Por Rodolfo Queiroz Laterza
1. Introdução
Embora o noticiário internacional tenha diminuído consideravelmente abordagens ifnormáticas sobre a guerra na Ucrânia, diante do protagonismo midiático que envolve o conflito entre Israel e facções palestinas, o conflito russo – ucraniano continua em alta intensidade e sem qualquer perspectiva de resolução diplomática.
Diante da retomada da iniciativa operacional ofensiva pelas forças russas a partir do fracasso tático e estratégico da ofensiva ucraniana deflagrada a partir de 04 de junho, que resultou na degradação progressiva e substancial de sistemas de armas e de unidades de combate, batalhas em diversos eixos tem ocorrido com êxitos pontuais de caráter tático – operacionais às formações russas, como se observa nos setores de Avdeevka, Marinka, Kupyansk e nos flancos de Bakhmut.
Entretanto, uma batalha que se protrai desde junho é aquela que desenvolve no assentamento de Kryink e nos arredores das florestas circundantes, com as forças ucranianas tendo implantado uma precária cabeça de ponte neste local e buscado consolidar posições mediante tentativas de avanços ao sul e a oeste – tentativas estas neutralizadas por ataques massivos de artilharia, drones kamikaze e da aviação tática russa, infligindo uma grande quantidade de perdas às forças ucranianas, as quais acabaram por se ver em um impasse e sem perspectivas de avanços táticos que resultem em ganhos territoriais adicionais.
Este estudo irá analisar a dimensão tática desta batalha em uma perspectiva crítica, enfatizando as características do terreno e o enfoque militar, sem considerações valorativas sobre o mérito político do conflito.
Serão usadas como fontes de pesquisa informações filtradas e coletadas de veículos especializados, canais militares reconhecidos como críveis e detalhes conhecidos pelo próprio autor a partir de testemunhos.
2. Contexto tático e operacional da cabeça de ponte em Kryink
As batalhas das Forças Armadas Russas e dos grupos aerotransportados das Forças Armadas Ucranianas na região de Kherson se prolongam desde janeiro quando formações ucranianas tentaram empreender suas primeiras operações de desembarque à margem esquerda do Rio Dnieper, inicialmente na altura da Ponte Antonovsky, outrora a principal ligação rodoviária entre as margens do respectivo rio até ser destruída em setembro passado mediante contínuos bombardeios ucranianos que visavam comprometer e prejudicar a logística russa em Kherson.
Buscando sondar as defesas russas e empreender operações diversionistas que lograssem a distração das forças russas em relação a outros eixos do perímetro operacional, enquanto promoviam operações de reconhecimento em força ou ataques concentrados em ofensivas, o comando militar ucraniano determinou a realização de sucessivas operações de desembarque mediante uso de lanchas rápidas com capacidade de 6-10 combatentes e botes, inicialmente através de DRGs (unidades de reconhecimento e sabotagem) e posteriormente através de grupos de assalto e até pelotões completos.
Cada operação de desembarque era previamente detectada por drones russos de reconhecimento que forneciam coordenadas de geolocalização para sistemas de artilharia situados à retaguarda (normalmente na distância de 15-30 km do ponto de desembarque das forças ucranianas), os quais eram acionados para ataques sucessivos de saturação que impediam a construção de fortificações e linhas defensivas pelas forças ucranianas, que sofriam baixas sequenciais.
Embora as forças ucranianas tenham concentrado à margem direita do Rio Dnieper significativa quantidade de sistemas de artilharia rebocados e autopropulsados que dificultavam a mobilidade no terreno das forças de infantaria russas destacadas para atacar e desalojar os grupos de assalto ucranianos, o apoio aéreo cerrado da aviação tática russa através de ataques promovidos por caças – bombardeiros Su-34M com bombas convertidas em módulos UPAM FAB- 500/FAB-1500 geraram perdas sérias às unidades ucranianas implantadas à margem direita, impedindo ataques concentrados e contínuos que depreciassem as formações russas através de fogo de contra bateria.
Durante vários meses, portanto, batalhas ferozes ocorreram entre as Forças Armadas Russas e unidades das Forças Armadas Ucranianas na margem esquerda do Dnieper, na região de Kherson. As Forças Armadas Ucranianas, mesmo diante dos ataques de saturação e de barragem de artilharia deflagrados pelos russos, insistiram em manter e expandir a cabeça ponte na área das aldeias de Krynki e dos Campos Cossacos no distrito de Alyoshkinsky. Forças significativas foram envolvidas nas batalhas, com o agrupamento russo Dnpr sendo o responsável pela coordenação tática das formações russas ali estabelecidas.
Tendo em conta a presença de um pequeno número de DRGs ucranianos nas ilhas fluviais do Rio Dnieper, na faixa costeira, o território onde permaneceram localizadas as Forças Armadas Ucranianas é de cerca de 10 km2 no apogeu da expansão da cabeça de ponte pelas Forças Armadas da Ucrânia. Isto incluiu duas aldeias – os campos de Krynki e Cossacos já mencionados e o território florestal adjacente através do qual as tropas ucranianas tentaram se mover. Ressaltamos que o território supostamente capturado estava, na verdade, inicialmente localizado em uma zona cinzenta, ou seja, não ocupada ou controlada por nenhuma força beligerante.
As FAU, apesar de inúmeros e quase diários desembarques não conseguiram avançar nem consolidar o controle da área. As Forças Armadas Russas, como afirmado, usaram maciçamente fogo de artilharia e drones FPV contra a infantaria ucraniana ali implantada (que chegou a ter o número de até duas companhias na área), não conseguindo entretanto destruir completamente as tropas ucranianas devido à sua fragmentação e ao pequeno número de infantes dispersos e abrigados em escombros, ruínas da aldeia, pântanos e matagal. Diante do contexto adverso, apesar de várias tentativas, não foi possível à infantaria ucraniana chegar à reserva Korsunsky, bem como à autoestrada M-14 em direção à Crimeia, tanto a falta de pessoal decorrente de perdas constantes bem como os problemas conceituais associados à operação de desembarque , que não levou em consideração o uso minimamente suficiente de unidades de engenharia e logística adequada de reforço (ainda que provisório) às unidades que se firmavam precariamente na cabeça de ponte.
3. Críticas ao escopo da operação
Em primeiro lugar, taticamente só faz sentido manter qualquer cabeça de ponte apenas se houver um objetivo claramente definido – por exemplo, desenvolver uma ofensiva a partir dela ou prender parte das forças inimigas para bloqueio.
O comando ucraniano, apesar das notícias hiperbólicas na mídia ocidental, não efetivou com os desembarques qualquer operação condizente com um objetivo específico de médio prazo ou mesmo sustentável. Ora tentava expandir a cabeça de ponte a oeste em terreno adverso (alagado, pantanoso, sem corredores de fuga e sem condições de ocultação adequada) , ora tentava promover ataques frontais ao sul, se chocando com densas formações russas abrigadas em terrenos circundantes.
Outro problema verificado, foi a falta de reservas suficientes de tropas bem treinadas para esse tipo de operação, já que o comando militar que organiza uma cabeça de ponte deve ter reservas suficientes para reabastecer e expandir, bem como os meios para entregar essas reservas à cabeça de ponte. Se um maior desenvolvimento for planejado a partir da cabeça de ponte, um grupo apropriado deverá ser preparado e concentrado na área de operação. Num sentido mais amplo, todo o sistema de comando e controle ao qdeve estar pronto para conduzir uma operação de grande escala, incluindo transporte, reconhecimento, logística e apoio de engenharia, entre outros elementos.
O sistema logístico deve ser capaz de fornecer ininterruptamente ao grupo implantado na cabeça de ponte tudo o que for necessário pelo tempo necessário (geralmente longo): alimentos, munições, remédios, água, aquecimento, combustível. O sistema de comando e logística neste tipo de operação também deve ser capaz de evacuar os feridos que se sucedem diante do atrito inevitável. As forças de artilharia e de aviação devem ser alocadas em número suficiente para garantir a movimentação das instalações de travessia ou garantir a segurança da operação de travessias.
Se tais condições não forem cumpridas ou forem parcialmente cumpridas, como no caso do local de concentração das Forças Armadas da Ucrânia em Krynki, o benefício da cabeça de ponte estará ao nível do seu fornecimento e uma vez insuficiente ou inexistente, fadará ao fracasso. Com a ajuda de botes ou lanchas, é possível abastecer um número relativamente pequeno de combatentes, tal como o comando ucraniano o fez, porém tal manobra não é suficiente para operações ofensivas ativas e afeta a eficiência operacional das formações de combate e sua sustentabilidade. Ressalte – se que até canais ucranianos relatam que os fuzileiros navais que atravessam o rio são mortos ao se aproximar da costa.
Ademais, relatos de canais militares russos foram contundentes quanto ao aumento temerário do uso de drones do tipo FPV pelas forças ucranianas. Neste contexto, entendemos que a principal razão para usar FPV seja a redução nas suas capacidades de artilharia diante das perdas sucessivas por fogo de contra bateria russo e ataques aéreos. Para as unidades das FAU que operam na área de Kryink, os drones FPV são quase o único “braço longo”. No entanto, eles têm suas limitações. Por exemplo, utilizá-los da margem esquerda aumenta o risco para operadores treinados, que não são treinados rapidamente e não nos volumes exigidos pelas forças ucranianas
Por sua vez, utilizar os drones kamikaze e do tipo FPV da margem direita do Rio Dnieper aumenta a distância até a linha de contato e, consequentemente, reduz o alcance do voo e a massa da carga útil. Além disso, por causa do rio, é mais difícil organizar um ataque contínuo ou pelo menos regular, razão pela qual o valor de cada voo cai significativamente. Algumas áreas povoadas na margem esquerda do Rio Dnieper estão realmente dentro da área de cobertura do UAV kamikaze. No entanto, eles chegam lá quase no limite do alcance de voo (tanto em termos de carga da bateria quanto de estabilidade do sinal), o que afeta a controlabilidade e dá uma janela muito estreita para o uso de um drone. Simplificando, se o operador de drone não encontrou o alvo imediatamente, não terá tempo de procurar um alvo sobressalente. Além disso, a operação massiva de sistemas de guerra eletrônica pelos russos dificulta o uso de tais drones em larga escala.
É claro que isso não significa que esses UAVs não representem perigo. Esses drones ameaçam os transportes civis e militares, as instalações de comunicações e qualquer equipamento militar, mas não estamos a falar de ter um impacto significativo no avanço das Forças Armadas da Ucrânia neste setor. Ademais, as FAU não têm operadores suficientemente treinados para tais operações.
Neste âmbito, em condições como as atuais (ou seja, sem estabelecer fornecimento ininterrupto em grandes volumes), é impossível um aumento acentuado no tamanho do grupo ucraniano em Kryink, bem como a manutenção de grandes forças ucranianas na cabeça de ponte, tornando -se uma kill zone que apenas deprecia e gera perdas desnecessárias às FAU.
4. Análise conclusiva
Um estudo de tais dos fatos sugere que ou a presença das Forças Armadas Ucranianas nas aldeias de Krynki e nos Campos Cossacos foi uma acção demonstrativa necessária para desviar a atenção de outras frentes, ou a operação de desembarque total foi interrompida eficazmente por ataques das Forças Aeroespaciais Russas e da artilharia russa Neste momento, as capacidades das FAU permitem-lhes operar apenas numa escala limitada, que é o que se observa nas batalha de Krynki.
A Ucrânia, apesar das perdas muito significativas de Brigadas de Fuzileiros, continua a tentar circular ativamente pelas ilhas fluviais do Rio Dnieper e a manter um número mínimo de pessoal na parte da aldeia destruída de Krinky , para propósitos de propaganda e elevação de moral. De vez em quando, as forças ucranianas tentam expandir a cabeça de ponte movendo-se para o leste ou oeste, em áreas arborizadas, sendo severamente bombardeadas e inutilizadas. Da margem direita do Rio Dnieper, esta atividade é apoiada principalmente por drones e sistemas de artilharia, os quais são atacados por caças -bombardeiros russos e por drones kamikaze, impedindo barragens de artilharia contínuas.
UAVs e munições vagantes russos como os sistemas ZALA, “Orlan” e “Lancet” tornaram-se comuns em ataques às formações ucranianas na margem direita (mais atacada frequentemente que a margem esquerda em incidência e escala) do Rio Dnieper. Com tais sistemas, os alvos são regularmente detectados e atingidos, e mesmo que alguma parte dos UAVs usados seja abatida, a superioridade em quantidade/qualidade está claramente do lado das Forças Armadas da Federação Russa.
O pessoal ucraniano para rotação é retirado de duas brigadas de fuzileiros navais e de brigadas de defesa territorial mobilizadas dentre civis com pouco treinamento (uma das brigadas foi recentemente retirada da direção e transferida para a direção Zaporozhye e outra para rotacionar uma das brigadas mecanizadas para Avdeevka). As FAU, apesar das perdas sucessivas, manterão a atividade na área da margem esquerda do Rio Dnieper e na ponte de Antonovsky ao máximo, porque esta é agora uma das poucas áreas restantes onde estão tentando realizar ações ofensivas.
A médio prazo, as forças ucranianas esperam que seja possível expandir a cabeça de ponte, transferir equipamentos para lá e, mais perto da primavera, aumentar o ataque envolvendo mais duas brigadas de fuzileiros navais, que estão sendo formadas nas áreas de retaguarda. Apesar de esta atividade não poder ser subestimada, será extremamente difícil qualquer êxito operacional neste setor.
Como afirmou criticamemte o veículo midiático ucraniano Odessa Dumskaya isso faria diferença se estivéssemos promovendo em outro lugar. Então essas cabeças de ponte distrairiam o inimigo. Mas não, já estamos nos defendendo em outro lugar. Então, por que tudo isso? O comando precisa urgentemente restringir esta operação. Obviamente iriam ligá-lo à ofensiva na região de Zaporozhye, mas já tinha terminado. A este respeito, as tentativas contínuas de lançar os fuzileiros navais para a margem esquerda são algo que vai além do bem e do mal”.
*Imagem de capa:
https://www.theguardian.com/world/2023/dec/09/russia-ukraine-war-at-a-glance-what-we-know-on-day-654
5. Fontes consultadas
https://www.bbc.com/news/world-europe-67565508
https://t.me/s/rybar?before=55019
Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública