Ataque a fragata USS ‘Stark’ no Golfo Pérsico

de

Alexandre Galante

No dia 17 de maio de 1987, a fragata USS Stark, classe Oliver Hazard Perry (OHP), da Marinha dos EUA, foi atingida por dois mísseis Exocet AM39 lançados por uma aeronave iraquiana, durante a Guerra Irã-Iraque (1980-1988).

O ditador iraquiano Saddam Hussein (1937-2006) tinha ordenado a invasão do país vizinho esperando tirar vantagem da desorganização no Irã pós-revolucionário para tomar rapidamente território de Shatt al-Arab rico em petróleo perto da fronteira Irã-Iraque.

A Guerra Irã-Iraque foi predominantemente um confronto terrestre e aéreo, mas a partir de 1984, a luta chegou ao Golfo Pérsico. Na parte marítima da guerra, chamada de Guerra dos Petroleiros (Tanker Wars), os ataques eram realizados, por ambos os lados, contra navios-tanque e outros navios mercantes. O objetivo mútuo era dificultar o tráfego comercial, principalmente, os carregamentos de petróleo do inimigo. Cada lado proclamou zonas de exclusão em áreas do Golfo perto de suas costas, onde apenas navios amigos poderiam trafegar. Estima-se que de 1984 a 1986, o Iraque atacou 152 navios e o Irã atacou 77.

Entre o final de abril e início de maio de 1987, os militares dos EUA começaram um planejamento para a operação de escolta de petroleiros, a pedido do Kuwait, conhecida como Operação Earnest Will.

No dia 17 de maio, poucas horas antes do ataque ao USS Stark, houve dois ataques aéreos iraquianos contra petroleiros iranianos e o Marechal Chuikov, um petroleiro soviético fretado pelo Kuwait, atingiu uma mina no norte do Golfo.

USS Stark

Do lado americano, o jato iraquiano foi acompanhado todo o tempo desde a decolagem pelo radar de um E-3 AWACS que estava operando na área e que passava informações para os navios americanos no local.

A USS Stark recebeu em seu console de defesa aérea no CIC (Centro de Informações de Combate), pelo sistema NTDS (Naval Tactical Data System), o contato de jato americano identificado como amigo.

Se fosse preciso abrir fogo contra esse contato, seria necessário antes alterar manualmente o status de amigo para inimigo.

A aeronave iraquiana foi interrogada por rádio pela USS Stark nas frequências internacionais padrão, mas não obteve resposta, enquanto ela se aproximava do navio.

Centro de informações de combate (CIC) de uma fragata classe OHP

Para o comandante e oficiais da USS Stark, seu navio estava fora da zona de exclusão marítima e, portanto, não seria atacado por um avião aliado.

Quando se percebeu que o avião iraquiano iluminou e travou seu radar na fragata, tentou-se em vão lançar foguetes despistadores de chaff e colocar o sistema antimíssil (CIWS) Vulcan Phalanx no modo automático, mas já era tarde.

Às 18h10, a USS Stark foi atingida a bombordo no costado, na seção 100, à altura da segunda coberta, por um míssil que não detonou. Depois de 25 segundos um segundo míssil atingiu o navio no mesmo local, explodindo no alojamento da tripulação.

Para o piloto iraquiano, a fragata americana parecia um petroleiro do inimigo navegando dentro da zona de exclusão marítima imposta pelo Iraque. Baseado nas informações que obteve pelo radar e pelo sistema de navegação inercial da aeronave, o piloto iraquiano lançou seus mísseis a 22 milhas da fragata USS Stark.

Os impactos dos mísseis provocaram a morte de 37 tripulantes, mas por sorte o navio não afundou, devido ao trabalho das equipes de controle de avarias e por causa do mar calmo.

O incidente evidenciou novamente a vulnerabilidade dos navios de superfície aos ataques com mísseis antinavio, a exemplo do que ocorreu com o destróier britânico HMS Sheffield durante a Guerra das Malvinas, cinco anos antes.

As avarias provocadas pelo ataque foram orçadas na época em US$ 142 milhões.

O comandante Glenn Brindel e três oficiais da USS Stark foram afastados de suas funções após o incidente. O navio voltou a operar depois dos reparos e continuou na ativa até 1999.

A USS Stark ficou bastante avariada após ser atingida pelos Exocet, mas não afundou
Míssil SM-1 Standard de defesa de área que equipava a USS Stark. Mesmo capaz de se defender, a fragata americana acabou sendo atingida
O CIWS Phalanx de defesa antimíssil da USS Stark estava desligado no momento do ataque

Ataque por Mirage F1 ou Falcon 50?

Durante muito tempo se pensou que a fragata USS Stark teria sido atacada por um Mirage F1 EQ, do Iraque. Mas, na verdade, o navio americano foi atacado por um jato executivo Dassault Breguet Falcon 50 modificado com radar e dois pilones sob as asas para lançar os mísseis antinavio AM-39 Exocet.

Segundo o renomado autor de livros de temas militares Tom Cooper, a cabine do Falcon 50 também teria sido modificada, incorporando nela os aviônicos do Mirage F1 EQ-5. Este avião, que realmente existiu, recebeu o apelido de “Susana” na Força Aérea do Iraque e era usado basicamente para treinar pilotos dos Mirage F1, que estava entrando em operação no país.

Existem poucas imagens do “Susana” e foram feitas durante uma exposição no Iraque. Talvez elas sejam anteriores à alegada modificação mencionada acima, uma vez que não aparecem os pilones sob as asas. Sob a fuselagem parece ser um casulo para missão de reconhecimento. Tom Cooper afirma que esta aeronave foi equipada com um tanque de combustível extra dentro da fuselagem, para aumentar seu alcance.

Dassault Breguet Falcon 50 “Susana” modificado com nariz de Mirage F1, abrigando o radar multimodo Cyrano IVM Dassault Falcon 50 “Susana” e Saddam Hussein

O “Susana”, com seu radome em particular e aviônica, e outros dois Falcon 50 iraquianos conseguiram fugir para o Irã. E desde então não houve mais notícias sobre o “Susana” ou foram divulgadas novas fotos.

Arte do Dassault Breguet Falcon 50 com mísseis Exocet AM39
Mirage F.1EQ-5 iraquiano, com míssil Exocet AM39
Exocet AM39

Lições aprendidas

O incidente com a USS Stark colocou em discussão as regras de engajamento em áreas de tensão, onde as ordens superiores muitas vezes atam as mãos dos comandantes que precisam decidir o que fazer em questão de minutos ou segundos.

A fragata americana tinha todas as condições de se defender do avião iraquiano, mas devido às regras de engajamento, o oficial responsável hesitou em “iluminar” o jato iraquiano com seu radar de direção de tiro, lançar chaff, acionar o CIWS Phalanx ou lançar um míssil antiaéreo.

USS Stark vista pela popa. O CIWS Phalanx aparece sobre o hangar

Imagem de Destaque: Fragata USS Stark adernada após receber os impactos de dois mísseis Exocet AM39

Sobre o Autor: Alexandre Galante é jornalista especializado em assuntos militares e editor-chefe da revista e trilogia de sites Forças de Defesa. No final dos anos 80, foi tripulante da fragata Niterói (F40) da Marinha do Brasil, integrando a equipe de manobra do helicóptero Lynx embarcado. Nos anos 90, colaborou como articulista com as revistas Segurança & Defesa e Tecnologia & Defesa. No jornal O Globo, trabalhou na redação, de 1996 a 2008.

Ensaio publicado no endereço eletrônico: https://www.naval.com.br/blog/2022/05/17/ha-35-anos-a-fragata-uss-stark-era-atingida-por-dois-misseis-exocet-durante-patrulha-no-golfo-persico/ , em 17/05/2022.

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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