A Ilha de Cabrera: A vida dos franceses no primeiro campo de concentração da História

Prof. Esp. Pedro Silva Drummond

Introdução

O nome campo de concentração ficou marcado na história pelos fatos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial. A Alemanha enviou milhares de pessoas para esses locais, mas, antes desses fatos acontecerem, já havia existido diversos campos de concentração. O local desse primeiro campo de concentração no Mundo e como os prisioneiros viviam, é o que se pretende analisar desse artigo.

Quando se analisa campos de concentração, não se pode pensar em um único formato, nem somente relacionar com os existentes na Segunda Guerra Mundial, no livro Prisioneiros da Guerra: os “Súditos do Eixo” nos campos de concentração brasileiros (1942-1945), a autora Priscila Perazzo, cita a visão de Hannah Arendt, sobre o assunto. Arendt, explica que o conceito de Campos de Concentração pode ser dividido em três: “Primeiro, aquele destinado aos grupos condenados ao trabalho forçado, que viviam em relativa liberdade, cujas sentenças são limitadas. Segundo, aqueles campos de concentração em que os homens eram explorados ao máximo em sua força de trabalho, quando o índice de mortalidade é muito alto. Terceiro, aqueles campos de aniquilação ou extermínio nos quais os internos eram sistematicamente exterminados pela fome e pelo abandono.” (PERAZZO, 2009)

O primeiro campo de concentração reconhecidamente como tal, surgiu na Espanha no contexto das Guerras Napoleônicas. Após a coroação de Bonaparte como Imperador da França, tem início no País um período de expansão e conquistas territoriais. Uma das regiões que o Imperador Francês invadiu foi a União Ibérica, local de grandes disputas entre a França e seus adversários portugueses, espanhóis e seus Aliados.

Durante a invasão napoleônica à União Ibérica, Napoleão Bonaparte que tinha um acordo com o Rei da Espanha para dividir Portugal e permitir que as tropas francesas passassem pelo território espanhol, conhecido como o Tratado de Fontainebleau, acabou não respeitando o Tratado e decidindo depor o Rei espanhol do seu trono e consequentemente colocando seu irmão Jose Bonaparte.

No período dos conflitos na Espanha, ocorreu Batalha de Bailén, que ficou marcada, como o conflito que provocou o surgimento dos primeiros prisioneiros de um campo de concentração, na Ilha de Cabrera, após a derrota dos franceses, os militares derrotados, acabaram sendo enviados para o local.

Campo de Concentração na Ilha de Cabrera

Durante as Guerras Napoleônicas na União Ibérica, uma das batalhas ocorridas neste contexto, foi a Batalha de Bailén, no qual, os espanhóis enfrentaram e saíram vitoriosos contra os franceses, no que ficou conhecido como a primeira derrota do exército napoleônico. A Batalha ocorreu no dia 19 de Julho de 1808 e o exército espanhol liderado pelo General Castaños, tinha aproximadamente 27 mil soldados, enquanto os franceses comandados pelo General Dupont tinham 21 mil soldados.

Após três dias de batalha, os franceses que tinham sido derrotados, assinaram as Capitulações de Andújar, consequentemente a Espanha “fez prisioneiros várias dezenas de milhares de soldados napoleônicos. Os franceses ficaram concentrados em Sanlúcar por vários dias, sob a promessa de serem repatriados para a França, até que o governador de Cádiz decidiu não respeitar o acordo e embarcá-los em oito navios com destino às Ilhas Canárias e Baleares. (RODRIGUEZ)

Outros prisioneirosacabaram, em 1809, sendo enviados na Ilha de Cabrera, como relata Emma Rodriguez: “cerca de 9.000 prisioneiros franceses foram abandonados à própria sorte na pequena ilha de Cabrera. A própria ilhota, com apenas 16 km2, constituía uma prisão da qual não havia como escapar; um terreno baldio deserto sem água ou comida para tantas pessoas.” (RODRIGUEZ)

Durante o período que os franceses ficaram na ilha de Cabrera, diversos problemas aconteceram, um deles, ocorreu em relação ao abastecimento, como explica Emma Rodrigues: “O abastecimento de alimentos chegava de Mallorca a cada quatro dias, distribuindo a quantidade mínima de alimentos para sobreviver até o próximo abastecimento. O problema surgiu quando, devido às tempestades no canal que une a ilha de Maiorca e a de Cabrera; o embarque atrasou-se, perfazendo um total de oito dias sem enviar nada para a ilha, dando origem a uma tentativa falhada de apreensão do navio pelos franceses, o que irritou muito os fornecedores, pelo que não quiseram regressar. Dois meses se passaram.” (RODRIGUEZ)

Quanto à vida no local, a situação também era critica: “Nessa época havia situações de verdadeira penúria, muitas mortes por fome. As pessoas precisavam comer…, ingeriam plantas muitas vezes venenosas, portadoras de diversas doenças… Eles ingeriram suas próprias fezes quando faziam. Quando um oficial chegava à ilha com náuseas da viagem, quando vomitava, muitos presos já em situação de morte o ingeriam” (RODRIGUEZ). Casos de Canibalismo também ocorriam, mas eram punidos pelas autoridades espanholas.

Outro fato relevante em relação a difícil situação vivida pelos moradores do local, era a chegada em diversos momentos de mais franceses, como relata I. Viana: “A fome começou a fazer suas primeiras vítimas depois de alguns meses. E quando estes aumentaram, mais prisioneiros foram enviados de outras áreas da Espanha, conforme relatado pelo “Diario de Mallorca ” em janeiro de 1812 para uma nova remessa de 180. Nesse mesmo ano chegou um contingente de 1.200 soldados capturados na guerra.” (https://es.wikipedia.org/wiki/Isla_de_Cabrera)

Conclusão

A ilha de Cabrera acabou se tornando a moradia de muitos militares franceses durante o período do conflito entre franceses e espanhóis, os números de quantas pessoas chegaram a Ilha é incerto, variando de acordo com as fontes analisadas, mas os números são entre 4 e 18 mil franceses.

A situação desses franceses só mudou em 1814, quando a paz entre os dois Países foi assinada. Nos 5 anos que a Ilha serviu de campo de concentração, “apenas cerca de 3.600 pessoas sobreviveram”, (RODRIGUEZ) e conseguiram regressar ao porto de Marselha, primeiro ponto da França que os prisioneiros chegaram.

Após o fim do Campo de Concentração, a ilha estava cheia de ossos e inscrições dos prisioneiros nas rochas. Essas atrocidades provocaram algumas homenagens, uma delas aconteceu alguns depois, como relata César Alcalá: “a inscrição colocada em 1847, numa lápide de granito promovida por iniciativa do Príncipe Joinville, filho de Louis-Philippe, que juntamente com uma centena de caprários reunidos em Paris, na qual as palavras aparecem: “À memória dos franceses de Cabrera”, da qual existe uma réplica desde então na ilha.”” (ALCALÁ)

A memória dos sofrimentos passados pelos prisioneiros nunca foi esquecida, até hoje é lembrada com diversos eventos que relembram os fatos ocorridos na Ilha.

Imagem de Destaque: Imagem da Ilha – https://www.rfi.fr/es/programas/grandes-reportajes-de-rfi/20210504-la-isla-de-cabrera-un-para%C3%ADso-convertido-en-infierno-para-miles-de-soldados-napole%C3%B3nicos

Bibliografia

– RODRIGUEZ, Emma. A História Negra da Ilha de Cabrera. Disponível em: <http://pepoladas.over-blog.es/article-34861946.html>. Acessado em: 11/05/2023.

– ALCALÁ, César. A Ilha de Cabrera, o primeiro campo de concentração da história. Disponível em: <https://www.eldebate.com/historia/20220708/primer-campo-concentracion-historia-estaba-isla-cabrera.html>. Acessado em: 11/05/2023.

– VIANA, I. Cabrera, o túmulo dos prisioneiros franceses: O primeiro campo de concentração da história foi espanhol. Disponível em: <https://www.abc.es/historia/abci-humanidad-horroriza-historia-olvidada-campo-concentracion-espanol-cabrera-201809260141_noticia.html>. Acessado em: 11/05/2023.

– https://www.cope.es/tu-radio/noticias/cabrera-prision-natural-10000-soldados-franceses-derrotados-guerra-independencia-20190805_473678

– https://es.wikipedia.org/wiki/Isla_de_Cabrera

– PERAZZO, Priscila Ferreira. Prisioneiros da Guerra. Os ”Súditos do Eixo” nos campos de concentração brasileiros (1942-1945). 1. ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009. v. 1. 384p.