Prof. Esp. Pedro Silva Drummond
Introdução
No dia 28 de Junho de 1914, a Europa e posteriormente o resto do Mundo foi informada de um dos maiores acontecimento da História, o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro e de sua esposa, a duquesa Sofia de Hohenberg. O fato ocorrido em Sarajevo foi o estopim para o início da Primeira Guerra Mundial.
Desde o final do século XIX e inicio do século XX, as nações europeias estavam enfrentando diversas situações que dificultavam a manutenção da paz entre as nações, como: os conflitos imperialistas, avanço do nacionalismo, formação de pactos entre Países, como a Tríplice Entente e Tríplice Aliança, desenvolvimento de armamentos, entre outros.
A morte do herdeiro do Império Austro-Húngaro desencadeou uma crise no Continente Europeu provocando o acionamento do sistema de Alianças, e consequentemente o início da Primeira Guerra Mundial.
Oficialmente, a Grande Guerra teve início em 28 de Julho de 1914, e irá durar até 1918. Nos primeiros meses do conflito, a guerra já irá se alastrar pelo mundo, e um exemplo disso, aconteceu na costa do Brasil, na Ilha de Trindade, uma batalha entre duas das potências militares do período, Inglaterra e Alemanha, no que ficou conhecido como a Batalha de Trindade, em 14 de setembro de 1914.
Ilha de Trindade
A Ilha de Trindade “distancia-se cerca de 1.140 quilômetros do Espírito Santo e localiza-se a 20°33’de latitude sul e a 29°21’de longitude oeste do meridiano de Greenwich, possuindo uma área em torno de 8,2 quilômetros quadrados. Sua superfície não é adequada para a agricultura devido à origem vulcânica, e o desembarque é difícil, em virtude da agitação permanente do mar. É considerado o ponto mais a leste do território brasileiro.” (Verbete CPCOC)
Historicamente, o território foi centro de disputas por diversos anos entre Portugal e Inglaterra, e posteriormente com a Independência do Brasil, entre os britânicos e brasileiros, como explica o verbete do CPDOC: “A ilha foi identificada no início do século XVI pelo navegador português João da Nova. Em 1700, o capitão Edmond Halley tomou posse dela para a Inglaterra, por julgá-la abandonada, o que não foi reconhecido por Portugal. Em 1724, o vice-rei do Brasil, Vasco César de Meneses, tentou sem êxito fortificá-la. Em 1781, a Inglaterra novamente a ocupou, ao estabelecer um entreposto com vistas a reforçar seu comércio com a América do Sul. No final de 1782, após reclamações de Portugal, a ilha foi desocupada. Imediatamente, o vice-rei do Brasil recebeu ordem de enviar uma expedição com o objetivo de confirmar a soberania lusa sobre a ilha. Quando do reconhecimento da independência do Brasil por Portugal, por meio do Tratado do Rio de Janeiro, em agosto de 1825, a soberania sobre a ilha passou para o Brasil, por pertencer esta naquele momento à província do Espírito Santo, vinculada, por sua vez, à capitania-mor do Rio de Janeiro.” (Verbete CPCOC)
No final do século XIX, deu-se início a uma nova disputa pela região, entre Brasil e Inglaterra. Os ingleses no meio para o final do século XIX tinham iniciado a sua expansão imperialista, e a Ilha de Trindade era uma região estratégica importante para a manutenção dos canais de comunicação, os cabos submarinos eram cada vez mais utilizados.
A invasão inglesa ocorreu em Janeiro de 1895, com o objetivo de estabelecer uma estação telegráfica que conectaria Londres a Buenos Aires. Depois de diversas discussões diplomáticas, ficou decidido que Portugal faria a mediação para que se chegasse a solução do problema. Em agosto de 1896, Portugal reconheceu a soberania do Brasil sobre a Ilha de Trindade e consequentemente a saída dos ingleses da região.
Neutralidade do Brasil
Com o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, o Brasil, assim como, as outras Nações do Continente Americano, declararam sua neutralidade, em relação ao conflito na Europa. No dia 4 de Agosto de 1914, foi oficializado pelo governo o Decreto nº 11037, que indicava a condição de neutralidade da Nação, como relata o historiador Carlos Dároz:
“Redigido com 27 artigos, o documento elencava uma série de regras de conduta que tinham como objetivo manter o Brasil fora do conflito, muitas delas ligadas à navegação nas águas territoriais e à utilização dos portos nacionais por navios dos países beligerantes. Dentre os artigos do decreto, destacam-se:
Art. 1º Os residentes nos Estados Unidos do Brasil, nacionais ou estrangeiros, devem abster-se de qualquer participação ou auxilio em favor dos beligerantes e não deverão praticar ato algum que possa ser tido como de hostilidade a uma das potências em guerra.
Art. 2º Não é permitido aos beligerantes promover no Brasil o alistamento de nacionais seus, de cidadãos brasileiros, ou de naturais de outros países para servirem nas suas forças de terra e mar.
Art. 3º O Governo Brasileiro não consente que se preparem ou armem corsários nos portos da República.
Art. 4º É absolutamente proibida a exportação de artigos bélicos dos portos do Brasil para os de qualquer das potências beligerantes, debaixo da bandeira brasileira ou de outra nação.
Art. 5º É proibido aos Estados da União e seus agentes exportar ou favorecer direta ou indiretamente a remessa de qualquer material de guerra a um dos beligerantes ou aos beligerantes.
Art. 6º Aos beligerantes é proibido fazer do litoral e águas territoriais dos Estados Unidos do Brasil base de operações navais contra os seus adversários, e também lhes é vedado colocar nessas águas estações radiotelegráficas flutuantes, servindo de meio de comunicação com forças beligerantes no teatro da guerra.
Art. 7º Se o teatro das operações de guerra ou os portos marítimos de um dos beligerantes estiverem a menos de doze dias de viagem dos Estados Unidos do Brasil, calculada a travessia, a vinte e três milhas, nenhum navio armado em guerra do outro ou outros beligerantes, acompanhado ou não de presas, poderá estacionar nos portos, baías ou ancoradouros brasileiros mais de 24 horas, salvo o caso de arribada forçada. […]” (Daróz, 2016, p.28-29)
Somente três anos após o início da Primeira Guerra Mundial, o Brasil entrou no conflito, como uma nação beligerante do lado da Tríplice Entente.
Batalha de Trindade
Nos primeiros meses após o início da Primeira Guerra Mundial, o conflito chegou ao continente americano, mas especificamente na costa do Brasil. A Alemanha desde o início do século XX enxergava o Atlântico Sul como uma área estratégica, na África tinha suas colônias e na América o comércio com o Continente aumentava com o passar dos anos.
Em agosto, já tinha ocorrido a Batalha dos Abrolhos, na costa da Bahia, e até o dia da Batalha de Trindade, a movimentação de navios alemães e ingleses eram intensas. No final de agosto, a canhoneira SMS Eber tinha recebido ordens de transferência de armamento e tripulação ao paquete Cap. Trafalgar, com o objetivo de transformá-lo em incursor de superfície. “O encontro entre os dois navios deu-se no dia 31 de agosto, junto à ilha de Trindade, em águas territoriais brasileiras. No dia 10 de setembro, completada a transferência dos canhões e do pessoal, agora arvorando em seu mastro uma bandeira de navio mercante e guarnecida por apenas trinta homens, a Eber partiu desarmada em direção à Bahia, e chegou a Salvador quatro dias depois” (Daróz, 2016, p.32)
O paquete Cap. Trafalgar, “era um novíssimo navio de transporte de passageiros, com menos de um ano de uso, que deslocava 18.170 toneladas e possuía 187 metros de comprimento. Aproveitando sua modernidade e bom desempenho em alto-mar, a Marinha Imperial alemã resolveu transformá-lo em cruzador auxiliar para empreender a guerra de corso no Atlântico Sul, atuando em conjunto com os cruzadores SMS Karlsruhe e SMS Dresden.” (Daróz, 2016, p.33)
A transformação do paquete Cap. Trafalgar em cruzador auxiliar para a guerra de corso, não teve uma vida longa, depois de quatro dias da transferência dos armamentos e pessoal da canhoneira SMS Eber, o paquete enfrentou uma batalha contra o cruzador auxiliar inglês HMS Carmania, como explica o pesquisador Carlos Dároz: “Depois de a canhoneira Eber transferir seu armamento e partir para a Bahia, na manhã de 14 de setembro de 1914, o Cap Trafalgar estava sendo abastecido pelo navio-carvoeiro Eleonore Woermann, ainda na ilha de Trindade, quando foi surpreendido pelo cruzador auxiliar HMS Carmania, também um navio de passageiros convertido. Após breve perseguição, na qual embarcação alemã tentou se colocar fora do alcance do Carmania, os canhões dos dois navios abriram fogo, dando início a um tenso duelo que durou cerca de duas horas. Como os canhões britânicos possuíam maior alcance e eram servidos por uma central de tiro mais moderna, o Cap Trafalgar foi duramente atingido e começou a adernar. Quando atingiu a inclinação de 30º, o comandante alemão, Korvettenkapitän Julius Wirth, ordenou o abandono do navio, que não demorou muito para afundar. A vitória não foi sem custo para os britânicos: o Carmania recebeu 73 impactos diretos das granadas dos canhões do Cap Trafalgar e, por muito pouco, também não afundou. Depois de ter um incêndio a bordo controlado, o Carmania precisou ser escoltado pelos cruzadores HMS Bristol e HMS Cornwall até o porto do Recife, onde sofreu reparos de emergência, antes de seguir viagem. Navios-carvoeiros alemães conseguiram resgatar do mar 279 marinheiros do Cap Trafalgar, muitos feridos com gravidade.” (Daróz, 2016, p.33-34)
Conclusão
Os conflitos ocorridos no Atlântico Sul, indicam como as batalhas navais na Primeira Guerra Mundial tiveram uma grande importância para a guerra, assim como, os conflitos na região do Continente Americano, foram relevantes para a disputa pelo controle do Oceano.
As consequências da Batalha de Trindade foram as seguintes: “25 mortos, 9 britânicos e 16 alemães, inclusive o capitão Wirth, que, em conformidade com as melhores tradições navais alemãs, preferiu ir ao fundo com seu navio. Posteriormente, os marinheiros alemães sobreviventes foram desembarcados em Montevidéu, no Uruguai.” (Daróz, 2016, p.34)
Após a batalha de Trindade, ainda ocorreram diversas batalhas entre britânicos e alemães na região do Atlântico do Sul, contribuindo para disputa em relação à superioridade naval entre as duas nações.
Imagem de Destaque: http://darozhistoriamilitar.blogspot.com/2020/01/a-batalha-da-ilha-de-trindade.html
Bibliografia
ARRAES, Virgílio. Verbete: Ocupação Britânica da Ilha de Trindade. CPDOC-FGV. Disponível em: <https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/1%20Verbetes%20letra%20O.pdf>. Acessado em: 02/12/2022.
DARÓZ, Carlos. A Batalha da Ilha de Trindade. Disponível em: <http://darozhistoriamilitar.blogspot.com/2020/01/a-batalha-da-ilha-de-trindade.html>. Acessado em: 02/12/2022.
DARÓZ, Carlos. O Brasil na Primeira Guerra Mundial: A Longa Travessia. São Paulo: Contexto, 2016.
Especialização em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Graduação em História (Bacharel e Licenciatura) pela Universidade Gama Filho (UGF), autor de Artigos em História Militar.