Rodolfo Queiroz Laterza¹ e Ricardo Cabral²
As últimas semanas na Guerra da Ucrânia foram marcadas por um período de preparação das duas forças contendoras. Os russos continuam a reforçar, de maneira ainda muito limitada, as suas forças nas regiões ocupadas na Ucrânia enquanto aguarda a preparação dos reservistas convocados. Já os ucranianos, apesar das perdas humanas e de sistemas de armas nas ofensivas recentes, continuam a concentrar recursos no sul com o objetivo de retomar os territórios ocupados pelos russos à margem direita do Dniper. Dentro desse contexto, a cidade de Kherson é estratégica e, provavelmente, será palco de uma das batalhas mais decisivas dessa guerra e, pela sua relevância estratégica, o tema do ensaio dessa semana.
Contextualização das operações das FAU
Após a bem sucedida ofensiva ucraniana no eixo de Izium e Kharkhiv, com a retomada da quase totalidade da área então ocupada por forças russas em setembro, as Forças Armadas da Ucrânia – FAU, em nosso entendimento estabeleceram como prioridade a retomada das áreas controladas por forças russas na oblast de Kherson, com ataques na linha Mikolayev-Krivoy Rog.
A contra ofensiva ucraniana em Kherson iniciou-se já no final de agosto, a partir do eixo de Andreevsky, com forças ucranianas formando uma saliência até Sukhyi Stavok, cruzando o Rio Inhulets, com formações de blindados compostas, principalmente, por IFV e APC fornecidos por países da OTAN.
Ao longo de setembro, os ataques das formações militares ucranianas retomaram assentamentos da primeira linha de contato, porém com pesadas baixas em pessoal e equipamentos.
Muitos destes ataques inicialmente eram reconhecimento em força, testando as linhas de defesa russas, buscando brechas e com o propósito de atrair as reservas russas. O ataque principal das FAU era no eixo de Izium e Kharkhiv. No entanto, devido ao fato de que o limite avançado da linha de defesa russa era composta por um número de unidade insuficientes para manter suas posições, as FAU ao realizarem estas ações passaram a ocupar o terreno cedido pelos russos aproveitando o êxito.
Entre 23-25 de setembro, as FAU, aproveitando as lacunas existentes nos flancos das linhas de defesa russa, lançaram uma ofensiva à margem esquerda do reservatório de Nova Kakhovka, na direção de Berislav e a sudeste de Krivoy Rog. Os ucranianos conseguiram romper as posições avançadas das linhas de defesa das forças russas (que mantinham fortificações com no máximo 20 combatentes por km) e recapturaram em torno de 960 km2 de terreno. As forças da Federação Russa se reagruparam em uma nova linha de defesa, conseguindo desde então estabilizar este setor da frente de Kherson, mesmo diante das recentes investidas das FAU.
Os preparativos das FAU para uma nova ofensiva
Segundo os sites Rybar e Newsfront, além de relatórios de correspondentes militares presentes em campo, a situação está tensa na área de Beryslav, no front de Kherson.
As FAU procuram romper a defesa russa na direção de Beryslav, flanqueando e ameaçando cercar todo o agrupamento russo nas proximidades de Kherson.
Em análise dos combates recentes, na manhã de 15 de outubro, as FAU com dois grupos de batalhões táticos (BTGs) da 60ª Brigada de Infantaria e da 17ª Brigada de Tanques, apoiados por elementos do 140º Regimento de Operações Especiais, lançaram um ataque às posições russas de Nova Kamyanka, que terminou em fracasso. Nesta ofensiva malsucedida as forças ucranianas perderam quase duas dúzias de veículos blindados YPR-765, BMP-2 e tanques T-64BV. A 60ª Brigada de Infantaria teria sofrido perdas de até 70 combatentes, ao passo que o 140º regimento das Forças Especiais, cujas unidades estavam realizando patrulhas de reconhecimento em força, também sofreu pesadas perdas.
Lembramos que esses BTGs são organizados de forma muito semelhante aos congêneres russos (como na imagem acima), mas cada vez mais com equipamento e doutrina de emprego da OTAN.
No início da manhã de 19 de outubro, as FAU lançaram um novo ataque às posições das formações de combate russas perto de Sukhanove e Polyanka, por intermédio de grupos de assalto do 18° Grupamento de Montanha e da 60ª Brigada de Infantaria, reforçados pelas reservas da 28ª Brigada Mecanizada e da 17ª Brigada de Tanques.
Os russo responderam ao ataque das FAU com fogos da artilharia autopropulsada e MLRS, obrigando as formações ucranianas a recuar para suas posições iniciais, tendo perdido seis tanques e várias dezenas de combatentes.
No setor Posad-Pokrovsky da frente de Kherson, o comando de 59ª brigada de infantaria Motorizada e 28ª Brigada de Infantaria Mecanizada estão se preparando para atacar as posições russas. A preparação está sendo realizada pela artilharia 155 mm. Um centro de logística foi desdobrado nas localidades de Lyubomirovka e Limany. Em Novogrigovka e Kirovo foram instalados seções de radares de contra-bateria AN / TPQ-50 para identificarem as posições de artilharia russas.
Na noite de 19 de outubro, as FAU mais uma vez tentaram invadir as formações defensivas russas perto de Pravdino. A força de ataque era constituída de um grupo blindado composto por 3 veículos de combate de infantaria e destacamentos de reconhecimento (DRGs). No entanto, o ataque foi repelido por soldados russos do 56º Regimento de Assalto Aéreo, que destruíram dois veículos blindados com sistemas antitanque (ATGM).
No setor Andreevsko-Berislavsky , as FAU estão restaurando a capacidade de combate das unidades após ataques mal sucedidos.
Nesse contexto, o Estado-Maior da 17ª Brigada de Tanques se reuniu em Ukrainka para planejar novas ações na direção de Kherson. Imediatamente depois disso, a 1ª e a 3ª companhia de um dos batalhões foram enviadas para Chervonoe e Novogrigorovka e o restante das unidades foram transferidas para a área de Novaya Kamenka.
Devido à alta atividade da aviação russa no front de Kherson, o sistema de defesa aérea Osa do 39º Regimento de Mísseis Antiaéreos das FAU foi implantado em Zolotoy Balka e ao norte de Dudchan, além de equipes dotadas de MANPADS FIM-92 Stinger foram implantadas em Davydov Brod .
Nesse contexto, as tripulações de UAV ucranianos, como o Bayraktar TB2, estão reconhecendo as posições das Forças Armadas de RF na área de Zamozhny, Sukhanovo, Chervony Yar, Pyatikhatki e Aleksandrovka. Drones de reconhecimento ucranianos modelos Leleka-100 e Fúria estão operando ativamente na região de Aleksandrovsky.
Para completar o reagrupamento para nova ofensiva, a 60ª Brigada de Infantaria foi recompletada com 22 unidades de equipamento militar com pessoal, munição e combustível chegaram à área de Chervonoy.
No setor de Mykolaiv, as FAU continuam a transferir forças e equipamentos para assentamentos próximos à linha de contato. A fim de proteger esses hubs logísticos, as FAU implantaram dois sistemas de mísseis antiaéreos Osa nas proximidades de Luparevo e Limanov.
Blindados de artilharia autopropulsada, como o M-109A5, estão atacando posições russas em Ternovye Pody , Pravdino e Aleksandrovka com suporte de reconhecimento e direção de tiro a partir de UAV.
No setor Snigirevsky , o 105º batalhão da 63ª brigada mecanizada do corpo de reserva das FAU está bombardeando posições russas ao longo da linha de contato com emprego de morteiros de 82 mm a partir de posições em Kvitnev e Kiselevka (este assentamento de grande importância tática foi retomado no final de setembro pelas forças ucranianas).
Segundo dados relatados pelo Newsfront, durante as batalhas de do dia 20/10, as brigadas ucranianas tiveram cerca de 90 baixas, entre mortos e feridos.
O comando da 17ª Brigada de Tanques retirou dois grupos de assalto e os veículos blindados sobreviventes do ataque a Novaya Kamenka para Ukrainka para recompletamento com reservistas recém chegados.
Ao mesmo tempo, as formações ucranianas continuam a se preparar para, provavelmente, uma nova ofensiva na linha Sukhanovo – Polyanka. Nas proximidades de Novogrigorovka foi implantada uma companhia combinada da 60ª e da 17ª Brigada.
Além disso, 70 soldados das 128 brigadas de assalto de montanhas separadas das FAU chegaram a Novovoskresenskoye. Os reforços, possivelmente, farão parte da iminente ofensiva no setor de Berislav.
Considerações finais
Em toda a direção Mykolaiv-Kryvyi Rih, as Forças Armadas da FR estão entrincheiradas e aprofundando as linhas de defesa, o que aumenta as chances de deter novos ataques das FAU. No entanto, as FAU apesar das perdas, aparentemente, ainda detém a superioridade numérica (em torno de 60-100.000 combatentes contra aproximadamente 30.000 russos) e estão se preparando para uma grande ofensiva contra Kherson (para saber mais leia https://historiamilitaremdebate.com.br/uma-analise-sobre-o-baixo-efetivo-das-unidades-de-combate-russas-na-guerra-da-ucrania/) . Provavelmente as FAU tem como objetivo tomar toda a margem direita do Rio Dnieper, degradando a capacidade das forças russas de avançar sobre Mikolayev e Krivoy Rog, objetivos militares iniciais da Rússia.
As FAU tem empregado uma rede de drones de reconhecimento ao longo do perímetro operacional de Mikolayev-Krivoy Rog e efetuam barragem de fogo de artilharia e MLRS sobre as linhas de defesa russas simultaneamente com ataques das brigadas mecanizadas.
Nestas condições, as autoridades russas da região de Kherson decidiram organizar a evacuação dos moradores para a margem esquerda do rio Dnipro, diante da iminência de uma ofensiva ucraniana naquela localidade.
Apesar das pesadas perdas, o comando das FAU não abandona suas tentativas de invadir Novaya Kakhovka e flanquear todo o agrupamento russo perto de Kherson. É por isso que as formações ucranianas estão correndo para Berislav, onde os russos continuam a deter os ataques das FAU e manter a linha de defesa após a perda de assentamentos no eixo respectivo.
A Ucrânia reuniu grandes forças para esta seção da frente – a 128ª Brigada de Montanha, 17ª Brigada de Tanques, 60ª Brigada de Infantaria e 28ª Brigada Mecanizada, bem como grupos móveis do 140º Regimento, os quais têm dezenas de milhares de soldados e centenas de veículos blindados fornecidos por países da OTAN (para saber mais leia https://historiamilitaremdebate.com.br/a-ofensiva-ucraniana-em-kherson/) .
Do lado russo, unidades aerotransportadas russas, incluindo a 83ª Brigada de Assalto Aerotransportada de Guardas Separada, a 126ª Brigada de Defesa Costeira e outras unidades das Forças Armadas Russas estão desdobradas nas linha de defesa, apoiadas por sistemas de artilharia, ATGM, MLRS e aviação tática (principalmente caças Su-25SM2 e helicópteros de ataque Ka-52).
Os combates na região de Kherson têm grades chances de se tornarem os mais sangrentos desde o início da operação militar russa na Ucrânia, tendo em vista a região ser considerada de alta importância estratégica para a Federação Russa na operação militar especial na Ucrânia.
Imagem de Destaque: https://twitter.com/TheStudyofWar/status/1583626480935845890/photo/2
Autor:
¹ Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública
² Mestre e Doutor em História Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ, professor-colaborador e do Programa de Pós-Graduação em História Militar Brasileira (PPGHMB – lato sensu), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO e Editor-chefe do site História Militar em Debate e da Revista Brasileira de História Militar. Website: https://historiamilitaremdebate.com.br
Fontes consultadas:
https://www.theguardian.com/world/series/ukraine-live
https://t.me/s/rybar
https://www.dw.com/pt-br/autoridades-russas-ordenam-retirada-de-civis-em-kherson/a-63526995
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