleiros ou um bom porto no Caribe, sem o qual uma esquadra não poderia ser reparada, reabastecida para permanecer em condições de combate. Neste aspecto, ressaltava a importância da conquista de Havana.
Sir Charles Wagner, 1º Lorde do Almirantado, definiu que Havana deveria ser o primeiro alvo da expedição, mas o governo estava dividido com relação a guerra, com isso a decisão final ficou para o Almirante Edward Vernon que, depois de consultar o Conselho de Guerra reunido na Jamaica, decidiu atacar Cartagena das Índias, mas por que? Vernon, preferia Cartagena como seu objetivo inicial, pois era um bom porto e a barlavento das bases caribenhas existentes da Grã-Bretanha, além disso Vernon achou que Havana estava muito bem defendida para ser o alvo inicial.
Em 22 de outubro de 1739, os britânicos lançaram o seu primeiro ataque ao Porto de La Guaíra (Venezuela). A operação não foi bem-sucedida.
Em 22 de novembro de 1739, Vernon atacou o Porto Bello com seis navios de linha e tropas de linha. Porto Belo caiu em 24 horas e os britânicos ocuparam a cidade por três semanas. Antes de se retirarem, saquearm a cidade, destruíram o porto, as fortificações e armazéns. O sucesso animou os britânicos, já os espanhóis responderam diversificandos os portos de destino, utilizando frotas menores e melhorando as defesas na região. Os britânicos, responderam com ousadia, deram início uma série de operações de maior envergadura direcionadas à alvos mais compensadores.
Entre 13 e 20 de março de 1740, os britânicos atacaram Cartagena das Índias. Realizaram um bombardeio naval seguido de um desembarque de tropas. No entanto, a fortaleza resisitiu bem aos ataques. O almirante espanhol Blas de Lezo havia reforçado as posições defensivas instalando baterias na costa (os canhões foram retirados de alguns navios) e se preparado para caso a esquadra britânica forçasse a entrada do porto e realizasse um desembarque. Diante da forte resistência, Vernon decidiu se retirar, deixando apenas dois navios de linha para manter um bloqueio afastado do porto. A tática usada pelo almirante inglês visava capturar algum navio espanhol que quisesse entrar ou sair do porto.
Entre os dias 22 e 24 de março de 1740, Vernon atacou e destruiu a fortaleza de São Lourenço, em Real Chagres (Panamá). A superioridade naval britânica, permitia a Vernon atacar várias fortificações espanholas, mas não conseguiam controlar o território, nem obtinham um butim de guerra expressivo, o que os deixava frustrados. Em que pese as dificuldades, os espanhóis conseguiram, em várias oportunidades, burlar a vigilância dos navios ingleses e enviar reforços às principais guarnições, tornando a missão dos britânicos ainda mais difícil.
Em 3 de maio de 1740, Vernon realizou um segundo ataque a Cartagena das Índias. Desta vez Blas de Lezo, desdobrou os seus seis navios de linha. Em que pese a superioridade da esquadra britânica, que contava com 13 navios de linha, Vernon não quis arriscar um combate em um trecho do mar que concedia superioridade tática aos espanhóis, além do apoio de fogo da fortaleza.
A guerra não estava limitada as incursões marítimas da Esquadra, mas envolvia também operações na América do Norte. Em meados de 1740, colonos da Geógia (América do Norte) atacaram a cidade fortifiada de Santa Augustine, com o apoio de uma divisão naval, cedida por Esquadra de Vernon. De novo, os planos ingleses de avançarem em terra, nesta caso direção à Flórida foram frustrados com a derrota dos colonos.
Entre 13 de março e 20 de maio de 1741, Vernon lançou um terceiro ataque a Cartagena das Índias. Esta foi a maior ação militar na guerra, envolveu cerca de 186 embarcações (entre navios de linha, fragatas e transportes), 27 mil homens e mais de 2.6 mil peças de artilharia contra cerca de 4 mil homens sob o comando de Blas de Lezo (varia de acordo coma fonte). O desconhecimento da topografia local, as dificuldades logísticas, a rivalidades entre os comandantes de terra e mar, as doenças (a febre amarela principalmente) e a feroz resistência dos espanhóis, obrigaram os britânicos a levantarem o cerco. A notícia da derrota em Cartagena, teve como consequência da queda do primeiro-ministro Robert Walpone, sob a acusação de não empenhado o governo na guerra.
Em 1742, os espanhóis conseguiram enviar reforços, os britânicos responderam enviando outra esquadra, que conseguiu impor um relativo domínio do mar sobre o Caribe, Mas nesta altura dos acontecimentos, os novos governos da Espanha e da Inglaterra, decidiram mudar o enfoque para o Mediterrâneo. Mesmo assim, os combates entre britâncios e espanhóis continuaram ocorrendo na Flórida e na Geórgia (América do Norte) e La Gaira (Venezuela).
Em meados de 1742, a Guerra da Sucessão da Áustria, que inicialmente, era uma guerra entre a Prússia e o Império Habsburgo pela Silésia, se expandiu e levou as principais potências europeias a se envolverem. A aliança entre a Espanha e a França, fez a Grã Bretanha repensar suas prioridades estratégicas, retirando divisões para o Mediterrâneo e repatriando outras para a Inglaterra enfraquecendo a força invasora.
Mesmo assim, os britânicos continuaram atacando várias cidades espanholas do Caribe, com poucas alterações no panorama geopolítico do Atlântico. As forças britânicas, sob o comando do almirante Vernon, lançaram um ataque contra Cuba, ancorando na Baía de Guantánamo com um plano de marchar até Santiago de Cuba e capturar a cidade. Vernon entrou em confronto com o comandante do exército e a expedição retirou-se ao enfrentar uma oposição espanhola mais pesada do que o esperado.
Em outubro de 1742, Vernon voltou à Inglaterra, antes de voltar, em consequência da derrota em Cartagena foi substituído pelo almirante Chaloner Ogle, que assumiu o comando de uma frota enfraquecida e com grande parte da tripulação doente. Menos da metade dos marinheiros estava apta para o serviço.
Em 2 de março de 1743, uma frota menor da Marinha Real liderada pelo Comodoro Charles Knowles atacou La Guaira (Venezuela), controlada pela Companhia Real Guipuzcoana de Caracas, cujos navios davam apoio Marinha espanhola no transporte de tropas, armas, suprimentos e munições da Espanha para suas colônias. A destruição do porto seria um golpe severo tanto para a Companhia, quanto para a Coroa Espanhola. Depois de uma defesa feroz por parte das tropas do governador Gabriel José de Zuloaga, o Comodoro Knowles, tendo sofrido 97 mortos e 308 feridos em três dias, decidiu retirar-se para oeste.
Knowles decidiu então, atacar Porto Cabello. Apesar de suas ordens de encontro em Borburata Keys, a 6,4 km a leste de Porto Cabello, os capitães dos navios de linha destacados Burford, Norwich, Assistance e Otter seguiram para Curaçao. Em 28 de março, ele enviou seus navios menores para um cruzeiro ao largo de Porto Cabello e, assim que seu corpo principal foi completado, voltou ao mar em 31 de março. Em 13 de abril, lançou um último ataque, outra vez sem sucesso, à Porto Cabello, antes de finalmente desviar para Santo Domingo, em 19 de abril.
Em 1744, a França entrou na guerra e ameaçou com um desembarque anfíbio na Inglaterra. Os ingleses respondem tomando Louisbourg (Canadá). No tratado de paz de Aix-La Chapelle (1748) será devolvida, mas os ingleses gostaram de lá…Posteriormente uma série de tratados irão resolver, temporariamente, a disputa, já que a Guerra dos 7 anos está bem ali na frente.
Imagem de Destaque: Bombardeio de Porto Belo
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Bibliografia e site consultados
Existem duas boas obras de referência sobre o tema: o clássico de Herbert William Richmond “The Navy in the War of 1739–48”, de 1920, em três volumes e “The War of Jenkins’Ear: The Forgotten Struggle for North and South America: 1739-1742”, de Robert Gaudi, ambas disponíveis na Amazon.
Sites consultados:
– https://en.wikipedia.org/wiki/War_of_Jenkins%27_Ear
– https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Cartagena_de_Indias
Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.
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