As PMCs e PSCs Chinesas

de

Prof. Dr. Ricardo Pereira Cabral

Neste artigo vamos discutir a crescente expansão das companhia militares privadas chinesas, também conhecidas pela abreviatura PMC (Private Military Company) e/ou PSC (Private Security Company) que de certa forma acompanham a extensão dos interesses econômicos de Beijing como a Iniciativa do Cinturão e da Nova Rota da Seda.

Mas por que usar PMCs ou PSCs?

Max Maksen, do CSIA, estabeleceu uma distinção entre PMCs e PSCs e por que essas companhia privadas provaram ser ferramentas úteis para os Estados atingirem os seus objetivos no exteriro. Maksen elencou quatro razões principais:

– Negação ao público interno: os mercenários há muito que constituem uma ferramenta útil para contornar ambientes domésticos sensíveis. As PMC e PSC modernas desempenham um papel valioso na gestão de serviços de segurança no exterior e fornecem aos governos uma ferramenta para exercerem algum nível de controle sobre a narrativa pública em torno do seu envolvimento num conflito ou nos desafios de segurança local de outra nação. Os Estados Unidos, a Rússia e a China usam PMC e PSC para obscurecer o seu envolvimento em países e zonas de conflito em todo o mundo. Isto muitas vezes permite que países como a Rússia subestime os dados oficiais sobre a perda de pessoal militar. Da mesma forma, embora o apoio da PMC ou do PSC às operações militares dos EUA em países como o Iraque e a Síria possa ser contabilizado em relatórios específicos ao Congresso, este pessoal não é frequentemente citado publicamente quando o DoD oferece números oficiais de tropas, permitindo às autoridades subestimar a verdadeira natureza do seu envolvimento num determinado conflito.

– Negação para fins geopolíticos: as PMC e as PSC permitem aos governos projetar poder sem comprometer forças militares oficiais. Em algumas situações, isto pode incluir o aumento das tropas existentes com pessoal da PMC. Noutros casos, isto pode incluir a implantação de PMC ou PSC sem que ocorra uma ação oficial do governo. Isto permite aos governos melhorar a segurança local em áreas-chave, treinar forças militares estrangeiras e dar a impressão de que prestam apoio a um governo específico sem utilizar meios oficiais de apoio que possam potencialmente despertar interesse ou protestos internacionais. Por exemplo, o governo russo utiliza PMC como o Grupo Wagner para projetar poder no Médio Oriente e em África, entre outros locais, para apoiar forças militares estrangeiras e não-governamentais sem exigir que a Rússia envie forças militares oficiais, fornecendo um elemento de negação ao Kremlin.

– Contornar as restrições legais: Os governos também utilizam PMCs e PSCs para contornar as restrições legais impostas pelas leis nacionais e internacionais. As PMC e as PSC permitem que os governos evitem a utilização de forças militares em zonas de conflito quando tal destacamento possa violar o direito internacional, como o embargo da ONU às armas e ao apoio à Líbia. Para contornar esta lei, a Rússia enviou conselheiros de uma PMC para a Líbia, incluindo pilotos que realizam operações de apoio aéreo. Da mesma forma, as PMC e as PSC permitem que os governos contornem as restrições internas. Por exemplo, a legislação interna chinesa rege estritamente a forma como o PCC pode utilizar o Exército de Libertação do Povo Chinês (ELP) e grupos paramilitares como a Polícia Armada Popular (PAP). A utilização de PSC dá ao PCC mais liberdade para projetar força no exterior, incluindo o uso de força letal para proteger investimentos estratégicos ao longo da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) e para exfiltrar cidadãos chineses de zonas de conflito. Para além do seu papel nas operações globais de manutenção da paz, o ELP não se desloca tropas para além das suas fronteiras desde o conflito da China com o Vietnã em 1979. Como resultado, as PSC chineses dão a Beijing uma ferramenta para projetar força no exterior, ao mesmo tempo que contornam as suas próprias restrições legais sobre o uso de forças militares. força além de suas fronteiras.

– Redução de custos: as PMC e as PSC também poupam recursos do governo ao projetar poder sem comprometer dispendiosos investimentos militares, de segurança, de aplicação da lei ou diplomáticos. Por exemplo, em zonas de guerra como o Iraque e o Afeganistão, o governo dos EUA utilizou largamente PMCs para subcontratar apoio que foi desde a proteção de pessoal e segurança local até operações de defesa, diplomáticas e de desenvolvimento.Nestes casos, a utilização das PMCs podem ser uma solução rentável. alternativa ao envio de forças militares dos EUA ou à contratação de funcionários em tempo integral para fornecer segurança.

O caso chinês

No caso da expansão das PMC/PSC chinesas está relacionada a crescente deterioração da segurança em vários estados que estão recebendo investimentos chineses. Beijing tem evitado enviar seus militares para a proteção das suas empresas e passaram a utilizar esse expediente muito comum utilizado pelo Ocidente e a Rússia: empenhar suas PMC como um braço militar não oficial na proteção dos interesses políticos e econômicos do Estado.

Emil Avdalini, da The National Interest, afirma que embora as PMCs chinesas tenham surgido na década de 1990, a necessidade de mais empresas tornou-se mais clara a partir dos anos 2000. Isso ocorre porque as ameaças às ambições internacionais da China cresceram em conjunto com o impacto econômico e a influência do país no exterior.

Esses riscos aumentaram quando a China e sua comunidade empresarial expandiram seus interesses para áreas instáveis do globo, como por exemplo no Afeganistão (2004). Essas ameaças só foram amplificadas com o lançamento e disseminação da Iniciativa do Cinturão e Rota da Seda (ou Belt and Road Initiative, BRI), em 2013, quando centenas de milhares de cidadãos chineses foram empregados em projetos no exterior. Seguiu-se uma série de incidentes envolvendo trabalhadores chineses em vários países africanos, no Iraque, no Quirguistão, no Timor Leste e no Paquistão. No geral, esses eventos pareciam sinalizar claramente a necessidade de uma proteção mais eficaz dos bens e cidadãos chineses.

Beijing se viu despreparada para fazer frente a essas ameaças vindas de grupos de interesses diversos (basicamente recursos naturais e de posicionamento geopolítico) e várias matizes (étnicos, tribais, ideológicos, religiosos e rivalidades empresariais, que se confundem com estatais). Havia necessidade de se organizar um setor, que já estava se formando e ainda era muito incipiente em relação aos russos e ocidentais. Em 2019, a fim de elevar o nível técnico-profissional das empresas e funcionários a Frontier Services Group anunciou a criação de uma “base de formação” na província mais ocidental da China, Xinjiang.

Devido aos longos anos de experiência, as empresas militares privadas ocidentais e russas demonstraram uma maior capacidade logística e operacional quando operam em áreas geográficas difíceis e distantes. Além disso, os países onde estas empresas trabalham estão geralmente política e economicamente relacionados com o país de origem de uma PMC. Por exemplo, as empresas russas estão presentes nos estados africanos que desfrutam de laços militares e políticos crescentes com Moscou.

https://www.csis.org/analysis/stealth-industry-quiet-expansion-chinese-private-security-companies

Em nosso entendimento, as PMC/PSC chinesas tem um amplo mercado nos países relacionados com a BRI. Além disso, as PMC chineses são substancialmente mais baratas do que as alternativas ocidentais e até mesmo russas.

Tanto as PMC, quanto as PSC podem prestar serviços a clientes governamentais e não governamentais, e ambas prestam serviços armados e não armados. Uma diferença fundamental, no entanto, especialmente para os PSC chineses, é que os PMC podem ser utilizados para treinar forças militares ou para aumentar as operações de combate, enquanto os PSC são utilizados principalmente para missões não relacionadas com o combate, tais como proteção de pessoal e segurança local. Contudo, devido a natureza do seu trabalho, tanto as PMC, como as PSC podem estar envolvidas em violência como parte de um conflito armado, embora isto possa ocorrer involuntariamente.

A distinção entre PMCs e PSCs é particularmente importante no contexto chinês. A China exerce um controle rigoroso sobre o seu setor de segurança, ditando limites ao âmbito dos serviços militares e de segurança que as suas empresas privadas podem realizar a nível interno e externo. Esta diferença fundamental separa as PMC/PSC chinesas de outras PMC – incluindo as PMC russas, que são conhecidas por terem fornecido apoio direto às operações de combate russas e parceiras. Até o momento não se tem notícia de que empresas privadas chinesas tenham se envolvido no poio direto às operações das forças parceiras. Embora Beijing proiba explicitamente as PMC, legalizou as PSC em 2009. Desde então, as PSC chinesas proliferaram rapidamente, obscurecendo cada vez mais a linha entre os serviços de segurança e os serviços militares

Em 2018, do universo de cerca de 7 mil empresas chinesas atuando no exterior, apenas as vinte maiores PMC/PSC receberam autorização para operar fora das fronteiras chinesas. No caso chines a falta de independência das empresas em relação ao Estado é visível. As fronteiras são confusas e, em muitos casos, não está claro até que ponto Beijing coordena as atividades das PMC/PSC. Há claras indicações quanto à crescente influência e interferência do Estado na orientação do impulso estratégico global por detrás da expansão das PMC no estrangeiro.

Como já citado acima as PMC/PSC chinesas têm uma presença muito mais modesta no exterior, algo em torno de 20 empresas operam no exterior, empregando um cerca de 3.200 funcionários de profissionais de segurança (dados de 2018), mas como já citados as informações não estão disponíveis e existe um véu de sigilo com relação a sua atuação no exterior. Outros estudos citaram números mais elevados, sugerindo que algo entre 30 e 40 unidades de atendimento chinesas operam no exterior, em locais que vão da Ásia Central à África e Oriente Médio. O uso extensivo de PMC/PSC no mercado interno sugere que muito mais recursos podem ser empregados em um contexto internacional, ajudando a China a projetando poder além de suas fronteiras. É também importante notar a distinção entre os PMC/PSC chineses operados de forma independente que recebem financiamento ou contratos do governo chinês, As PSC chineses sob controle direto do governo chinês e o pessoal contratado trabalha diretamente para empresas estatais chinesas.

Segundo outras fontes as PMC/PSC operam em cerca de 40 países, sendo o foco a África, a Ásia Central e Oriente Médio. As empresas tem investido em infraestrutura, centros de treinamento e contratação de mão de obra indicando uma provável expansão no curto prazo. As possibilidades são grandes tendo em vista os investimentos chineses nos países do BRI.

Um ponto interessante é o desdobramento das milícias marítimas chinesas para proteger as frotas pesqueiras e patrulhar o território que a China reivindica como seu no Mar do Sul da China (mas não só, como existem casos relatados da sua presença no Atlântico Sul). Como essa é uma atividade que tem gerando incidentes internacionais e desgaste político, é muito provável que no futuro as PMC/PSC assumam essas tarefas.

Em 2009, o regulamento sobre a administração de serviços de segurança e vigilância promulgado na China afirma que 51% das PSC devem ser propriedade das autoridades chinesas. As PMC/PSC estão cada vez mais a tornar-se parte do Sistema de Inteligência de Segurança Nacional do Cinturão e Rota, através do qual as empresas ajudam a recolher informações vitais e a cooperar com as embaixadas chinesas no terreno, aliás como ocorre na Rússia e no Ocidente (ainda que de modo encoberto).

As relações PMC/PSC-Estado chinês são mais próximas do modelo russo, que tem como premissa a dependência quase total do Estado. As empresas russas também são conhecidas pela falta de responsabilização e obstrução de inquéritos sobre as suas atividades, o que lhes permite operar em situações políticas precárias. Portanto, as empresas chinesas que operam em países pobres de África e da Ásia, com economias destroçadas e elevados níveis de corrupção entre as elites políticas, provavelmente seguirão um caminho de desenvolvimento semelhante.

https://www.merics.org/en/report/guardians-belt-and-road

Para as PMC chinesas, as operações em regiões instáveis podem ser perigosas e também autodestrutivas, como ocorre com as PMCs ligadas a outros países. Um acidente pode levar a consequências terríveis, convidando grupos militares, milícias ou terroristas locais a atacar o pessoal chinês. Uma vez que as empresas chinesas operam onde a insegurança e a corrupção estão na ordem do dia, isso também poderá minar a imagem que a liderança da China se esforça por construir no estrangeiro. As PMC/PSC chinesas armadas contradizem a imagem que o Partido Comunista tenta construir da China, que se abstém de interferir nos assuntos internos de outros países.

Se forem exploradas adequadamente, as áreas instáveis também poderão ser lucrativas. Os PMC chineses podem ajudar a China a impor golpes. Se forem exploradas adequadamente, as áreas instáveis também poderão ser lucrativas. As PMC chinesas podem ajudar a China a impor controle sobre territórios ricos em recursos e infra-estruturas de importância crítica na África, Ásia Central e Oriente Médio. À medida que a China procura novas fontes para o seu crescente apetite energético, o domínio sobre locais tão pequenos mas estratégicos tem uma importância descomunal para Beijing e para a geopolítica regional. Por exemplo, após a retirada dos EUA do Afeganistão, os chineses estão negociando com os talibãs a exploração da riquezas minerais avaliadas por alguns entre 1 e 3 biliões de dólares. As reservas inexploradas de petróleo afegão e as reservas de gás natural de quase 15,7 biliões de pés cúbicos também são atrativas. Com certeza as PMC/PSC desempenharão um papel fundamental se Beijing começar a exploração desses recursos.

https://jamestown.org/program/the-role-of-pscs-in-securing-chinese-interests-in-central-asia-the-current-situation-and-future-prospects/

Componente Geopolítica

As PMC/PSC são também cada vez mais vistas como parte da agenda geopolítica que a China defende para a ordem regional e global. À medida que os Estados Unidos diminuem a sua presença militar na Eurásia, isso abre espaço para a projeção de poder chinesa na região. A expansão da influência chinesa traz riscos a influência ocidental e a russa, pois traz a necessidade da utilização de operações rápidas típicas daquelas realizadas pelas PMCs face à ausência de serviços de segurança adequados fornecidos pelos governos locais.

Por mais que seja uma oportunidade, a utilização de PMC também pode ser causa de tensões geopolíticas com parceiros valiosos. Uma questão há ser discutida é como a Rússia está se acomodando a crescente presença chinesa em sua área de influência na Ásia Central? Até o momento verificamos uma certa divisão de responsabilidades: a Rússia garantiu o espaço militarmente, enquanto a China aumenta constantemente o seu investimento econômico, até quando isso será tão harmônico como o que está correndo em 2023 é difícil saber.

A retirada dos EUA do Afeganistão e um provável aumento da insegurança na Ásia Central (e em Xinjiang) levaram Pequim a procurar formas adicionais de reforçar a sua posição. Na verdade, Beijing já abriu uma base militar no Tajiquistão e aumentou o número de exercícios com países da Ásia Central. Embora seja improvável que Moscou responda militarmente à crescente postura de segurança de Beijing, as tensões entre os dois parceiros poderão aumentar.

https://www.sbmintel.com/2023/04/africa-watch-washington-kind-of-strikes-back/

Em Julho de 2021, Wang Yi, ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, visitou a Ásia Central e sublinhou a intenção deBeijing de fornecer à região formas “tradicionais” e “não tradicionais” de assistência de segurança. Este último poderia muito bem significar a crescente dependência dos PMC/PSC.

Até agora, pelo menos seis PMC chinesas operaram na região, mas agora as circunstâncias são mais propícias do que nunca para reforçar o seu papel, por exemplo: a expulsão de trabalhadores chineses da empresa Full Gold Mining, no Quirguizistão (2020), houve a necessidade urgente de se providências refúgios e segurança para cidadãos e bens chineses.

No entanto, Beijing, até o momento, tem tido o cuidado de não sobrestimar as oportunidades crescentes na Ásia Central e em outras regiões importantes ao longo da Rota da Seda. Uma extensa disseminação de PMC/PSCs pode ser prejudicial aos seus interesses, provocando reações nacionalistas das populações locais e a deterioração geral dos laços com os países anfitriões.

Conclusão

A China considera cada vez mais as PMC/PSCs como uma ferramenta eficaz na competição entre grandes potências com os Estados Unidos, o Ocidente e a Rússia. Dado que é improvável um confronto militar total entre os dois, as guerras por procuração e a utilização de PMC/PSCs provavelmente se tornarão elementos importantes na procura de vantagens no terreno.

Apesar dos problemas que a indústria de segurança enfrenta atualmente, é provável que Beijing aumente a sua dependência das PMC/PSCs. O atual ambiente internacional, com uma situação de segurança global em deterioração e uma BRI em expansão, sublinha a necessidade de proteção dos interesses chineses no exterior. A China tem de cerca de 57 milhões de veteranos (números de 2020), essa massa de mão-de-obra qualificada pode ser arregimentada pelas PMC/PSCs. O emprego das companhias, como um meio auxiliar do Estado chinês,  é um instrumento confiável para Beijing ganhar influência em regiões inseguras distantes, à medida que procura intensificar sua competição com os Estados Unidos.

Imagem de Destaque: Mapa de 2010 – https://afrolegends.com/2010/10/28/chinas-presence-in-africa/

Fontes

https://www.csis.org/analysis/stealth-industry-quiet-expansion-chinese-private-security-companies

https://nationalinterest.org/feature/china-private-military-companies-are-future-195772

https://www.rand.org/blog/2022/03/chinas-security-contractors-have-avoided-the-fate-of.html

China private security companies making a BRI killing

https://www.voanews.com/a/how-chinese-private-security-companies-in-africa-differ-from-russia-s-/7030946.html

https://thediplomat.com/2023/06/will-chinas-private-security-companies-follow-the-wagner-groups-footsteps-in-africa/

https://ndupress.ndu.edu/Media/News/News-Article-View/Article/2217673/chinas-private-military-and-security-companies-chinese-muscle-and-the-reasons-f/

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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