Autor:Prof.Luiz Otavio Santos
Resumo
O presente artigo analisa a trajetória do Uru-Can Brasil, sistema de combate criado no contexto militar brasileiro nos anos 1970 e posteriormente institucionalizado como arte marcial civil. A partir de fontes jornalísticas, registros de associações (CNPJs) e materiais de divulgação produzidos pelos próprios praticantes, busca-se compreender as tensões entre memória, identidade e institucionalização. A pesquisa aponta para um processo de afirmação de identidade nacional no campo das artes marciais, mas também evidencia lacunas documentais e controvérsias historiográficas quanto à origem, eficácia técnica e difusão.
Palavras-chave: Artes marciais brasileiras; Uru-Can; História militar; Identidade nacional; Institucionalização esportiva.
Introdução
O estudo das artes marciais brasileiras frequentemente privilegia manifestações consolidadas como a capoeira e o jiu-jitsu. Menos conhecidas, entretanto, são práticas híbridas surgidas no século XX, muitas delas vinculadas a contextos militares e posteriormente abertas ao público civil. Este artigo examina o caso do Uru-Can Brasil, sistema que reivindica origem no Exército Brasileiro na década de 1970 e que, apesar de sua obscuridade, permanece ativo em núcleos comunitários, associações e federações.
A análise busca problematizar três dimensões: (a) as narrativas de origem militar e de identidade nacional, (b) o processo de institucionalização recente em entidades civis, e (c) as controvérsias historiográficas acerca de sua efetiva difusão e reconhecimento.
A origem militar reivindicada
Segundo narrativas de praticantes e registros de divulgação, o Uru-Can teria sido idealizado em 1972 pelo militar Paulo César da Silva Lopes, na Brigada de Infantaria Paraquedista, na Vila Militar do Rio de Janeiro. O nome, oficializado em 1983, remeteria à junção de duas serpentes brasileiras — urutu e caninana —, simbolizando força e identidade nacional (VICE, 2017).
Institucionalização civil e registros formais
Apesar de afirmar origem nos anos 1970, a formalização jurídica do Uru-Can Brasil é recente. Entre os registros de maior relevância, destacam-se:
– Confederação Brasileira Uru-Can Brasil (CNPJ 36.030.231/0001-95), fundada em 2020 no Rio de Janeiro.
– Federação Uru-Can Brasil (CNPJ 35.100.184/0001-46), registrada em 2019.
– Associação Paulo de Cultura Física e Lutas Uru-Can Brasil Tradicional (CNPJ 53.046.184/0001-97), criada em 2023.
Essas entidades refletem esforços contemporâneos de legitimação institucional e expansão civil, articulando cursos, graduações e eventos.
Características técnicas e simbólicas
Descrito como sistema de defesa pessoal, o Uru-Can combina golpes de percussão, projeções, imobilizações e treinamento com armas brancas, incorporando elementos de judô, jiu-jitsu, karatê, kung fu e taekwondo (TATAME CARIOCA, 2010). O uniforme e os rituais de saudação refletem forte inspiração militar, reforçando disciplina, hierarquia e patriotismo. O simbolismo da serpente é central, funcionando como emblema de brasilidade e agressividade defensiva.
Difusão e presença contemporânea
Atualmente, o Uru-Can é praticado em núcleos comunitários, sobretudo no Rio de Janeiro. Estimativas jornalísticas apontavam cerca de 500 praticantes em 2017 (MONTEDO, 2017). Sua difusão ocorre por redes sociais (Instagram, YouTube, Facebook) e por eventos locais.
Controvérsias e lacunas historiográficas
Algumas tensões marcam a trajetória do Uru-Can:
1. Documentação escassa: faltam registros militares oficiais que comprovem sua aplicação sistemática nos quartéis.
2. Eficácia técnica: não existem estudos acadêmicos ou comparativos que avaliem suas técnicas de forma científica.
3. Dispersão institucional: múltiplas entidades recentes podem gerar fragmentação, dificultando padronização de formação.
4. Narrativas divergentes: diferentes versões sobre datas de fundação e fases de desenvolvimento coexistem, dificultando a reconstrução histórica.
Considerações finais
O Uru-Can Brasil ilustra como narrativas militares, identidade nacional e processos de institucionalização civil podem se articular na criação de novas práticas corporais. Mais do que apenas um sistema de combate, constitui um fenômeno cultural que transita entre memória, mito e institucionalização.
Para a historiografia, representa um campo promissor de investigação: compreender como sistemas marginais de luta constroem legitimidade, como se relacionam com discursos de brasilidade e como se posicionam frente às artes marciais consagradas. Pesquisas futuras poderiam explorar arquivos militares, entrevistas orais com praticantes de primeira geração e estudos etnográficos dos núcleos atuais.
Referências
MONTEDO. Uru-Can: obscura arte marcial criada dentro do Exército Brasileiro. Blog Montedo, 17 mai. 2017. Disponível em: <https://www.montedo.com.br/2017/05/17/uru-can-obscura-arte-marcial-criada/>. Acesso em: 2 out. 2025.
REVISTA VICE. Uru-Can: a obscura arte marcial criada dentro do Exército Brasileiro. Vice, 2017. Disponível em: <https://www.vice.com/pt/article/uru-can-a-obscura-arte-marcial-criada-dentro-do-exercito-brasileiro/>. Acesso em: 2 out. 2025.
TATAME CARIOCA. Lutas: Uru-Can. 2010. Disponível em: <https://www.tatamecarioca.com.br/lutas/u/urucam.php>. Acesso em: 2 out. 2025.
CADASTROEMPRESA. Confederação Brasileira Uru-Can Brasil. 2020. Disponível em: <https://cadastroempresa.com.br/fornecedor/confederacao-brasileira-uru-can-brasil-36030231000195>. Acesso em: 2 out. 2025.
INFORME CADASTRAL. Federação Uru-Can Brasil. 2019. Disponível em: <https://www.informecadastral.com.br/cnpj/federacao-uru-can-brasil-35100184000146>. Acesso em: 2 out. 2025.
CASA DOS DADOS. Associação Paulo de Cultura Física e Lutas Uru-Can Brasil Tradicional. 2023. Disponível em: <https://casadosdados.com.br/solucao/cnpj/associacao-paulo-de-cultura-fisica-e-lutas-uru-can-brasil-tradicional-53046184000197>. Acesso em: 2 out. 2025.