Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral
A “operação especial” russa (na verdade, uma invasão militar) chegou ao 90º dia, as forças russas continuam a avançar sobre o território ucraniano. Até o momento as pesadas sanções impostas a Moscou e o alto nível de apoio de material e de inteligência recebido pelos ucranianos da Otan, tem sido suficientes para, pelo menos, deter o avanço russo. Existe a possibilidade da retomada das negociações diplomáticas entre ucranianos e russos. Mas há revezes, os turcos se retiram da intermediação, afirmando que Kiev não está empenhada nas negociações. A Itália enviou à Moscou uma série de propostas para uma solução diplomática, parece que esqueceram de combinar com os ucranianos, norte-americanos, britânicos, poloneses…
Os europeus afirmaram que já não tem mais equipamentos militares para serem cedidos a Ucrânia, sem se colocarem em risco, no caso de serem atacados. Estados Unidos, Reino Unido e Polônia estão liderando o apoio aos ucranianos, fazendo de tudo um muito, fornecimento de equipamento, de inteligência, de treinamento e até mesmo desdobrando forças especiais e especialistas para orientar e manusear os equipamentos mais sofisticados que enviaram para as Forças Armadas Ucranianas (FAU). Até agora sem sucesso.
Está claro que enquanto os russos não estão empenhando todas as suas forças na Ucrânia, ainda que o nível de comprometimento tenha aumentado ao longo dos meses de abril e maio, as Forças Armadas Ucranianas (FAU) estão começando a chegar perto do seu limite. As perdas em homens e equipamentos tem sido grandes de ambos os lados, em algum momento, provavelmente, um pouco mais à frente, isso impactará o ritmo dos combates.
Apesar da chegada reforços de mercenários (as estimativas falam de que o efetivo está em torno de 15 mil), de novos contingentes das FAU (muitas unidades com apenas 1 mês de treinamento) e de armas pesadas fornecidas pela Otan, os russos continuam avançando na região de Luhansk, e cercaram Lyman, cortando as linhas de suprimento ucranianas no Donbass. A fortaleza de Stavki, norte de Lyman, caiu em poder dos russos. O Grupo de Batalha Bravo lidera todos esses avanços. A situação ucraniana está crítica neste Teatro de Operações.
Desde que o Major-General Alexander Dvornikov assumiu o comando das forças russas (Abril/22), as perdas se reduziram e as ações estão mais coordenadas. Novos equipamentos estão sendo implantados como o blindado Terminator, os carros de combate T-80 e T-90, o canhão laser Peresvet, novos drones Orion, os aviões Su-35 e informações não confirmadas do Su-57 (muito improvável, já que ainda está em desenvolvimento).
Os russos tem usado de forma intensiva as PMCs, principalmente, o Grupo Wagner. Circula na mídia internacional a chegada de contingentes de mercenários sírios e líbios, informação não confirmada e improvável. Há muita especulação quanto ao efetivo dos mercenários empenhados pelos russo, as estimativas giram em torno de 10 a 20 mil homens, dotados helicópteros e blindados de infantaria.
Com Dvornikov, a estratégia russa mudou, agora, as Forças Armadas da Federação Russa, estão usando intensamente o reconhecimento com drones e satélites da área alvo. Em um segundo momento, fazem a concentração de tropas em um determinados ponto da linha de frente. A infantaria e os blindados só avançam, após intensa preparação de artilharia e mísseis, contando com cobertura aérea e apoio de fogo aproximado dos helicópteros Ka-52 Alligator, drones e aviação. Depois de conquistar os objetivos, ou seja, até a linha limite de progressão estabelecida, nova parada para reajuste do dispositivo, recompletamento, ressuprimento e trazer as reservas. Assaltos aeromóveis profundos estão sendo evitados. Os russos também estão usando, de forma mais limitada, os Spetsnaz nas incursões atrás das linhas ucranianas.
Essa mudança de estratégia, segundo os analistas, é a principal causa do aumento das perdas diárias de efetivos pelos ucranianos, que tem sido de 100 homens (perspectiva otimista) até 500 (perspectiva mais pessimista).
A mídia Ocidental tem veiculado notícias que os russo tem usado bombas de fragmentação, termobáricas, minas e armadilhas nas cidades sem os avisos previstos na legislação internacional (os russos acusam os ucranianos das mesmas coisas) e ataque à instalações civis pelos russos. Estes por outro lado acusam os ucranianos de usarem a população civil como escudo, ter instalado lançadores de mísseis, obuses e outros equipamentos militares em escolas, creches, hospitais e outras instalações civis, estarem atacando bairros residenciais em Luhansk e Donetsk. Muito provavelmente, as acusações dos dois lados procedem.
O equipamento ocidental recebido pelos ucranianos demanda tempo de treinamento, no mínimo, 90 dias. Apesar das negativas da Otan, operadores de forças especiais e especialistas “mercenários” estão sendo contratados para utilizar os equipamentos ocidentais mais sofisticados e mesmo os de origem soviética recebido devido à crescente falta de especialistas. A fim de superar essas deficiência as Forças Armadas Ucranianas estão enviando homens para serem treinados na Polônia por oficiais da Otan. Os ucranianos estão intensificando a mobilização e o treinamento de suas forças para enviá-las rapidamente para a região de Donbass.
O baixo nível de treinamento tem afetado o desempenho das FAU, pois ao recuarem o fazem de forma desordenada abandonando muito equipamento. Há relatos que a logística está falhando e o apoio de saúde é no mínimo precário.
Um problema que tende a se agravar em um futuro muito próximo é a distribuição de armas (fuzis, pistolas, Mansup, ATGM e drones) pela FAU, que são feitas sem o controle. Alguns dos lotes entregues pela Otan começaram a aparecer na África e no Oriente Médio, idem para os recursos financeiros. Washington tem cobrado de Kiev mais controle e relatórios do que foi aplicado. Um grande problema para a administração de Zelensky.
Os combates
A manobra russa está ocorrendo em três grandes envolvimentos, como mostrado abaixo.
A direção de Kharkiv permanece inalterada: o contra-ataque ucraniano foi interrompido, os ucranianos controlam a linha Prudyanka-Pytomnik-Rubezhnoye e os combates continuam na área de Liptsy. As FAU não estão conseguindo, até este momento, desenvolver um ataque na margem direita do Donets, provavelmente, por causa das pontes explodidas. Na área de Chuguev e Balakleya – sem alterações. Também não há informações sobre novas tentativas de cruzar o Donets ao sul de Balakleya. Há informações sobre a transferência de unidades das FAU de Kharkov para Lisichansk.
O flanco norte do arco (de Izyum a Popasnaya) – Dolgenkoye foi libertado na área de Izyum, uma ofensiva russa foi lançada em direção ao Vale e Bogorodichny com o objetivo de alcançar Slavyansk e o cerco final das Forças Armadas da Ucrânia em Svyatogorsk. Não há informações atualizadas sobre a situação entre Oskol e Yampol, os combates continuam na área de Aleksandrovka e Novoselovka. Na área de Belogorovka, apesar das perdas, os russos conseguiram se firmar na margem esquerda do Donets.
As informações sobre fortes combates em Severodonetsk, as forças ucranianas teriam enviado mais dois batalhões de defesa territorial. Em Bakhmutka, as batalhas por Orekhovo e Toshkovka continuam. Fortes ataques russos são infligidos nas posições das Forças Armadas da Ucrânia em Zolote e Pilipchatino.
A frente central (de Popasnaya a Marinka) – as batalhas por Kamyshevakha e fogo de artilharia/mísseis na direção de Svetlodar continuam. Na área de Avdeevka, a ofensiva continua em Kamenka, Novokalinovo, Novoselovka Second e Novoselovka para cortar a rodovia Avdeevka-Konstantinovka. Os combates se intensificaram em Marinka e Novomikhailovka.
A captura de Mironovsky permitirá novas tentativas russas de dirigir em direção a Bakhmut. No entanto, é improvável que as forças russas sejam capazes de capturar Bakhmut rapidamente (se for o caso) com base em seu desempenho anterior em terreno urbano.
O flanco sul do arco (do rio Dnieper a Maryinka) – o setor da frente na região de Ugledar tornou-se mais ativo. As lutas acontecem em um segmento entre Pavlovka e Vladimirovka. Não há informações sobre o andamento das batalhas a oeste de Ugledar.
Após a rendição dos combatentes do Batalhão Azov e de mercenários em Mariupol, a divisão chechena, está se reagrupando para se juntar a ofensiva em Luhansk
Na linha de ação Kherson-Nikolaev – a linha de frente permanece praticamente inalterada: o Mar Negro – Aleksandrovka – Maksimovka – Snigirevka – Vysokopolie – o rio Dnieper, com os russos consolidando as posições.
Analistas russos consideram que a demora em concluir a “operação especial” ocorre devido ao baixo efetivo, algo em torno de 120-150 mil homens, e defendem um aumento para 350-450 mil homens. Até o momento o Kremlin só agregou mais um grupo de batalha, o Bravo.
Imagem de Destaque: https://edition.cnn.com/2022/05/18/europe/russia-bloggers-ukraine-criticism-intl-cmd/index.html
Fontes
Карта боевых действий на Украине на сегодня, 14 мая: обстановка на фронтах 14.05.2022
https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2022/05/23/o-que-sao-os-lasers-russos-capazes-de-queimar-drones-e-cegar-satelites.htm
Drones trazem nova era e riscos nos combates armados
https://noticias.r7.com/internacional/cerca-de-20-mil-mercenarios-estao-lutando-pela-russia-na-ucrania-19042022
https://russianpmcs.csis.org/
Military Situation In Eastern Ukraine, Izyum-Severodonetsk On May 24, 2022 (Map Update)
https://www.understandingwar.org/
https://br.sputniknews.com/20220524/90-dia-da-operacao-especial-da-russia-na-ucrania-22770729.html
https://tass.com/?utm_source=google.com&utm_medium=organic&utm_campaign=google.com&utm_referrer=google.com
https://www.aljazeera.com/news/2022/5/23/russia-ukraine-live-news-zelenskyy-would-meet-putin-to-end-war
https://www.bbc.com/
https://www.theguardian.com/international
Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.